Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quinta-feira, 1 de junho de 2023

Baía da Lusofonia – 11º Aniversário

Casa Materna

 

1.

Posso cantar, falar, escrever

Comunicar e trabalhar

Lembrar e esquecer

Alinhar sons como soldados a marchar

 

Posso dissertar e compreender

Ser suave cântico em vespertina missa

Ruminar sotaques e aprender

Ser frio mármore ou vela mortiça

 

Posso viajar e derreter

Sob aparente quietude

Ou em chão escaldante ser

Palavra magra e rude

 

Mas só na minha língua verdadeiramente sinto

Só nesta casa antiga divago, sonho e pinto

 

Só em português eu posso ser.

 

 

2.

[Terá ficado alguma coisa por contar

Que as palavras abrem mundos; porém

Outras línguas me tomam como refém

Nelas não posso ser −mas posso estar]

 

Em francês vivo delírios −muitos, outros

Experimentando sempre novas sensações

Em tímidos avanços e empurrões

Cavalgando livre como um potro

 

Seria língua minha, adotada, se a bebesse

Por inteiro; acontece que EU lhe pertenço

E não o contrário: sou desse imenso

Rosário de amantes que em seu regaço floresce

 

[O espanhol deu-me as Américas]

De Espanha, o formalismo e a correção

Em Cuba sou Atlântico, desnorte e coração

Leio, canto e fico em personagens feéricas

 

Da literatura ao feijão, arroz ou plátano

Prazeres da mesma dimensão e natureza

Da música que acende espírito e palato

Nas mãos casca de fruta, gula e beleza

 

Do inglês guardei a norma e o rigor

Sou ferramenta e chave-mestra

Em língua molde que adestra

Desdobrando braços para o exterior

 

Mas guardo também o gosto pela poesia

Emily Dickinson é palavra redonda e serena

Contida, eclética −como as flores da verbena

Alguém-ninguém que ficou nas coisas que dizia

 

E o crioulo? Essa mescla tão inesperada de sentidos

Coisas que abarco com textura e medo

Sabores que provo e acrescento em segredo

Ingenuamente em acordes, sombras e ruídos

 

Essa língua que me rouba a paz e em tudo faz

Parecer parecida a outra que me traz ao colo

É uma língua que alimenta e satisfaz; um desconsolo

E um deslumbramento de fogo e chuva pertinaz

 

Restam-me as línguas viscerais; não são maternas

São naturais no sangue desde o começo dos tempos

Antes de nascer família, história e efémeros eventos

Eram internas raízes a aflorar à boca −sempiternas

 

Há um pudor maior em cantá-las; são uma vela

Que não soprei ainda −suguei açúcar das canas

Ouvi avós nos quintais e trauteei melodias angolanas

[Em kimbundo profundo, kikongo, lingala ou umbundo de Benguela].

 

Luísa Fresta – Portugal / Angola in “Casa Materna” Editorial Novembro


Onze anos é algum tempo, o suficiente para afirmar que os objetivos, para o qual o blogue “Baía da Lusofonia” foi criado, estão a ser alcançados. Os três países lusófonos que apresentam mais visitas ao blogue, Brasil, Moçambique e Portugal, representam 7% de um total superior a 1,5 milhão de visitantes. Os restantes, 93% estão distribuídos por quase duas centenas de países e territórios, dos quais salientamos na América, Canadá e Estados Unidos, na Europa a Alemanha, Áustria, Espanha, Finlândia, França, Irlanda, Itália, Países Baixos, Reino Unido, Rússia, Suécia e Ucrânia, em África, Angola, Cabo Verde, Costa do Marfim, Guiné-Bissau, Quénia, Senegal e Tanzânia, por fim na Ásia, China, Coreia do Sul, Hong Kong, Indonésia, Japão, Macau, Singapura e Turquia.

São os responsáveis dos países africanos de língua portuguesa que mais reivindicam que o idioma que nos une, tem de ser uma língua de ciência. Enquanto na área da cultura, assistimos diariamente a apresentação de literatura, poesia em língua portuguesa, na área da ciência verificamos estudiosos, investigadores, cientistas, a Academia apresentarem todos os documentos em língua inglesa, ficando para o português apenas as sinopses. A responsabilidade cabe aos sucessivos governantes do Brasil e Portugal que nada decidem para alterar o percurso que a língua portuguesa tem percorrido no âmbito da ciência, por serem os países com mais longevidade e com maior desenvolvimento. A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) poderia alocar no seu sítio, um espaço onde fosse obrigado a publicação dos artigos científicos em língua portuguesa e permitir que todos os cidadãos dos países lusófonos tivessem acesso a esses documentos.

Continua a haver visitas por artigos publicados no blogue “Baía da Lusofonia” nos anos de 2012 e seguintes, o que vem mostrar que está criado um acervo com mais de 10300 artigos que estará sempre presente para que os cidadãos acedam a informação que na comunicação social são voláteis. O blogue continua a existir com um princípio, não ter fins lucrativos. Baía da Lusofonia



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