Na Semana Mundial dos Oceanos, jovens assumem o protagonismo na proteção marinha, apesar da falta de apoio oficial. Ambientalistas e especialistas pedem medidas concretas e investimento para transformar os mares de Timor-Leste num motor sustentável de desenvolvimento
“Maravilha.
Preservar o que nos sustenta” é o tema global do Dia Mundial dos Oceanos,
celebrado a 8 de junho, desde 2008, por iniciativa das Nações Unidas. A data
visa alertar todos os países para a importância vital dos oceanos e a urgência
de os proteger.
Para
assinalar a efeméride, o Governo timorense organizou, entre 1 e 8 de junho,
várias atividades de sensibilização, como limpezas costeiras, seminários sobre
a poluição por plásticos, uma galeria de arte ao ar livre e murais oceânicos no
Palácio do Governo, a apresentação de novas espécies marinhas em Ataúro e uma
Feira da Economia Azul e do Turismo Marinho no Centro de Convenções de Díli. As
iniciativas abrangeram não só a capital como também outros municípios,
incluindo Aileu, Ainaro, Lautém e Ataúro, com o objetivo de envolver a
população na conservação ambiental e na proteção da biodiversidade marinha.
Timor-Leste
comprometeu-se com a proteção dos ecossistemas marinhos e com o desenvolvimento
de uma economia azul, apostando nos recursos marinhos como motor de crescimento
económico sustentável. Apesar do potencial, persistem desafios sérios. Os
resíduos plásticos continuam a acumular-se nas praias, apesar da política de
“zero plástico”. A pesca tradicional, feita em pequena escala, contribui para a
destruição dos recifes de coral, e as comunidades ainda não têm plena
consciência da importância de preservar espécies protegidas, como peixes e
tartarugas. O abate de mangais junto à costa também continua a ser uma prática
comum, agravando os riscos ecológicos.
Face
a este cenário, conservacionistas e ambientalistas apelam ao Governo para que
avance com políticas sérias, programas estruturados e fiscalização eficaz,
capazes de proteger os recursos marinhos e transformá-los num verdadeiro pilar
da economia nacional.
João
Ratão Magno, conservacionista, elogiou o compromisso assumido pelo atual
Executivo com a promoção da economia azul. Sublinhou, contudo, que a
sensibilização não basta: “As ações de limpeza são importantes, mas não chegam.
É preciso medidas concretas para garantir que, no futuro, não continuemos
apenas a limpar, mas a preservar de forma eficaz.”
Chamou
ainda a atenção para a destruição dos recifes de coral, provocada por práticas
locais. “O Cristo Rei tem um enorme potencial para o mergulho, mas durante a
maré baixa, muitas pessoas entram no mar, pisam e partem os corais. Hoje, já é
difícil encontrar peixe naquela zona. Se o acesso for limitado e respeitado,
acredito que os recifes recuperam e os peixes voltam.”
O
conservacionista salientou que os recifes de coral se localizam sobretudo em
águas pouco profundas, até quatro metros da costa, o que os torna extremamente
vulneráveis à ação humana e às alterações climáticas.
Criticou
também o uso de redes de arrasto nas zonas costeiras, sublinhando que estas
“varrem” o fundo do mar, destruindo os recifes e capturando até os peixes mais
pequenos. “Os recifes são a casa dos peixes. Se forem destruídos, os peixes
desaparecem e os pescadores ficam sem rendimento”, explicou.
Defende,
por isso, a proibição da pesca tradicional nas zonas costeiras mais frágeis e a
criação de alternativas sustentáveis. “O Governo deve investir numa indústria
pesqueira moderna e fornecer barcos com maior capacidade, para que os
pescadores possam ir para alto-mar e aliviar a pressão sobre os recifes
costeiros.”
De
acordo com documentos oficiais relacionados com o programa O Meu Mar, o Meu
Timor, que define as diretrizes para o desenvolvimento da economia azul, as
águas timorenses albergam mais de 1200 espécies de peixes de recife e 400
espécies de corais formadores de recifes. Destacam-se os 350 km² de recifes de
coral no Parque Nacional Nino Konis Santana e os 98 km² em redor da ilha de
Ataúro.
O
jovem conservacionista lamenta que algumas comunidades continuem a capturar e
matar espécies protegidas, como tartarugas marinhas e peixes-napoleão. “Na
semana passada, estivemos em Manatuto e encontrámos comunidades que estavam a
matar tartarugas. Ficámos indignados, mas disseram-nos que a sua sobrevivência
depende desses animais”, relatou.
Lamentou
também que, por falta de consciência ambiental, persistam práticas
prejudiciais, como o corte de mangais na zona de Hera, para uso doméstico.
“Estas ações contribuem para a degradação dos mangais. Ainda não temos guardas
ambientais suficientes para proteger estas zonas”, alertou.
Sublinhou
ainda a importância de o Governo introduzir a literacia oceânica no currículo
escolar, desde o ensino primário até à universidade. “Se os estudantes
aprenderem desde cedo sobre biodiversidade e ambiente, poderão influenciar as
suas famílias e comunidades a participar na conservação deste recurso vital”,
destacou.
Delvio
da Costa Sequeira, ambientalista que organiza ações de limpeza nas zonas
costeiras de Díli todos os fins de semana, reconhece que essas ações, por si
só, não são suficientes. “Limpar não resolve o problema. Precisamos de criar
consciência pública para combater o lixo na origem.”
Segundo
Delvio, os resíduos mais comuns encontrados nas praias são roupas velhas,
plásticos e garrafas, arrastados pelas ribeiras até ao mar. Propõe que o
Governo instale redes de contenção em valetas e ribeiras que desaguam no
oceano, como medida preventiva.
O
jovem critica ainda a incoerência das autoridades: “Apesar da proibição oficial
do uso de plásticos, continuam a usar-se nos grandes eventos organizados pelo
próprio Governo. No fim, há sempre lixo espalhado pelas ruas.”
Delvio
recorda que as praias de Díli, como a Praia dos Coqueiros e Tasi Tolu, foram em
tempos locais de lazer e mergulho. “Hoje já ninguém nada ali. Está cheio de
lixo e o cheiro é insuportável. Cristo Rei é o único destino para quem quer
nadar. Isso mostra o nosso fracasso na gestão dos resíduos.”
Apelou
também às autoridades locais para envolverem os moradores dos bairros em
limpezas regulares, como forma de manter o ambiente limpo e saudável. “Na
semana passada, pedi ao presidente da Autoridade Municipal de Díli para colocar
os novos funcionários do saneamento nas zonas costeiras, em vez de os
distribuírem apenas pelos bairros para limpar em redor das casas”, referiu.
Outra
preocupação apontada por Delvio são as corridas de motocross organizadas aos
fins de semana perto do Cristo Rei. “Esses eventos deixam lixo por todo o lado
e danificam as árvores que plantámos. Esforçamo-nos para conservar estas áreas
e, depois, outras pessoas destroem tudo.”
O
jovem ambientalista lamenta ainda que o Governo invista grandes quantias em
cerimónias, mas ignore os grupos juvenis que trabalham como voluntários em
projetos ambientais. “Fomos plantar árvores em escolas. Pedimos sacos
plásticos, sacos para viveiro e transporte. Disseram-nos que não havia
dinheiro. Mesmo assim, fizemos tudo com os nossos próprios meios e mantivemos
as plantações durante dois anos. No fim, o Governo apareceu apenas para cortar
a fita na inauguração da escola verde. Mas não reclamámos. Fizemo-lo com
dedicação e de coração”, concluiu.
Por
sua vez, Jinu Braz de Araújo, fundador do grupo Lenuk Tasi, destacou que
Timor-Leste está situado no coração do Triângulo dos Corais, uma das regiões
com maior biodiversidade marinha do mundo. Este privilégio natural, porém, está
ameaçado pelas ações humanas, o que o motivou a criar o grupo com o objetivo de
sensibilizar e mobilizar as comunidades para a conservação marinha,
especialmente das tartarugas.
As
tartarugas marinhas são uma espécie protegida e em risco de extinção, uma vez
que algumas comunidades ainda recolhem os ovos e matam os animais para consumo.
No entanto, Jinu nota que já existem sinais de mudança. “Hoje em dia, quando as
comunidades encontram tartarugas, contactam-nos imediatamente para que possamos
recolhê-las e levá-las para o nosso centro de incubação em Kasait. Depois da
eclosão, libertamos as tartaruguinhas de volta ao mar”, explicou.
Desde
a criação do grupo Lenuk Tasi, entre 2023 e 2025, já foram libertadas cerca de
seis mil tartarugas bebés. “O nosso objetivo é atingir um milhão de tartarugas
libertadas até 2030, contribuindo para o programa ambiental das Nações Unidas
conhecido como 30×30, que visa proteger 30% de todas as áreas do planeta até
2030”, afirmou.
Jinu
reconhece que a meta é ambiciosa e que será necessário intensificar o trabalho
junto das comunidades costeiras, promovendo a consciencialização sobre a
importância da preservação das tartarugas.
Sobre
a Semana Mundial dos Oceanos, o jovem elogiou o atual governo por começar a dar
prioridade à conservação dos recursos marinhos como uma possível fonte
alternativa de rendimento para o futuro. No entanto, defende que as ações de
sensibilização não devem ocorrer apenas em datas comemorativas, mas sim
integrar o quotidiano institucional.
“Durante
a Semana do Oceano, vemos membros do governo e funcionários a limpar as zonas
costeiras, mas nos restantes dias do ano isso não acontece, o que revela uma
falta de continuidade”, lamentou.
Sublinhou
ainda que o mais urgente é estabelecer mecanismos de presença e vigilância
permanentes nas áreas marinhas protegidas. “Já existem guardas-florestais, mas
ainda não há guardas costeiros. Em muitas zonas protegidas, são os grupos de
conservação que fazem esse trabalho — e fazem-no de forma voluntária, o que
limita a eficácia da proteção”, apontou.
Jinu
lembrou que existe legislação para proteger a biodiversidade marinha, mas essa
lei continua “no papel”, sem ser divulgada ou aplicada nas comunidades.
“Reconhecemos que os governos anteriores fizeram alguns esforços, mas a
implementação e a fiscalização ainda deixam muito a desejar.”
Segundo
o jovem, a construção de uma verdadeira economia azul passa por uma parceria
próxima entre o Governo e os grupos juvenis e comunitários que já estão no
terreno. “Grupos como o Lenuk Tasi e outras associações de conservação devem
ser ouvidas e integradas nas políticas públicas. Só assim será possível
garantir uma gestão sustentável e participativa dos nossos recursos marinhos.”
Economia azul pode transformar-se num problema para
Timor-Leste se não for bem planeada
Mário
Marques Cabral, diretor executivo da Hadomi Costeira no Tasi (HACOSTA) — uma
organização dedicada à investigação de recursos marinhos e conservação —
alertou que, embora o Governo tenha definido a economia azul como uma das
principais alternativas para impulsionar o crescimento económico do país, esta
poderá tornar-se um problema no futuro se os riscos e desafios forem ignorados.
O
especialista defendeu que o Governo deve promover uma estreita colaboração com
instituições relevantes, nomeadamente economistas e ambientalistas, para juntos
traçarem caminhos sustentáveis para o desenvolvimento da economia oceânica.
“Timor-Leste
ainda não dispõe de legislação clara sobre a zona costeira, nem de um plano de
ordenamento do espaço marítimo. Isso pode, no futuro, gerar conflitos de
interesse. Se agora estamos a apostar na economia azul, é fundamental começar
por analisar as nossas forças, fraquezas e ameaças, para então planear e
distribuir responsabilidades, antes de o Governo avançar com o controlo
direto”, sublinhou.
Cabral
alertou ainda que, embora existam várias áreas marinhas protegidas no país, as
suas tipologias ainda não foram devidamente definidas. “Antes de proteger uma
área, é essencial sabermos o que lá existe, por que motivo estamos a protegê-la
e quais os benefícios que isso traz para as comunidades locais. Sem isso, a
proteção fica-se pelo papel e não tem impacto real”, afirmou.
Nesse
sentido, revelou que a HACOSTA está atualmente a trabalhar com o Instituto
Nacional de Tecnologia numa investigação sobre as áreas marinhas protegidas em
Timor-Leste, com o objetivo de fornecer dados concretos ao Governo. “O estudo
está em curso e esperamos publicar os resultados em outubro deste ano, para que
toda a população e os decisores políticos possam conhecer melhor o potencial
marinho do país”, explicou.
Ex-docente
de Ciências Marinhas na Universidade Nacional Timor Lorosa’e, Cabral acredita
que a economia azul poderá trazer benefícios significativos, mas só se houver
equilíbrio entre o desenvolvimento económico e a conservação ambiental,
sobretudo numa era de aceleradas mudanças climáticas.
Salientou
que o desenvolvimento de infraestruturas portuárias, instalações pesqueiras e
outras estruturas costeiras exige grandes investimentos, bem como a
harmonização das leis nacionais com convenções internacionais como a UNCLOS
(Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar) e a UNCBD (Convenção sobre
a Diversidade Biológica).
Para
garantir uma gestão eficaz e sustentável, considera essencial o investimento em
investigação marinha, recolha de dados fiáveis e sistemas de monitorização. “É
crucial envolver as comunidades costeiras e assegurar a sua participação ativa
na conservação dos recursos. Temos de apostar com coragem em setores como a
maricultura, as energias renováveis e a biotecnologia marinha. E é preciso
assumir um compromisso sério com políticas adaptativas e uma visão de longo
prazo”, reforçou.
Cabral
defendeu ainda o desenvolvimento e implementação urgente do Planeamento
Espacial Marinho como instrumento fundamental para assegurar a saúde,
produtividade e biodiversidade das áreas oceânicas do país. Sublinhou também a
importância de campanhas de reflorestação dos mangais ao longo da costa norte e
sul, como medida de mitigação das alterações climáticas.
Por
fim, apelou à inclusão da literacia oceânica nos currículos escolares, desde o
ensino primário até à universidade. “Às vezes, vemos jovens timorenses a
passear junto ao mar, mas que não sabem nadar — o que representa um risco para
eles. Mas a literacia oceânica vai muito além disso: significa criar
consciência, desde cedo, sobre a importância da conservação e proteção dos
ecossistemas marinhos”, concluiu.
Governo incentiva população a proteger os oceanos e
investir na sustentabilidade marinha
O
Primeiro-Ministro, Xanana Gusmão, apelou à consciência ambiental da população
durante o lançamento oficial da Semana Mundial dos Oceanos, no passado domingo,
em Tasi Tolu. O chefe do Governo sublinhou a urgência de preservar os
ecossistemas marinhos, alertando que “se não cuidarmos, no futuro, os nossos
filhos enfrentarão grandes problemas”.
Destacando
a riqueza da biodiversidade marinha timorense, Xanana defendeu que o mar deve
ser protegido com responsabilidade, afirmando que os recursos existentes têm um
grande potencial para impulsionar a economia nacional. “Estamos agora a começar
a falar de economia azul. Vamos criar um parque marinho na ilha de Ataúro para
que todos possam aprender, pois esse local está repleto de recursos”, afirmou.
Acrescentou ainda que o Governo irá desenvolver áreas com potencial económico
noutros municípios do país.
Segundo
o documento governamental sobre a economia azul, Timor-Leste compromete-se a
utilizar os recursos marinhos de forma sustentável, transformando-os numa base
económica sólida. Entre as medidas previstas estão a criação de um parque e de
um centro marinho em Ataúro, o desenvolvimento da aquacultura, da pesca
sustentável, do ecoturismo marinho, da produção de sal e do cultivo de algas. O
plano inclui ainda a expansão das áreas marinhas protegidas no Parque Nacional
Nino Konis Santana, a restauração das florestas de mangais e o ordenamento do
espaço marinho.
Xanana
Gusmão sublinhou também que, em vários países, a economia azul já é uma fonte
central de rendimento, defendendo que Timor-Leste deve aprender com essas
experiências para explorar de forma responsável as suas riquezas marinhas ainda
pouco aproveitadas.
Na
mesma linha, o Presidente da República, José Ramos-Horta, durante a inauguração
de uma galeria de arte ao ar livre no Palácio do Governo, na terça-feira,
apelou à população das zonas costeiras e ribeirinhas para que não deite lixo de
forma descontrolada. “Quando chove, toneladas de lixo vão parar ao mar”,
alertou.
Ramos-Horta
criticou o comportamento negligente de alguns jovens que participam em
atividades desportivas nas praias e deixam o lixo para trás. “Todas as semanas
fazemos limpezas nas praias, mas isso é apenas um exemplo para chamar a atenção
dos jovens, que continuam a não ouvir. Eles não amam esta terra”, lamentou.
“Somos nós, timorenses, que envenenamos as ribeiras e as praias”, sublinhou.
Como
medida concreta, o Chefe de Estado propôs ao Governo que organize, de três em
três meses, concursos de bairros e aldeias mais limpos e saudáveis, para
promover o envolvimento da população na conservação ambiental. Acrescentou
ainda que é fundamental investir na educação ambiental, para prevenir o corte
de árvores e a caça de espécies protegidas tanto em terra como no mar.
No
entanto, a realização da atividade em plena hora de ponta, numa das principais
artérias da cidade, levou ao corte de estradas e causou grandes
engarrafamentos, com muitas pessoas retidas no trânsito durante cerca de duas
horas. Esta situação gerou críticas, não só pelo transtorno causado, mas também
pela contradição com os próprios princípios da Semana dos Oceanos. Os
engarrafamentos prolongados contribuem significativamente para a poluição
atmosférica, através da emissão de gases com efeito de estufa e partículas
poluentes, agravando o impacto ambiental que se procura precisamente combater
com estas iniciativas. A incoerência entre o apelo à proteção ambiental e a
organização logística do evento levanta questões sobre a eficácia e o
planeamento sustentável destas celebrações. Rilijanto Viana – Timor-Leste in “Diligente”
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