A pandemia obrigou uma luso-malaia a cancelar as aulas de dança e música no crioulo de matriz portuguesa de Malaca, mas a vontade de não parar levou-a a criar aulas e páginas online para esta língua não ser esquecida
Todos
os sábados, desde outubro de 2020, Sara Frederica Santa Maria ensina, de forma
gratuita, cerca de 20 pessoas, a maioria crianças luso-malaias do bairro
português em Malaca, mas também adultos do bairro e de Singapura, contou a professora
à agência Lusa.
“A
minha aluna mais velha tem 90 anos”, detalhou.
Sara
explicou que por causa da pandemia da covid-19 as aulas na sua casa de dança e
música no crioulo de matriz portuguesa kristang tiveram de ser canceladas, para
segurança dos cerca de mil a dois mil lusodescendentes que vivem nas quase 200
casas naquele bairro português.
“A
dança não podia mais ser feita” por causa da pandemia, afirmou, ainda que,
segundo Sara, não tenha havido qualquer caso entre a comunidade luso-malaia em
Malaca.
A
vontade de preservar a memória do pai, que morreu em 2008, e o “medo de perder
a língua” fez com que decidisse, em 2012, abrir as portas da sua casa também
todos os sábados, das 16h00 às 18h00, para ensinar dança e música em kristang
às crianças do bairro.
O
kristang surgiu há cerca de 500 anos quando os portugueses conquistaram o porto
estratégico de Malaca (em 1511), uma cidade no coração de um lucrativo comércio
de especiarias.
Ainda
assim, a covid-19 não a impediu de continuar a preservar a memória, tanto do
seu pai, como do kristang.
Segundo
a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO), o kristang encontra-se “seriamente ameaçado”, estimando-se que pouco
mais de duas mil pessoas ainda saibam falar este crioulo de matriz portuguesa.
Sara
disse que não consegue ficar parada e por isso decidiu dedicar o tempo que
tinha livre para dar aulas de kristang, na mesma hora das aulas de dança, mas
não só: ensina também a cultura portuguesa, nas suas várias vertentes, entre
elas a católica.
O
objetivo, explicou, “é que as pessoas não percam o jeito” de falar este
dialeto, que emprega a maior parte do seu vocabulário do português, mas a sua
estrutura gramatical é semelhante ao malaio e extrai as suas influências dos
dialetos chinês e indiano.
Além
das aulas online, Sara criou um grupo na plataforma Whatsapp e ainda um
canal no Youtube.
Agora
que chegou a semana da Páscoa, no grupo de criou na plataforma Whatsapp, Sara
partilha conteúdo em kristang sobre esta festividade católica, num país onde
islamismo é a religião oficial e é praticado por mais de 50% da população
malaia (31 milhões de habitantes) e onde catolicismo é praticado por cerca de
8% da população.
“Dumingu
di ramo” (Domingo de Ramos) ou “Bong Semana Santa tudu” (Boa Semana Santa para
todos), são alguns dos exemplos, juntamente com os vários agradecimentos à
mestre – “Muitu merseh, mestri Sara”.
O
próximo objetivo de Sara é ir a Goa marcar presença na 3.ª Conferência das
Comunidades Portuguesas na Ásia. Devido à pandemia, ainda não é certo que
poderá decorrer este encontro que, em 2019, na segunda edição, juntou no Bairro
Português de Malaca representantes das comunidades asiáticas descendentes de
portugueses, numa iniciativa de partilha das raízes culturais, com cerca de 300
luso-asiáticos, de várias comunidades do continente.
A
relação de Portugal com Malaca remonta a 1509, quando Diogo Lopes Sequeira,
enviado do Rei D. Manuel, aportou em Malaca para estabelecer relações com o
soberano local e dois anos mais tarde Afonso de Albuquerque desembarcou em
Malaca, demoliu a Grande Mesquita e levantou no local uma fortaleza que seria
um importante entreposto comercial.
Depois
de 100 anos de domínio português, a cidade foi tomada pelos holandeses, depois
pelos ingleses, até à independência da Malásia, em 1957. In “Bom dia
Europa” - Luxemburgo
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