Sou
da época em que o forte das piadas era sobre portugueses. Entende-se, minha
infância e adolescência foi em Santos, onde a maioria da população era de
imigrantes portugueses. Mas havia também piadas sobre os caipiras. Sempre
surgia uma nova e todo mundo ria.
Como
em casa não havia televisão, não conheci os humoristas populares da época, mas
vez ou outra que vi ou ouvi, pode ser falha minha, havia mau gosto.
Gostei
quando surgiu o Pasquim, alguns meses antes de deixar o Brasil e me tornar
exilado em Paris, onde conheci o humor do Charlie Hebdo, que procurava ler. Nem
sempre, por questão de economia, vivia com dinheiro curto. Comprar revista de
humor era luxo!
Cheguei
a colaborar nessa época com o Pasquim e estreei com página inteira falando do
bidê e de suas muitas utilidades, pois há 55 anos, em Paris, era comum não
haver chuveiro nos hotéis. Era o caso do Hotel Montesquieu, na rue de la
Sorbonne, onde vivi mais de um ano até o nascimento de minha primeira filha. O
texto era uma gozação irônica toda inventada.
O
forte do Pasquim eram Millor, Jaguar e Henfil. No Charlie Hebdo, havia sempre a
capa de Wolinski, e o humor do Reiser, Cavanna, Gébé, sempre na base de
ironias. Todos eles metralhados e mortos por dois islamitas, por terem publicado uma caricatura de Maomé
na capa da revista.
E
não posso esquecer, havia o Coluche
e suas irreverências. Algumas delas antissemitas...
Por
que tantas reminiscências, se esse tipo de show não é a minha praia? Para poder
introduzir aqui a onda provocada pela condenação do humorista Léo Lins por, ao
que me parece, fazer humorismo racista.
Mas
antes é bom lembrar a condenação do humorista francês Dieudonné na Suíça e na
França por racismo, a penas bem menores que os oito anos de prisão pronunciados
contra Léo Lins. Dieudonné M'Bala M'Bala, de origem africana com formação
católica, é criticado por suas ligações com os muçulmanos franceses e por fazer
sketches e piadas antissemitas.
Até
onde vai a liberdade de expressão? Em março de 2023, o Tribunal Federal suíço
condenou o humorista Dieudonné por discriminação racial por ter negado a
existência das câmaras de gás nazistas e por ter minimizado o Holocausto.
Comentando essa condenação, o site suíço Direitos Humanos publicou como
título: Caso Dieudonné - a liberdade de expressão não protege comentários
negacionistas.
Chegamos,
então, à condenação de Léo Lins a oito anos de prisão por comentários
discriminatórios ou racistas. Vista de Portugal pelo jornal Público, a
condenação gera debate e o jornal publica a foto do kit cadeia, presente
recebido por Léo, se a prisão for confirmada depois do recurso interposto.
Os
humoristas portugueses Fábio Porchat e Antônio Tabet consideram inaceitável
essa condenação, enquanto a atriz Luana Piovani, residente em Portugal, aprova,
e Ricardo Araújo Pereira considera uma sentença "grotesca". O jornal
Publico cita até o The Washington Post que no seu
comentário "trumpista" reforça a onda "bolsonarista" de
haver limites à liberdade de expressão no Brasil.
O
filósofo Henry Bugalho comentou o livro do
humorista, O Segredo da Comédia Stand-Up, no qual Lins afirma que nem tudo no
palco é só piada, mas que o stand-up se baseia na verdade, no ponto de vista do
comediante e não sua performance fictícia.
Ora,
de acordo com Bugalho, isso compromete sua defesa, baseada em liberdade
artística e dissociação entre autor e obra. Diante disso, como separar o humor
da discriminação real? Donde a necessidade urgente de um debate sobre liberdade
de expressão, responsabilidade e os limites do riso.
Outro
filósofo Paulo
Ghiraldelli critica o humorista Léo Lins por propagar a
desumanização das minorias. E qual sua opinião? Rui Martins – Suíça
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