“Quim Sâm Nôs?” é um estudo da comunidade macaense através da análise descritiva do teatro Patuá da autoria de Elisabela Larrea, que não arrisca a concluir qualquer hipótese para toda a comunidade macaense em Macau
Entender
a comunidade macaense, à qual a autora pertence, através do teatro Patuá é o
propósito de Maria Elisabela Larrea y Eusébio na sua dissertação académica de
doutoramento, apresentada e defendida recentemente com distinção na
Universidade de Macau (UM), sob supervisão e orientação do professor Timothy
Alan Simpson.
Elisabela
Larrea pretende com este novo documento apresentar um estudo descritivo das
mudanças do teatro Patuá, um teatro comunitário que permitiu aos crioulos
apresentar a sua cultura, bem como fazer uso dele para a preservação desta
língua tão peculiar. “O meu estudo ofereceu não só uma análise detalhada e
documentação do desenvolvimento do teatro, mas também uma referência a partir
da qual se pode examinar as lutas discursivas da comunidade macaense num
ambiente social e político em rápida mudança”, explica Elisabela Larrea na conclusão
da sua tese.
Como
qualquer estudo, existem sempre limitações no decorrer do trabalho de
investigação. “Este estudo não tem a pretensão de concluir qualquer hipótese
para toda a comunidade macaense em Macau, nem tampouco oferece uma suposição
sólida de como e porque todos os macaenses agem de certa forma”, revela a
autora, que assume que os dados empíricos do seu estudo estão “eventualmente
disponíveis para estudos futuros, ou mesmo escrutínio crítico”
Baseado,
essencialmente, no estudo dos Dóci Papiaçám di Macau, entre 1993-2015,
Elisabela Larrea observou participantes, fez entrevistas pessoais e ainda um
inquérito online. Numa primeira conclusão, muito simples, “observa-se que a
comunidade eurasiana transformou o teatro Patuá num terceiro espaço, um espaço
de resistência e uma forma de diálogo cultural. Os macaenses optaram por
perseguir o seu capital de representatividade e o Patuá assume um novo papel
como linguagem da performance”, considera a académica.
“O
meu estudo é uma análise a partir de materiais parciais do teatro Patuá e
centra-se mais no período pós-transição de Administração de Macau, dos quais o
registro, excepto os Dóci Papiaçám di Macau, foi limitado e só poderia oferecer
um vislumbre de como poderia ter sido durante o forte período colonial
[1846-1966]”, afirmou, ao Ponto Final, Elisabela Larrea, para quem os materiais
gravados utilizados poderiam ter sido editados e enquadrados, excluindo assim
certos detalhes que um campo detalhado que uma observação pode oferecer.
A
autora afirma não conseguiu adquirir os roteiros teatrais para se apoiar numa
análise de conteúdo em profundidade, como a dependência da qualidade de áudio
das gravações de vídeo, assumindo que o seu conhecimento linguístico de Patuá,
ainda assim, é forte.
Elisabela
Larrea propôs-se a “compreender as mudanças do teatro Patuá em relação ao
discurso discursivo. Por isso, o estudo acaba por ser, naturalmente, o seu
ponto de vista e interpretação de um assunto que considera inexplorado. “Seriam
necessários mais estudos para compreender a influência do teatro Patuá
contemporâneo sobre o espectador macaense, desde a geração sénior à geração
mais jovem”, conclui.
A
autora concluiu ainda, provando por A mais B, que “a língua Patuá mudou de uma
língua materna, ou seja, de uma ferramenta de conversação diária, para uma
língua de performance, que os macaenses usam para apresentar sua identidade
cultural”.
As
observações da autora decorrem de um estudo aprofundado do processo evolutivo
do património cultural imaterial de Macau, nomeadamente através da sua
compreensão do teatro Patuá tradicional ao teatro Patuá contemporâneo. “O
teatro Patuá deixou de ser um teatro exclusivo de minorias para tornar-se um
espectáculo de Macau inclusivo em relação às mudanças no ambiente social e
político”, nota Elisabela Larrea, também ela descendente desta comunidade
crioula da Eurásia.
Capital de representatividade
Mais,
a autora discute na sua tese “como os macaenses, com as suas lutas discursivas
no ambiente social e político em mudança, adquiriram uma nova capital de
representatividade que apoia a sua reivindicação autêntica de localidade”. Isso
pode explicar como é que esse tradicional espectáculo é relevante para Macau,
ainda mais depois de ter sido inscrito na Lista do Património Cultural
Imaterial de Macau, em 2012. “A minha principal constatação seria que os
macaenses atingiram o capital da representatividade, da qual adquiriram uma
nova importância social em Macau, onde se transformaram de tradutores
históricos entre duas culturas para a contemporaneidade de narradores de
cidade. Como narram a interculturalidade e mistura das culturas oriental e
ocidental da história de Macau para o mundo através do teatro Patuá”, disse
ainda a autora ao nosso jornal.
Tomando como ideias-chave da sua tese as palavras ou conjuntos de palavras: macaense; comunidade eurasiana; terceiro espaço; teatro minoritário; capital de representatividade; linguagem de performance; negociação de identidade; posicionamento social; liminalidade; estudos de performances; teatro Patuá; herança cultural intangível, Elisabela Larrea aborda a comunidade macaense e a língua outrora tida como “português quebrado”, hoje celebrada pela comunidade como elemento representativo da sua identidade cultural. O Patuá é a única língua crioula de base portuguesa em territórios chineses e tornou-se um símbolo de séculos de comunicação intercultural entre Ocidente e Oriente. Gonçalo Pinheiro – Macau in “Ponto Final”
goncalolobopinheiro.pontofinal@gmail.com
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