Literatura
brasileira acaba de ganhar um contista de imaginação fértil
I
O
escritor André Barretto (1979) chega ao seu segundo livro, Uma pedra na
janela do tempo (São Paulo, Editora Patuá, 2022), e já se mostra um
contista de futuro, deixando claro que é um leitor ávido e percuciente, que se
tem inspirado em verdadeiros mestres do conto e da arte literária. Sua estreia, porém, deu-se com Cegueira sem
ensaio (edição independente e e-book, 2017), livro-reportagem sobre
pessoas que perderam a visão e seus processos de reabilitação.
Nesta
obra de estreia, ele traça um mosaico contando as histórias de 12 pessoas que
perderam a visão, mas reconstruíram suas vidas e descobriram formas de se
reabilitar. Para tanto, construiu sua narrativa valendo-se de técnicas de
jornalismo literário e da metodologia da Jornada do herói, método para
criar uma storytelling, modelo apresentado em 1949 por Joseph Campbell
(1904-1987), em seu livro O herói de mil faces.
Já
em seu novo livro, buscou inspiração em grandes autores como Jorge Luís Borges
(1899-1986), Eduardo Galeano (1940-2015), Ítalo Calvino (1923-1985), John Cage
(1912-1992), Robert Walser (1878-1956), Javier Marías (1951-2022), Lygia
Fagundes Telles (1918-2022), Sérgio Sant´Anna (1941-2020), Ruth Guimarães
(1920-2014) e Lucia Berlin (1936-2004), além do jovem escritor carioca Geovani
Martins (1991) e do pianista Arthur Rubinstein (1887-1982). Dessa forma,
procurou transitar por vozes narrativas, estilos e formatos diferentes, como
observou na apresentação que escreveu para sua própria obra.
O
conto que abre o livro, uma homenagem a Jorge Luís Borges, trata de um encontro
imaginário com o grande escritor argentino, mas “um Borges remoçado, que ainda
não tem as rugas nas beiras dos olhos nem a cegueira dentro deles”, e que,
depois de um breve diálogo, ensina o autor a “escrever centenas de metáforas da
lua, do tempo fluindo como água; o uso apropriado do paradoxo eleático; versos
livres, redondilhas menores e maiores, decassílabos, alexandrinos, versos
bárbaros e prosa, a forma mais difícil de poesia”.
II
Como
se vê, a imaginação do contista vai longe e repete-se no conto inspirado no
escritor suíço de língua alemã Robert Walser, admirado por autores como Franz
Kafka (1883-1924) e Enrique Vila-Matas (1948), entre outros. Só que, desta vez,
é o alter ego do autor quem recebe a visita do poeta famoso: “(...) ele
é como os personagens de seus textos: um tipo singular, nada fácil e
translúcido”.
Dispensando prefácios ou posfácios escritos
por algum luminar da Literatura, o autor faz sua própria apresentação em que
descreve a essência de cada um dos doze contos que compõem o livro. Imaginada
durante a época da pandemia de coronavírus (covid-19), que durou de 2020 a 2022,
a obra reúne contos com histórias de personagens que, em meio a situações de
conflito, sentem a impotência em relação à violência e procuram resistir aos
desafios da vida.
“Em
tempos de confinamento e ódio disseminado nas redes sociais, me voltei para os
livros e mergulhei no universo de outros autores; transitei por vozes
narrativas, estilos, formatos; caminhei por Montevidéu, Turim, Chicago, Nova
York e pelas ruas vazias do Rio de Janeiro; conheci obras de arte e criei
realidade aumentada; persegui e fui perseguido; abracei, agredi, sonhei, me
despedi; e aprendi que contar histórias é vivê-las”, reconhece Barretto.
No
conto “Calvino”, por exemplo, o personagem Amarildo conversa com uma cor num
museu, enquanto em “Marías”, inspirado no espanhol Javier Marías, o personagem
Raul revela as pistas do que pode ter sido um crime brutal. Já no conto
“Telles”, inspirado na premiada romancista e contista brasileira Lygia Fagundes
Telles, ex-membro da Academia Brasileira de Letras e Prêmio Camões de 2005, imaginou
vidas possíveis para seus três irmãos, Andréia, Ana Paula e Adriano, o mais
novo, “irmãos que viveram tão pouco”.
Com
uma prosa que se mostra inovadora, em que procura adaptar o estilo ao tema
escolhido, conclui o livro com um conto-posfácio em que o homenageado é o
compositor norte-americano John Cage. Enfim,
ao repetir uma frase do poeta e romancista francês Jean Cocteau (1889-1963) no
texto de apresentação, Barretto resume a essência de sua obra de estreia como
contista: “O poder mágico das palavras agrupadas faz com que eu possa conversar
com um escritor de qualquer época”.
E
mais importante: “se o conto se baseia na captação do fragmentário, porque é
uma radiografia de um aspecto parcial da realidade, o reconhecimento de um
detalhe que pode ser revelador”, como observa o professor de Literatura, doutor
em Filologia, escritor e crítico literário espanhol José Luis Martín Nogales
(1955) em Actas de la Universidad Nacional de Educación a Distancia (UNED),
de Madri (2001, p. 43), os textos de André Barretto preenchem todos os
requisitos fundamentais do gênero, ainda que exibam aspectos inovadores que, ao
mesmo tempo, contribuem para ampliar a variedade temática e estilística que se
constata em alguns autores mais jovens.
III
André
Barretto Santos Boaretto, nascido em Campinas-SP, formado em Administração
Pública e Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica (PUC), de Campinas,
depois de dez anos atuando como empreendedor, planejou a transição para a
carreira de escritor. Motivado por seu sonho, dedica-se agora totalmente à
escrita. Com o livro Cegueira sem ensaio, participou da Bienal de Livros
do Sul de Minas (Flipoços), em Poços de Caldas, da Feira do Livro de Resende-RJ
(FLIR) e da Bienal do Livro do Rio de Janeiro. Reside em Campinas com a mulher
Leticia e o filho Dante. Adelto Gonçalves - Brasil
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Uma pedra na janela do tempo, de André Barretto. São Paulo-SP: Editora Patuá, 200 págs., R$ 49,90, 2022. Site: www.editorapatua.com.br
E-mail: editorapatua@gmail.com
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Adelto Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade
de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira,
1999), Barcelona Brasileira (Lisboa,
Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Fernando Pessoa: a
Voz de Deus (Santos, Editora da Unisanta, 1997); Bocage – o Perfil
Perdido (Lisboa, Caminho,
2003, São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia
Brasileira de Letras, 2012), Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São
Paulo Colonial (Imesp, 2015), Os Vira-latas
da Madrugada (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981;
Taubaté-SP, Letra Selvagem, 2015), O Reino a Colônia e o Poder: o governo
Lorena na capitania de São Paulo – 1788-1797 (Imesp, 2019), entre outros.
E-mail: marilizadelto@uol.com.br
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