Rhaya Monteiro é um exemplo de perseverança na música. Desde o dia em que começou a cantar, ainda adolescente, sonhava lançar um trabalho, sonho que só viria a realizar 11 anos depois com o single “Melodia Nha Morna”. Em entrevista ao Balai, a cantora de 29 anos revelou que deixou a música por anos engavetada por falta de apoios, mas que agora com este trabalho espera que outras portas se abram.
De Cascabulho para Praia: uma viagem na música
A
história de Raquel Monteiro na música começa na ilha do Maio, onde nasceu. “Vim
de uma localidade pequena, onde as pessoas vivem de agricultura e pesca, temos
falta de muitas coisas, os jovens têm poucas oportunidades para aprender”,
lamentou e explicou que era difícil conseguir desenvolver uma carreira musical
na localidade por causa destes fatores.
Lembra
que desde criança gostava de música, sendo que cresceu rodeada de familiares
que cantavam músicas tradicionais nas festas locais, o que desenvolveu o seu
amor por géneros tradicionais, como a morna. Confessa que é fã da Diva dos pés
descalços Cesária Évora.
Durante
a adolescência participou de uma atividade para jovens na Igreja de Ribeira Dom
João. Foi nesse dia que teve um dos momentos mais marcantes da sua vida.
Estavam na hora do descanso e os responsáveis abriram um momento para os jovens
mostrarem o seu talento. Por ser tímida, Rhaya não quis participar, mas lembra
que talvez um movimento para arrumar o cabelo ou de mexer na cabeça tenha sido
mal interpretado pelo apresentador que a chamou para o palco.
Para
não passar mais vergonha subiu ao palco, mesmo perante a insistência dos amigos
para que não fosse já que conheciam a sua timidez. Com a atenção dos presentes,
a adolescente cantou “Mnine da rua ma mi” do grupo santoantonense Cordas do
Sol, naquele momento desafiou-se a interpretar uma música numa variante de crioulo
diferente da sua e depois da atuação só recebeu comentários positivos dos
presentes.
Anos
mais tarde, já com 17 anos garantiu o primeiro lugar num concurso de voz
regional, depois viajou para São Vicente para marcar presença na gala. Antes de
ir para a gala ponderou se devia continuar no mundo da música, mas durante os
ensaios foi encontrando pessoas que a incentivaram a prosseguir. O resultado só
provou que precisava continuar nesse caminho: conseguiu o primeiro lugar na
gala e como prémio viajou para França para representar Cabo Verde no Festival
Revelação “Vozes da Diáspora”.
Nesse
ano, deixou a ilha natal para ir morar em São Vicente e dar continuidade aos
estudos em Ensino de Inglês. Porém enfrentou dificuldades económicas e, em
menos de um ano, abandonou o curso e viajou para Santiago onde vive até hoje.
Após
todas estas experiências, Rhaya percebeu que precisava continuar na música e
desde então tem cantado em eventos culturais e solidários, bares, restaurantes
e galas. O seu nome artístico “Rhaya” foi escolhido como forma de representar o
seu percurso. O nome significa “raio de luz” e é um lembrete de que deve
continuar a escrever o seu próprio caminho e a inspirar outras pessoas com a
arte.
Uma melodia dedicada à mãe
No
primeiro tema Rhaya Monteiro expressou todo o seu amor pela morna que, segundo
conta, sempre quis lançar um single neste género musical. Por isso, logo que
surgiu a oportunidade de gravar disse à equipa que este seria o género da sua
primeira canção. “A morna faz-me sentir bem, queria deixar esta primeira marca
e sinto-me realizada”, sublinhou.
O
nome da canção “Melodia Nha Morna” é uma homenagem à mãe: “Ela ensinou-me que
apesar das adversidades tens de buscar forças para continuar a viver a vida.
Mesmo nas dificuldades, ela sempre me mostrou um sorriso”.
Melodia
é a palavra que a cantora usa para descrever as cores e a inspiração que a
música trouxe para a sua vida. Nha Morna se juntou ao título para mostrar que
como este género é dela e também da mãe. O single gravado na Cidade Velha é uma
forma de enaltecer as duas alegrias de sua vida e homenagear as mães
cabo-verdianas.
A
canção começa com um pedido da artista à mãe para que lhe conte tudo o que
aconteceu na sua ausência, ao mesmo tempo que declara o seu amor. “Amor maior
ki tem e bo, mae bu amor e inkondicional, bo e nha divindade. Melodia di nha morna,
rainha di nha mundu, nha konsolason na dia di angustia”, canta Rhaya que também
usa a voz para pedir à mãe perdão por não ser uma filha melhor.
Sentimentos
que teve ao visitar a sua mãe no ano passado na ilha do Maio em que desejou
estar mais perto da família para dar apoio no tratamento da progenitora.
Explica que a música veio de forma natural, escreveu a letra e gravou no
telemóvel.
Inicialmente
Rhaya tinha planos de gravar parte da canção “Melodia Nha Morna” na ilha do
Maio, o que se mostrou impossível devido à falta de patrocínios.“ (…) quando
realças algo da tua ilha no videoclipe é uma forma de promover visualmente”,
diz Raquel que almeja contribuir para a música e elevar a ilha do Maio.
Sonhos adiados por falta de meios
“(…)
enquanto não és conhecida é difícil ter um patrocínio”, lamentou a cantora,
acrescentando que durante anos enviou emails com áudios e a carta de motivação
aos quais nunca obteve resposta, nem positiva nem negativa.
O
sonho parecia distante até que Rhaya foi uma das contempladas no âmbito do
edital resgate da música tradicional cabo-verdiana, do Ministério da Cultura e
das Indústrias Criativas. Com o apoio e motivação de artistas e amigos, a
cantora lançou o seu primeiro trabalho. Este apoio, Rhaya diz que tem vindo a receber
até hoje.
“Pessoas
do Maio, da Praia, de São Vicente e de outras ilhas tem-me enviado mensagens
muito positivas, só tenho a agradecer”.
Depois
de mais de 11 anos a dar voz à música de outros cantores, Rhaya pôde finalmente
presentear os cabo-verdianos com as suas próprias composições. Ressalva que
assim como é muito pregado para os artistas não desistirem do sonho é preciso
mostrar-lhes que a luta vale a pena e sublinha que existem várias formas de
incentivar os artistas, mesmo que não sejam financeiras, mas em forma de
aconselhamento e mentoria, por exemplo.
Para
este ano Rhaya adianta que está envolvida em vários projetos. O primeiro vai
ser a apresentação do single no Palácio da Cultura.
Perspetiva
para o próximo ano lançar novos singles se houver mais apoios. “Mais mornas e
coladeiras, se for o tradicional contem comigo sempre”, declara entre risos.
A
artista não descarta a possibilidade de incluir géneros como RnB, Zouk e outros
ou mesmo outros temas nos seus próximos trabalhos porque reconhece que precisa
acompanhar as novidades porque a vida é feita de desafios e o mundo da música
não foge à regra.
“Continuar
a cantar e ajudar a expandir a cultura”, adianta como as suas ambições musicais
e acrescenta que quando fala em divulgar a cultura é também para o continente
africano. “O que nos fortalece e afirma a nossa identidade é a nossa cultura
africana, porque isso é nosso”, conclui. Celine Salvador – Cabo Verde
in “Balai Cabo Verde”
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