A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO – divulgou na quarta-feira, 18 de Junho, uma publicação intitulada “A indústria editorial africana: tendências, desafios e oportunidades de crescimento”.
Um
documento que se mostra importante para percebermos como vai a vida literária
nos 54 países do continente. Uma leitura genérica ao documento e a olhar para
Moçambique, faz soar o alerta sobre o que está por ser feito e sobre o estranho”
rumo que a produção de livros que o meu país tomou”.
A
começar, o relatório fala da indústria editorial no seu todo, do livro escolar
à ficção, leis e políticas culturais para a área do livro, iniciativas de
promoção e estímulo ao mercado editorial. A informação foi obtida a partir de
fontes governamentais do sector, organizações e através de entrevistas aos que
estão envolvidos na indústria. Em Moçambique, não podemos deixar de assinalar a
busca de informação que se fez na plataforma cultural independente Catalogus,
que tem se dedicado a divulgação de conteúdos sobre eventos e iniciativas
literárias em Moçambique.
Segundo
os dados recolhidos pela UNESCO em 2023 Moçambique contava com 61 editoras
registadas, com 300 títulos publicados, 14 livrarias em funcionamento, 37
bibliotecas públicas e 1600 empregos gerados pelo sector editorial. Segundo a
publicação, há uma livraria por cerca de 900 mil habitantes, numa população
total de cerca de 33 milhões.
O
relatório alerta para a ausência de políticas públicas que estimulem o
crescimento da indústria editorial. No caso de Moçambique, menciona a Política
Cultural e a sua Estratégia de Implementação aprovada em 1997, que estabelece
os procedimentos básicos para a produção e comercialização de livros em
Moçambique. Este instrumento apela à comercialização de livros a preços
reduzidos, a fim de permitir um leque mais alargado de leitores e estimular o
interesse pela leitura e pela literatura.
Refere-se igualmente à Lei do Mecenato, de 1999 que estabelece os princípios básicos que permitem às pessoas singulares ou coletivas, públicas ou privadas, desenvolver atividades ou apoiar financeira e materialmente atividades no domínio das artes, da literatura, da ciência, da cultura e da ação social.
Importa
referir que estes instrumentos, a Política Cultural, a Lei do Mecenato e ainda
a Política Nacional do Livro, esta última aprovada em 2011, não surtem o devido
efeito para contribuir para mudança do cenário cultural moçambicano, pois, pese
embora a idade da sua aprovação, não estão regulamentos, por forma que o seu
peso se consubstancie na prática.
Adicionalmente,
os dois primeiros instrumentos genéricos, referem-se ao sector cultural no seu
todo, ignorando as especificidades que o sector do livro tem. O mais próximo
que se tem de específico para o livro é a Lei n.º 32/2007 (de 2007) que isenta
o pagamento de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) à importação e
exportação de livros. Na verdade, tem sido muito devido a essa lei que se tem
observado a uma dinâmica acelerada de edição e publicação de livros em Moçambique,
incluindo o surgimento e sobrevivência de pequenas editoras, que têm sido
responsáveis por trazer ao mercado grande parte de obras que hoje circulam no
país. É que os custos de impressão de livros em Moçambique são demasiado
elevados e levaria a que o “apelo” feito pelo governo através da política
cultural de 1997, não fosse tido em conta. Outra verdade é que sequer ocorre às
editoras essa lei, já que ela não é seguida de acções concretas que influenciem
maior produtividade e baixo custo, seja na produção e também na venda.
Resumindo,
sai mais barato imprimir fora do que dentro e é ainda possível imprimir
pequenas quantidades, com qualidade gráfica e rapidez. E os dados não enganam.
A
pesquisa da UNESCO que provoca esta reflexão indica que em 2023, o valor total
das importações no sector editorial, abrangendo livros impressos, brochuras,
folhetos e materiais impressos semelhantes, atingiu aproximadamente US$ 31 milhões,
dinheiro canalizado para as gráficas de África do Sul, Índia, Portugal,
seguidos pela China e Hong Kong.
Se
aos escritores, poetas e editores a preocupação centra-se nas questões
relativos à publicação e venda de livros, aos leitores o custo e a qualidade,
há actores que podem ver nisto outro um sinal de alerta, como fazer com que
tanto dinheiro que provém da produção de livros seja canalizado à indústria
gráfica nacional?
Outro
dado que não deixa de ser intrigante é o facto de o financiamento para a edição
de livros, segundo o relatório, vir apenas do Fundo Nacional de Investigação
(FNI), com um orçamento estimado em dois milhões de meticais. Ou seja, esses recursos
vão para obras científicas. A ficção essa muitas vezes fica por ser patrocinada
por empresas, sendo de destacar, a banca. Do Estado, distante está o tempo do
Fundo para o Desenvolvimento Artístico e Cultural a quem se deve a publicação
de vários autores que são referência na literatura moçambicana. Mas hoje pouco
se sabe sobre o papel desta instituição, se tem dinheiro e a quem se destina
esse dinheiro. Aliás, o relatório sequer menciona o FUNDAC quando se refere ao
dinheiro que financia a actividade editorial.
Podemos
ir mais longe, a partir do momento que foi extinto o Instituto Nacional do
Livro e do Disco (INLD) deixou de haver uma instituição pública dedicada
exclusivamente ao livro, pois as atribuições do Instituto Nacional das
Indústrias Culturais (INICC) são generalistas. Por um lado, a tutela ao livro
escolar está com o Ministério da Educação (que tem de lidar sempre com as
indefinições identitárias, de Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano à
altura do relatório, 2023, para Ministério da Educação e Cultura, em 2025), os
livros doutras categorias, nomeadamente a ficção, estão incluídos num pacote
que se resume só ao registo pela instituição tutelada pelo Ministério da
Cultura (outra instituição que varia de tempos em tempos, de Ministério da
Cultura e Turismo, em 2023, para Ministério da Educação e Cultura em 2025),
através do INICC. Esta instituição pelas suas atribuições e competências, devia
ser o braço público que atribui recursos para impulsionar o sector editorial,
incluindo o financiamento, como aliás faz com o cinema. O INICC devia ser mais
actuante nas propostas de leis de incentivo, bem como captação de recursos para
iniciativas de promoção e divulgação da literatura nacional, que neste momento,
a acontecer, é de visibilidade nula, até para os que actuam activamente no
sector.
Seguindo
ainda a linha de instituições que poderiam ser relevantes no sector editorial,
está uma AEMO (Associação dos Escritores Moçambicanos) que embora seja
mencionada como promotora de eventos (debates, prémios, etc), quanto à advocacia
ou mesmo iniciativas para a melhoria do campo de produção literária não se faz
sentir. Mais concretamente, a “pressão” junto do Governo para que a Política
Nacional do Livro e outras leis, sejam implementados, a busca de recursos e
meios para financiar a actividade literária, seja na componente de escrita ou
na publicação, são alguns exemplos. Tudo isto é sobre o trabalho do escritor,
que pela sua natureza seria membro da AEMO.
No
meio disto tudo, é de notar o trabalho que grupos e instituições independentes
tem desenvolvido e que dinamizam a indústria editorial no país. O relatório, no
capítulo dedicado as instituições, menciona a Fundação Fernando Leite Couto, a Associação
Moçambicana de Autores (SOMAS), a Federação Moçambicana das Indústrias
Culturais e Criativas e a Associação Moçambicana de Médicos, Escritores e
Artistas, como organizações que promovem o livro e protegem os direitos do autor.
Mas
maior mérito do cenário dinâmico, ainda que pouco sustentável, que o país vive,
está para as pequenas editoras que não sendo capaz de mencionar todas,
facilmente se destacam, Fundza, Ethale Publishing, Trinta Zero
Nove, Gala-Gala Edições, Kulera, a editora da Fundação
Fernando Leite Couto (que promove um prémio literário para novos autores), a Associação
Kulemba (que promove feiras de livros e dois prémios literários
importantes, um para livros infanto-juvenis e outro para os melhores livros do
ano), a Xitende (que promove festivais literários), a Fundação Carlos
Morgado (que através de um prémio literário publica novos autores) e a Catalogus,
que além de plataforma de informação, também edita.
Escusado
será afirmar o papel importante da Alcance Editores que publica grandes
nomes da literatura moçambicana e outras entidades que, não sendo moçambicanas
têm contribuído para a literatura nacional, a Escola Portuguesa (com vários
títulos de infanto-juvenis) e o Camões – Centro Cultural Português em Maputo
(com residências literárias para escritores moçambicanos).
Após
a leitura deste relatório fica patente o desafio que os actores do sector
livreiros estão sujeitos em Moçambique, o mesmo país que nos anos 80 publicava
livros com tiragens acima de 3000 exemplares (actualmente a média é de 500) e,
passados mais de 40 anos, num contexto aparentemente favorável, o Estado
demitiu-se das suas funções, citando o escritor Rogério Manjate, qual “Coelho
que fugiu da história”. Eduardo Quive – Moçambique in “O País”
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