As mulheres portuguesas que emigraram foram as que mais facilmente se adaptaram e as primeiras a construir as pontes sociais e educacionais que permitiram aos seus filhos serem hoje lusodescendentes de sucesso.
A
interpretação é de Aida Batista, uma professora do Sardoal que viveu em Angola,
Finlândia e Canadá e reuniu no livro “Menina e Moça me levaram” um conjunto de
depoimentos de 44 mulheres emigrantes e imigrantes, através do qual é escrita a
história da emigração no feminino.
“Nem
sempre se deu valor às mulheres [emigrantes], que ficaram quase sempre na
sombra dos maridos”, disse Aida Batista à agência Lusa, afirmando, em relação à
grande vaga de emigração dos anos 1960, que desta resultaram as condições para
que “os que nada tinham investissem na educação dos seus filhos”.
E
acrescentou: “Esta nova geração é resultado do sacrifício que a primeira fez.
Os seus filhos, neste caso filhas, ao verem os outros modelos de mulheres de
sucessos, quiseram reproduzi-los, não quiseram ficar à margem dessas outras
mulheres dos países de acolhimento”.
Sobre
as primeiras a emigrar, a autora sublinha que, apesar de irem na sombra do
marido, por norma o primeiro a ir, “rapidamente se automatizaram”.
“Mesmo
quando falamos na ‘concierge’ [porteira] e na mulher da limpeza, foram
elas que aprenderam a língua mais depressa, até porque estavam em ambientes em
que lidavam com outros estratos sociais” (…) e “foram elas que desempenharam
esse papel tão importante com os filhos, que os incentivaram a estudar, a ter
formação para poderem ser como as outras mulheres do país de acolhimento”.
Mesmo
sobre o regresso, normalmente “é o homem que quer regressar e a mulher não
quer”, disse, referindo: “A mulher é muito mais afirmativa nesses países do que
o homem”.
Segundo
Aida Batista, apesar de continuar a existir “alguma emigração muito própria da
década de 60, a maioria agora já é gente muito qualificada, que fala a língua
do país para onde vai, ou tem uma língua com que comunicar [inglês], que já tem
conhecimentos, tem mundo dentro de si”.
Manuela
Aguiar, ex-secretária de Estado das Comunidades e fundadora da Associação da
Mulher Migrante, que prefacia o livro “Menina e moça me levaram” (editora
Alma Letra), destaca o papel determinante das mulheres na emigração portuguesa,
apesar de, tal como o título do livro, desde sempre as mulheres terem sido
levadas.
“As
mulheres, ao emigrarem, podem mudar o projeto, porque lhe dão outra força,
outra expressividade e outra capacidade de integração naquele país”, disse à
agência Lusa.
Uma
mudança que passa pela “integração”, pois é ela que “faz a ponte com as outras
culturas, muito mais do que faz o homem”.
“Com
essa ponte entre culturas, com essa compreensão da sociedade em que está, ela
cria condições para toda a família”, referiu.
Segundo
Manuela Aguiar, foram as mulheres portuguesas emigrantes que conseguiram
reconverter um projeto econômico (fazer a casa, comprar umas terras e fazer uma
agricultura em Portugal) para uma vertente mais cultural, mais educativa e
formativa dos filhos.
“Elas
querem que os filhos tenham uma vida diferente da delas. Para isso os filhos
têm de estudar. E apostam tanto ou mais na formação acadêmica dos filhos do que
apostam no sucesso material, através da compra de uma casa e do regresso a
Portugal. Porque se esses jovens se integram no sistema escolar e na vida dos
países onde estão vão querer ficar lá e na maior parte dos casos eles querem
ficar cá”, disse.
E
quando se trata do regresso, “são sempre as mulheres e os jovens que não querem
regressar” e “são sempre os homens que querem, porque os homens querem realizar
o seu sonho e o seu sonho é viver como viviam antes, mas entre os abastados da
sua terra”.
Mas
as mulheres querem mais do que isso: “Querem continuar com uma sociedade que
lhes deu um novo papel. Elas redescobrem na emigração uma outra maneira de
serem mulheres, mais profissionais, independentes, ganham uma grande
importância na família”.
Apesar
de reconhecer uma evolução, Manuela Aguiar encontra denominadores comuns à
emigração no passado.
“Houve
uma evolução, sem dúvida, mas nessa evolução, quando vemos o verdadeiro papel
da mulher, ele foi tão importante ontem como é hoje”.
Para
a ex-governante, estas emigrantes “cumpriram o papel das feministas do
princípio do século: a mulher só pode valorizar-se pela educação e pelo
trabalho [autónomo] e foi isso o que elas conseguiram na emigração”.
“Mas
conseguiram também muito lá para trás, não foi só hoje”, comentou.
O
livro “Menina e moça me levaram” foi apresentado durante uma sessão online. In “Mundo
Lusíada” – Brasil com “Lusa”
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