Um estudo desenvolvido por investigadores da Universidade de Coimbra, do Instituto Universitário Egas Moniz e da Universidade Nova de Lisboa fornece novas pistas para a compreensão das dinâmicas sociais e culturais da época pós-medieval em Portugal.
A
equipa, coordenada pelos antropólogos Francisco Curate, da Faculdade de
Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), e Nathalie
Antunes-Ferreira, do Instituto Universitário Egas Moniz, estudou as
consequências funcionais e sociais de várias lesões esqueléticas sofridas por
um indivíduo do sexo masculino encontrado durante uma escavação arqueológica
realizada em 2018 no adro da antiga Capela do Espírito Santo de Bucelas, perto
de Lisboa.
Na
altura, foi descoberta uma necrópole com esqueletos dos séculos XVII – XVIII,
tendo sido exumados 98 adultos - 59 homens, 33 mulheres e 6 de sexo
desconhecido – e 59 não adultos. No entanto, um esqueleto chamou a atenção da
equipa responsável pela escavação, por apresentar evidências de lesões
múltiplas com sequelas importantes, destacando-se de forma clara dos outros
indivíduos encontrados.
Por
isso, este estudo focou-se apenas nos restos esqueléticos deste indivíduo, que
foram analisados através de uma abordagem de reincidência de lesão, abordagem
que avalia a experiência vivida por indivíduos que sofrem múltiplos incidentes
traumáticos, transmitindo uma contextualização diferenciada do sofrimento
individual dentro de um reticulado de processos sociais e culturais.
As
análises realizadas permitiram concluir que este homem de meia-idade «sofreu
traumatismos e lesões em diferentes momentos da sua vida, sendo por isso um
caso de lesões recidivas que sugere diferentes interpretações», indica
Francisco Curate.
Por
exemplo, detalha o investigador da FCTUC, «a possibilidade de este homem ter
sido alvo de cuidados médicos e pessoais por parte da comunidade: a severidade
das lesões, incluindo infeção pós-traumática, prejudicou seriamente a sua
qualidade de vida, limitando a sua capacidade motora e tornando-o inapto para
realizar uma série de tarefas, incluindo a alimentação, a higiene e o
trabalho».
Segundo
o antropólogo, os resultados deste estudo, que foi publicado no International
Journal of Osteoarchaeology, sugerem «a existência de uma associação entre
a atividade ocupacional, provavelmente ligada à agricultura, e estas lesões
graves e reiteradas. Além disso, e no contexto da época em questão, apontam
para um reticulado de fatores sociais e culturais próprios de uma sociedade
onde a violência estrutural era prevalente, nomeadamente através dos acidentes
de trabalho, do alcoolismo e da pauperização dos trabalhadores agrícolas».
Numa
perspetiva mais positiva, os dados obtidos «sugerem que a comunidade em que
este homem vivia cuidou dele possibilitando a sua sobrevivência. No fundo, um
único caso demonstra que o passado não é unidimensional, e que a história tanto
se centraliza na experiência do indivíduo (e na sua agência) como na sociedade
onde este viveu e morreu (e na sua coerção estrutural)», acrescenta.
Francisco
Curate nota ainda que a quantidade de fraturas, a sua severidade, e a sua
distribuição pelo esqueleto estudado «são ímpares, muito raras no registo
arqueológico. E, fazendo um paralelismo com casos clínicos atuais, sugerem uma
ligação a um mundo rural, de trabalhos agrícolas, e também a adição de
substâncias, nomeadamente o alcoolismo».
«Claro
que são hipóteses de trabalho, não é possível reconstituir fielmente a história
de vida deste indivíduo, mas são propostas lógicas e fundamentadas», esclarece.
Os restantes indivíduos encontrados na necrópole estão a ser estudados e em
breve os resultados serão também publicados.
Este
estudo dá contribuições importantes para a interpretação de «contextos
bioculturais no passado, abordando questões como violência interpessoal, idade
e género, desigualdade social e violência estrutural, estratégias de
subsistência, procedimentos cirúrgicos ou assistência médica e a prestação de
cuidados, entre outros», conclui o investigador. Universidade de Coimbra -
Portugal
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