Afinal
quem ganhou a Guerra dos 12 Dias, desencadeada por Israel contra o Irão? Não
são todas as mídias que se arriscam a fazer o balanço e proclamar o vencedor,
mesmo porque o suposto perdedor, o Irão, comemorou com manifestação popular o
cessar-fogo entre os dois países como uma vitória. Por sua vez, o Líder Supremo
iraniano Ali Khamenei, numa declaração
televisiva, se vangloriou dessa vitória, negando ter
havido destruição no Irão, que deu um tapa na cara dos EUA. O comentarista do
Uol Josias de Souza considerou essa declaração uma mostra da senilidade do
chefe religioso iraniano.Entretanto, essa versão de um Irão vitorioso é também
defendida pelo professor da Fundação Getúlio Vargas, Salem Nasser, no seu canal
Youtube, e pelo analista político do Canal Ópera Mundi, Breno Altman, contraditada por comentaristas de jornais e televisões
de diversos países ocidentais.
Onde
estão a Informação e a Contra-Informação, sabendo-se que, em tempos de guerra,
a verdade é a primeira vítima?
Vamos
começar pela Rádio Canadá, órgão estatal de
comunicação, vizinha dos Estados Unidos, cuja participação nos bombardeios dos
centros nucleares iranianos permitiu a suspensão da guerra.
A
Rádio canadense cita o discurso do dirigente israelense, no qual Benjamin
Netanyahou proclamou a vitória de Israel contra o Irão por ter "destruído
a indústria de fabricação de mísseis", afirmando recomeçar a guerra se
ocorrer qualquer "tentativa do Irão retomar suas ambições nucleares",
comemorando terem sido liquidadas as capacidades nucleares iranianas.
Disse
também "ter dado um golpe decisivo contra o regime iraniano", o mais
severo desde sua implantação no Irão. Esse ataque incluiu a eliminação de
diversos dirigentes dos Guardiães da Revolução e de uma dezena dos principais
cientistas do programa nuclear iraniano, mais a destruição de instalações
militares e a danificação de centrais nucleares. Netanyahu também citou os
ataques aos radares e à defesa aérea iraniana.
Israel
contou também com o apoio de agentes secretos recrutados dentro do Irão,
facilitando a eliminação de importantes dirigentes do governo iraniano.
A
razão da intervenção israelense no Irão, qualificada de preventiva, seria uma
próxima ameaça nuclear iraniana com o objetivo de destruir Israel.
Os
objetivos de Israel eram três: derrubar o governo do aiatolá e molás iranianos,
destruir o programa nuclear e liquidar o arsenal balístico.
Embora
tenha havido uma eliminação de generais dirigentes do regime, ela não foi
suficiente para derrubar o regime. Não houve também uma revolta popular
derrubando o regime, pois os ataques reavivaram sentimentos nacionalistas na
população e os apelos do filho do Xá Reza Pahlevi não tiveram eco. E existem
dúvidas quanto ao sucesso dos ataques às centrais nucleares de Natanz, Ispahan,
Arak e Fordo.
Embora
o presidente Trump tenha assegurado, no encontro da OTAN em Haia, ter liquidado
o programa nuclear iraniano, existem as informações de terem sido transferidos
400 quilos de urânio enriquecido e centrífugas para outros subterrâneos mais
seguros, antes dos bombardeios israelenses e norte-americanos.
Por
sua vez, a CNN informou, com base em informações militares, refutadas por
Trump, não terem sido totalmente destruídas as instalações nucleares iranianas
mas apenas danificadas, podendo ser reparadas em um máximo de seis meses.
De
acordo com o responsável pela Organização da Energia Nuclear Iraniana, existe
uma outra central de enriquecimento de urânio num lugar secreto, possibilitando
continuar com o programa nuclear.
Restam
os mísseis iranianos de diferentes tipos, disparados numa média de 40 por dia
contra Israel, num total de 500, durante os 12 dias de guerra, causadores de
sérios danos em Haifa e Tel Aviv. Ironia da guerra - o último míssil disparado
pelo Irão matou a quase totalidade de uma família palestina vivendo em Haifa.
Patrick Sauce, chefe do Serviço Internacional de BFMTV, em Paris, diz
ter sido Netanyahu o vencedor dessa guerra, mesmo se não conseguiu derrubar o
regime. Entretanto, o regime saiu enfraquecido e começou uma grande repressão
no Irão, onde o enforcamento de três suspeitos de espionagem foi o ponto de
partida.
Gaidz
Minassian, jornalista do Le Monde, se indaga o que se pode saber de credível
numa situação de guerra, mas afirma terem sido afetados o programa nuclear e a
situação política no Irão, embora não se possa falar em vitória israelense,
mesmo porque um cessar-fogo não significa o fim da guerra que pode recomeçar a
qualquer momento.
Prefere
falar em resultados positivos e operação bem sucedida. Em síntese, mudou agora
a maneira de como se tratará a questão: o Irão não poderá mais fingir obedecer
o controle nuclear e continuar a fabricar suas bombas nucleares.
A
visão do prof. Salem
Nasser é totalmente contrária a essas análises, afirmando
mesmo no seu vídeo no Youtube, que o cessar fogo teria sido uma iniciativa de
Israel "que não aguentava mais os ataques iranianos por estarem causando
muito prejuízo aos israelenses, com muita gente querendo sair e a economia
muito afetada... com os riscos de uma guerra prolongada que seria muito mais
prejudicial a Israel que ao Irão".
Verdade
ou isso é contestável? Nessa mesma linha, o Irão teria mostrado uma força e
resistência não esperada pelos EUA e Israel, enquanto as informações da Agência
Internacional de Energia Atômica foram colocadas em dúvida com um recuo do seu
diretor-geral sobre o programa iraniano. Por isso, afirma o professor, se
houver novas tentativas de negociações sobre o programa nuclear, o Irão terá
uma posição mais firme com a Agência Internacional e com os EUA.
O
que não será fácil, pois segundo a imprensa internacional não simpatizante com
o chamado regime teocrático repressivo dos molás e do aiatolá Khamenei, o Irão
saiu fragilizado dessa Guerra dos 12 Dias.
Por
uma feliz coincidência, durante a guerra contra o Irão, havia em Paris o 12.º Festival do Cinema Iraniano com 18
filmes. O cinema iraniano tem revelado, nos festivais internacionais, a
repressão do regime iraniano aos seus cineastas, ganhadores de prêmios em
Berlim, Cannes, Veneza e Locarno. Por isso, ao divulgar o festival, a Rádio
Franc fala em "grito de resistência" representado pelo cinema
iraniano.
De
acordo com a iraniana Nahal Khaknegar, programadora do festival, o jovem cinema
iraniano confirma seu papel de resistência, depois do movimento Mulheres, Vida
e Liberdade. Rui Martins – Suíça
__________
Rui Martins é
jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador
do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas,
que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos
emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro Sujo da
Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto
Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Vive na Suíça,
correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.
Sem comentários:
Enviar um comentário