O
Ministério Público investiga o destino de verbas da Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa (CPLP) para financiar um projeto de apoio ao artesanato em
São Tomé e Príncipe, que alegadamente não chegaram a quem o realizou.
O
Projeto de Apoio ao Desenvolvimento da Produção de Artesanato em São Tomé e
Príncipe (Fases II e III) foi aprovado na XXII Reunião dos Pontos Focais de
Cooperação, em março de 2011, em Lisboa, e arrancou em julho de 2011, altura em
que foram para o terreno os primeiros formadores.
A
iniciativa visou contribuir para o desenvolvimento socioeconômico de São Tomé e
Príncipe através da criação de emprego e de rendimento, no segmento de
artesanato, cabendo ao Instituto Mazal (brasileiro) a execução das atividades
do projeto.
Conforme
confirmou à agência Lusa o secretariado-executivo da CPLP, “foram identificadas
discrepâncias entre valores que constavam como entregues a colaboradores de
entidades parceiras, que os destinatários contestaram haver recebido, aquando
da prestação de contas”.
De
acordo com os resultados de uma auditoria interna concluída em outubro de 2017,
a que a Lusa teve acesso, “encontra-se por apurar o destino final de 25 990
euros”, referentes a cinco dos seis pagamentos alegadamente feitos pela CPLP ao
Instituto Mazal para o desenvolvimento do projeto.
Trata-se
de cinco pagamentos – nos valores de 6900 euros, 4500 euros, 4500 euros, 5800
euros, 6100 euros e 2690 euros – cujos recibos com alegadas assinaturas de
representantes do Instituto Mazal não foram assumidas por estes e que as
perícias grafotécnicas não garantem ser da sua autoria.
A
estes cinco pagamentos, no total de 25 990 euros, acresce um outro de 6000
euros, cujo recibo foi assumido pela representante do Instituto Mazal, não
estando por isso em “divergência de entendimentos”.
Tendo
concluído que “encontra-se por apurar o destino final de 25 990 euros”, a
empresa responsável pela auditoria (Pricewaterhouse Coopers) referiu no
relatório final que nenhum dos trabalhadores da CPLP que foram ouvidos no
decorrer da investigação “admite ter tido qualquer comportamento irregular”
(…).
À
Lusa, o secretariado-executivo da CPLP confirmou que “foram cinco as
discrepâncias identificadas, que totalizam cerca de 26 mil euros de recursos
cujo destino não se confirma”.
Segundo
este órgão da CPLP, “o valor sujeito a prestação de contas por parte do
Instituto Mazal é de cerca de 525 mil euros”.
A
auditoria realizada identificou ainda suspeitas de que pelo menos dois
trabalhadores da CPLP “tenham praticado e/ou participado em tais
irregularidades”.
“Trata-se
de comportamentos graves que podem ter consequências significativas para a
CPLP”, prossegue o relatório, com a empresa de auditores a recomendar que “seja
solicitada investigação criminal pelas autoridades portuguesas competentes a
este assunto”.
Estas
autoridades, lê-se no documento, “dispõem de meios e técnicas de investigação
mais capazes de identificar os eventuais culpados pela fraude nas assinaturas e
pela adulteração das planilhas, bem como competência para obtenção de
informação bancária dos visados”, entre outras que os auditores consideram
“necessário executar com vista ao apuramento da verdade”.
Segundo
o secretariado-executivo da CPLP, “foi concluído que existiam fortes indícios
de responsabilidades disciplinares e criminais de dois colaboradores com
deveres e obrigações nos procedimentos em causa, que geraram um procedimento de
inquérito interno e, posteriormente, uma participação ao Ministério Público”.
Em
junho de 2018, prossegue o secretariado-executivo da CPLP, este “denunciou o
caso às autoridades judiciais do Estado-sede, Portugal, solicitando
investigação cabível e manifestando o interesse em deduzir pedido de
indemnização civil, sendo que as autoridades portuguesas iniciaram um inquérito
criminal, com diligências efetuadas entre agosto de 2018 e dezembro de 2019”.
A
Procuradoria Geral da República (PGR) acolheu a queixa, encontrando-se
atualmente o processo em fase de investigação, com o secretariado-executivo da
CPLP a ser constituído assistente do processo, a seu pedido.
A
Lusa tentou consultar os autos do processo, mas tal não foi possível por o
mesmo se encontrar em segredo de justiça, uma vez que está em fase de
investigação.
Da
parte do secretariado-executivo da CPLP, diz que “está a aguardar a decisão das
autoridades portuguesas”.
A
Lusa contactou a presidente do Instituto Mazal, Sónia Korte, questionando-a
sobre o processo, tendo esta respondido que a organização, “em cláusula
contratual, não possui autonomia para dar entrevistas ou declarações, para
meios de comunicação, escrito ou verbal”.
Questionado
sobre o impacto do caso na credibilidade de uma instituição como a CPLP, o
secretariado-executivo disse que a mesma sairá reforçada, “uma vez que os
procedimentos internos se demonstraram aptos a identificar irregularidades na
utilização dos recursos”.
“Acreditamos
que as sucessivas diligências do secretariado-executivo neste caso (auditoria,
inquérito disciplinar e denúncia) são demonstrativos do compromisso da CPLP com
a transparência no uso dos recursos que lhe são confiados”, segundo as
respostas da CPLP à Lusa. In “Mundo Lusíada” – Brasil com “Lusa”
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