Especialistas consideram que aposta moçambicana em Macau se mantém condicionada pela falta de indústria e de recursos financeiros, e que novas parcerias, incluindo no âmbito da Grande Baía, podem projectar Moçambique no território.
Ao
visitar o centro de exposições de produtos do Fórum de Macau, no ano passado, a
académica Fátima Papelo, que estuda as relações sino-moçambicanas, apercebeu-se
da existência de poucos produtos de Moçambique no local, onde estão expostos
artigos dos vários países lusófonos. “Existem muitos mais produtos brasileiros,
mas é, até certo ponto, um reflexo da estrutura económica moçambicana. Acredito
que, por via do Fórum de Macau, também podemos pensar em como transformar esta
estrutura económica positivamente e que terá como consequência a existência de
mais produtos moçambicanos a serem vendidos em Macau”, notou agora à Lusa.
Dados
oficiais do Governo de Macau sustentam a percepção da académica da Universidade
Joaquim Chissano, em Maputo: O território importou de Moçambique, em 2024, bens
no valor de cerca de 12 milhões de patacas. No caso do Brasil, o valor
ultrapassou mil milhões de patacas.
Neste
sentido, Papelo refere a necessidade de criar “mais eventos” que coloquem
agentes do comércio de Macau e Moçambique “a discutir e explorar possibilidades
de aprofundamento dessas relações”.
“Também
é necessário colocar outros indivíduos ligados à indústria, porque só uma
indústria desenvolvida pode conferir produtos que vão ser trocados. Moçambique
ainda precisa trabalhar muito neste desenvolvimento da indústria e é dessa
forma que vai transformar os seus produtos em manufacturados, colocá-los no
mercado de Macau e, quem sabe, de toda a China”, considera.
Criado
em 2003, o Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os
Países de Língua portuguesa, constitui “um diferencial” na relação entre
Moçambique e China, afirma Papelo, defendendo, porém, que “há muito que ainda
não está a ser feito”. “É importante olhar como um espaço de trocas. Nesse
caso, investimentos devem vir a Moçambique, mas investimentos moçambicanos
também devem ir a Macau. Este segundo sentido precisa de ser trabalhado”, diz.
Apesar
de a China ter sido um dos primeiros países a reconhecer Moçambique como Estado
soberano, no dia em que este declarou a independência, em 25 de Junho de 1975,
a “fortificação dos laços” com Macau, então sob administração portuguesa, vai
dar-se apenas após 1999. “A partir do momento que o Governo chinês começa a
assumir controlo sobre o território, aí já existe esta possibilidade de
Moçambique cooperar também com Macau. Então, esta relação começa a tornar-se
muito mais viva, muito mais presente”, sublinha.
O
historiador Wu Zhiliang considera a criação do Fórum de Macau “um
reconhecimento” do papel do território como ponte entre a China e os parceiros
lusófonos. Assumindo que a região “tem muito por fazer para cumprir bem esta
missão”, o também presidente da Fundação Macau refere à Lusa que o Fórum deve
“ampliar a sua acção, além da promoção de intercâmbio económico e comercial, às
áreas do ensino, cultura e investigação científica”.
O
ensino superior, por exemplo, foi uma das áreas de cooperação que ganhou alento
no pós-transição. Dos cerca de 60 moçambicanos a residir em Macau, mais de
metade são estudantes, estima o presidente da Associação dos Amigos de
Moçambique. Ângelo Patrício Rafael, também professor na Universidade de São
José, chegou ao território em 2012 para um mestrado em Direito de Comércio
Internacional, fruto de um protocolo entre a Universidade Eduardo Mondlane e a
Universidade de Macau.
Mas
também aqui, registam-se dificuldades. “As universidades, principalmente as
privadas, não têm a capacidade financeira, por exemplo, para atribuir bolsas
completas a estudantes internacionais que vêm dos países de língua portuguesa.
Por outro lado, pode ser muito caro para esses estudantes saírem destes
países”, diz.
Rafael
acredita que “o desafio passa, muitas vezes, por encontrar os parceiros certos
que acreditam neste papel de Macau, que estejam dispostos a financiar ou, de
alguma forma, ajudar neste processo”.
Sobre
o reforço dos laços sino-moçambicanos, “a parte mais difícil”, reflecte o
responsável, é provavelmente “o estreitamento dessas relações para lá do nível
institucional”: “Há também muito que se tem feito a nível cultural, mas acho
que [é necessário] potenciar mais esta interacção entre os povos”.
Uma
oportunidade para Moçambique constitui, ainda segundo Fátima Papelo, a Grande
Baía, que Maputo deve “aproveitar e explorar”. “Vejo um espaço em que
Moçambique pode promover as suas potencialidades, pode também buscar serviços
que irão permitir o seu desenvolvimento económico em diversas áreas, desde
energia, indústria, transporte, comunicação, porque há muito desenvolvimento
tecnológico, na área de transporte, até formulação de políticas públicas”,
propõe.
E
a língua portuguesa, diz, será “sempre vantagem”: “É necessário que Moçambique
perceba este lugar especial que tem e dele faça bom uso, no sentido positivo”. In “Jornal
Tribuna de Macau” – Macau com “Lusa”
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