Novo livro
do poeta Márcio Catunda constitui um roteiro erudito de visitas a museus,
monumentos e cidades históricas da Itália
I
Quem
já viajou pela Itália ou pretende conhecê-la de perto, visitando seus
imorredouros monumentos artísticos, não pode deixar de ler Sinfonia Italiana
- Uma história da arte na Itália (Rio
de Janeiro, Ventura Editora, 2024), do poeta e diplomata Márcio Catunda.
Trata-se de um relato de sete viagens que o autor fez àquele país em que estuda
e comenta, de maneira informal e linguagem extremamente poética e elegante, as
obras expostas em museus, igrejas e praças de Veneza, Florença, Milão, Bérgamo,
Bolonha, Roma e Nápoles, descrevendo monumentos, estátuas e pinturas de todos
os períodos da história da Itália.
Como
observa o jornalista, romancista, memorialista e ativista cultural José Eduardo
Degrazia no posfácio, Catunda oferece ao leitor “uma sinfonia de sensações”. E justifica
a assertiva: “Parece que escutamos os passos e os versos dos poetas pelas ruas,
semelha vermos os quadros e as esculturas, entramos nas igrejas e nos cafés, afigurando-se
que, pelo tato, alcançamos a alma das paredes dos monumentos e grandes
edifícios do passado, e até dá a ideia de que provamos das melhores bebidas
oferecidas ao nosso entendimento pela via do bom gosto”.
Já
o editor, escritor, poeta, ensaísta, crítico literário e artista plástico
Vicente Freitas Liot, em extensa e profícua resenha, diz que Sinfonia Italiana
é “uma incursão singular pela tradição literária de relatos de viagem,
combinando elementos poéticos e memorialísticos em uma estrutura que remete à
forma musical”. E observa que, como uma verdadeira sinfonia, o livro está
dividido em “movimentos”, cada um deles dedicado a uma cidade italiana. “Essa
organização confere à obra um ritmo e uma harmonia que ressoam a própria
experiência estética das viagens descritas”, define, destacando a habilidade do
autor de transformar a viagem em poesia.
II
De
fato, o livro proporciona ao leitor uma viagem pelos meandros luminosos da
cultura italiana, além de constituir uma homenagem não só àquela nação, mas à
ideia da arte como elo entre culturas. “É a maior e mais profícua produção
brasileira atinente à matéria, em todos os tempos, colhida, com rigor e
precisão, nos locais de sua ocorrência”, segundo a opinião do jornalista e
professor universitário Vianney Mesquita, membro da Academia Cearense de Língua
Portuguesa, expressa em texto de apresentação que aparece na contracapa.
Por
outro lado, o professor universitário, poeta, ensaísta e contista Luciano Maia,
membro da Academia Cearense de Letras, em texto que ocupa as duas abas do
livro, destaca não só a erudição do autor, com a citação de vários outros
autores, como os 27 sonetos seus, “de belíssima urdidura”, em que “enaltece os
cenários descortinados ao longo desta trajetória tão rica em percepções, com
serenas – e atentas – descrições”.
Um
desses sonetos é o que fez em homenagem a Veneza em duas etapas: em 2017,
diante do horizonte marítimo, escreveu dois quartetos e, em viagem de 2021,
acrescentou os tercetos: O suave alento, a vibração cromática / da tarde, em
frente ao mar, encanta e brilha. / Uma aragem inebriante, extática, / na
imensidão, expande a maravilha. / As ondas vertem oferenda aquática, / o Sol se
põe nos relevos da Ilha. / Não tardará a noite enigmática. / O poeta sensível
andarilha. / As águas de matizes azulados / e verdes, esperançosos enlevos, /
prometem esplendores alumbrados. / Nos coruscantes, barrocos relevos, /
palácios longilíneos e longevos / nascem do mar, de eternas alvoradas.
Em
Veneza, Catunda ainda se deparou com a efígie do poeta Pietro Aretino
(1492-1556) que está nos batentes que dão para a sacristia da Basílica de São
Marcos. De Aretino, como lembra, diz-se que só não falou mal de Deus porque
alegou que não O conhecia. Talvez por isso, mais tarde, o poeta português
Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805) tenha sido comparado a ele.
Eis
aqui os versos do viajante: Aretino, o dos versos zombeteiros, / foi amigo
de pulhas e cardeais. / Organizou colóquios putanheiros / e escreveu salmos
penitenciais. / Em Roma, fez comícios clericais. / Em Veneza, frequentou os
mosteiros. / Fornicador convicto e contumaz, / levou Ticiano aos bordéis
feiticeiros. / Devasso e libertino, entre os ateus / cantou da musa o florão de
veludo, / que o mulherio ostenta, tão sanhudo. / Da liberdade fez o seu escudo.
/ Viveu na orgia, embrenhou-se nos breus / e morreu confessado e em paz com
Deus.
A
maior parte da obra – mais de 120 páginas –, obviamente, é dedicada à Roma, a
cidade eterna, tantos foram os lugares visitados e os personagens recordados.
Um deles é Michelangelo Buonarroti (1475-1564), um dos maiores criadores de
todos os tempos, “que viveu dividido entre o afã de uma espiritualidade pura e
sua fascinação pelo corpo dos efebos”.
A
ele, Catunda dedicou estes versos: Pintor, vate, arquiteto e escultor, /
Michelangelo plasmou, em pigmentos, / desde Adão a Jesus, todo o fulgor / de
uma história de glórias e tormentos. / Desvelou – com beleza e cor, / na
galeria dos divos portentos, / num fausto cintilante de esplendor, / do Gênese
ao Juízo – os adventos. / O forjador das formas e das cores / ergueu no
Capitólio a estátua equestre / de Marco Aurélio, imperador e mestre. /
Ornamentou, com divinos primores, / a cúpula de arcanos redentores / de San
Pietro, a basílica terrestre.
Enfim,
este livro é o resultado de quatro viagens que fez à Itália com o propósito de
conhecer as obras de arte italianas e escrever sobre elas, preservando as
experiências vividas nesses itinerários. A primeira viagem deu-se em 2017, logo
depois de sua aposentadoria do Ministério das Relações Exteriores, nos meses de
setembro e outubro, quando esteve em Veneza, Florença, Bérgamo, Roma e Nápoles.
Depois,
em 2021, de 29 de novembro a 21 de dezembro, refez o itinerário, acrescentando
Milão e excluindo Bérgamo. Em 2022, de 18 a 31 de março, voltou a Roma, Milão e
Nápoles. E, por fim, em 2023, fez nova viagem, de 29 de junho a 28 de julho, em
pleno verão europeu, para rever Milão, Roma e Nápoles e conhecer Bolonha.
III
Márcio
Catunda (1957), poeta, romancista, cronista, ensaísta, compositor, letrista e escritor,
nascido em Fortaleza, formou-se, em 1979, em Direito pela Universidade Federal
do Ceará e, em 1989, em Letras pelo Centro Universitário de Brasília (CEUB). Em
1985, ingressou na carreira diplomática no Instituto Rio Branco, em Brasília. Em
função disso, morou em países como Peru (1991 a 1994), Suíça (1994 a 1997),
Bulgária (1998 a 2000), República Dominicana (2002 a 2005) e Portugal (a partir
de 2005), tendo publicado livros em várias cidades do mundo.
Publicou
mais de 50 livros, alguns dos quais no idioma espanhol. Produziu também dez CDs
de poemas musicados e cantados por diversos parceiros e DVDs – documentários
com suas apresentações em teatros e outros centros de cultura. Seus livros
receberam galardões de algumas instituições culturais. O livro Paris e
seus poetas visionários, pesquisa biográfica sobre 25 grandes
poetas franceses, recebeu o Prêmio Cecília Meireles de 2021, da União
Brasileira de Escritores (UBE), seção do Rio de Janeiro. É obra que se refere a
poetas como François Villon (1431-1463), Charles Baudelaire (1821-1867), Paul
Verlaine (1844-1896), Paul Rimbaud (1854-1891) e outros grandes escritores que
viveram na Cidade Luz.
Foi
presidente do Clube dos Poetas Cearenses (1975). No início da década de 1980,
residiu no Rio de Janeiro, onde frequentou o círculo de reuniões denominado
"Sabadoyle", na companhia do poeta Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987) e outros escritores. Em 1984, ingressou na Associação Nacional de
Escritores (ANE), em Brasília. Em 1985, fundou o Grupo Siriará de Literatura,
em Fortaleza. Em 1992, fundou o grupo REME, ao lado dos poetas peruanos Eduardo
Rada, Regina Flores e Eli Martin, em Lima, no Peru. Entre 1996 e 1997,
participou da Associação de Escritores Genebrinos, na Suíça.
A
obra de Márcio Catunda é marcada, inicialmente, por versos de protesto ou temas
sociais, como se comprova em livros como Incendiário de Mitos
(1980), A Quintessência do Enigma (1986), Purificações"
(1987), O Encantador de Estrelas (1988) e Sortilégio
Marítimo (1990). Em seguida, o resultado de suas reflexões sobre o ser e
a eternidade se configurou num livro em prosa, A Essência da
Espiritualidade (1994). Em 2009, lançou Sintaxe do Tempo,
“livro de denúncia do declínio civilizacional, que reflete o mal estar da
condição humana'', segundo o próprio autor.
Como
compositor musicou alguns de seus poemas, gravando-os em discos. O primeiro a
ser lançado foi Anima Lírica (1997), com as músicas "Na
praia do meu futuro", "O sol", "Supremo Deus",
"Ave", "Hino matinal", "No céu da certeza",
"Idílio", "Cantiga", "Um novo tempo", "Canção
andina", "O luar do teu olhar" e "Teu sorriso
atraente", a que se seguiu uma vasta produção de dez CDs de poemas
musicados e cantados por diversos parceiros e DVDs- documentários, com suas
apresentações em teatros e outros centros de cultura.
É autor ainda de Viagens Introspectivas (2016), Mário Gomes: poeta, santo e bandido (2015), Terra de Demônios (2013), Emoção Atlântica (2010), Na Trilha dos Eleitos, vols. 1 e 2 (1999-2001), Verbo Imaginário (2000), Crescente (2000), No Chão do Destino (1999), Água Lustral (1998), Sermões ao Vento (1990), O Evangelho da Iluminação (1984), Estórias do Destino e a Pérfida Perfeição (1982), Navio Espacial (1981) e Poemas de Hoje (1977), entre outros. Adelto Gonçalves - Brasil
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Sinfonia Italiana – Uma história da arte na Itália, de Márcio Catunda. Rio de Janeiro, Ventura Editora, 304 páginas, R$ 60,00, 2024. E-mails: venturaeditora.editor@gmail.com marciocatundafgomes@gmail.com
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Adelto Gonçalves, jornalista, é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP) e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira,
1999), Barcelona Brasileira (Lisboa,
Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage, o Perfil Perdido (Lisboa, Editorial Caminho, 2003;
São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo - Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (São Paulo, Imesp/Academia
Brasileira de Letras, 2012), Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São
Paulo Colonial – 1709-1822 (São Paulo, Imesp, 2015), Os Vira-latas da Madrugada (Rio de
Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981; Taubaté-SP, Letra Selvagem, 2015)
e O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo –
1788-1797 (São Paulo, Imesp, 2019),
entre outros. Escreveu prefácio para o livro Kenneth Maxwell on
Global Trends (Robbin Laird, editor, 2024), publicado na
Inglaterra. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
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