O ensino através de ferramentas virtuais devido à propagação
do novo coronavírus traz um desafio principal aos alunos: a gestão do seu tempo
para garantir que cumprem todas as tarefas que lhes são pedidas, acredita a
directora da Faculdade de Educação da USJ, apontando ainda que este processo
exige uma “literacia tecnológica” que às vezes pode falhar pelo facto de em
Macau ainda se seguirem “modelos tradicionais”. Ainda assim, ao Jornal Tribuna
de Macau, professores fazem um balanço positivo do sistema que levou a novas
aprendizagens. Por sua vez, uma encarregada de educação admitiu que, no início,
o processo foi “stressante”
O
novo coronavírus levou a mudanças ao nível da educação e da forma como crianças
e jovens estão a estudar, agora a partir de casa. O novo modo de funcionamento
do ensino trouxe desafios para todos, mas talvez sobretudo pais e professores.
“Quando
se passa de um modelo presencial para um modelo de aprendizagem à distância
demora-se algum tempo até tanto professores como alunos se adaptarem mas até
agora temos tido uma experiência muito positiva”, garante a directora da
Faculdade de Educação da Universidade de São José (USJ) em declarações ao
Jornal Tribuna de Macau.
“Os
alunos estão a responder e os professores, claro, estão a trabalhar
intensivamente. Há muitos ajustamentos, muitas adaptações que têm de ser
feitas. Temos também que nos familiarizar com este novo sistema”, destacou Ana
Correia.
Num
ensino nestes moldes, “as actividades têm de ser feitas consoante as instruções
que o professor dá, que têm de ser extremamente claras, detalhadas, para
compensar a inexistência de um diálogo na sala de aula”.
A
USJ está a adoptar um esquema que mistura aula em tempo real com materiais
colocados “online” com indicações para os alunos. “Não significa que a
comunicação em tempo real tenha desaparecido, de modo nenhum”.
Ainda
assim, é exigida aos alunos uma maior auto-regulação. “O aluno tem de gerir o
seu tempo de uma forma que tem de partir dele, ao passo que no ensino
presencial a gestão é-lhe imposta devido a um limite temporal. A aula é das
15:00 às 18:00 e o que lhe é pedido é que esteja presente na aula. Agora não
têm de ir a lado nenhum, mas continuam a ter de gerir o seu tempo porque os
prazos existem e são extremamente rígidos, como eram as presenças na aula”,
sublinha Ana Correia.
Por
outro lado, o facto de não haver um prazo de duas ou três horas para uma
aprendizagem específica faz com que os estudantes tenham de se adaptar. “Como é
muito tempo, um dia inteiro, se o aluno não tem essa capacidade de
auto-regulação, vai deixando para o fim e esse problema existe, mais
provavelmente nos não universitários que nos universitários, mas mesmo os
nossos alunos, sobretudo do bacharelato, vão ter de passar por um período de
adaptação”.
“Os
prazos têm de ser muito curtos, precisamente para ajudar o aluno a processar
esta transição e a adquirir mais auto-regulação, portanto, não podemos dar um
prazo de uma ou duas semanas porque vai levar a que o aluno provavelmente não
trabalhe antes do fim do prazo”, destacou a académica.
Questionada
sobre o que deverá ser feito para tornar esta mudança mais fácil, Ana Correia
opta por destacar o que não é aconselhável. “Não se deve replicar o ensino
presencial e fazer quase a mesma coisa que se faria nesse modelo. O ensino à
distância tem um formato completamente diferente, não pode ser uma réplica do
ensino presencial porque temos de motivar os alunos e isso implica
criatividade, encontrar formas de fazer com que eles possam interagir. Por
exemplo, pedir a uma classe que leia um texto é insuficiente. Poderia resultar
se na aula houvesse discussão e interpretação, mas no ensino à distância isso
não existe, por isso, esse formato não resulta”.
Isso
leva a que os docentes tenham de ter “literacia tecnológica”. “Têm de saber ir
‘online’ procurar formas que sejam motivadoras para os alunos e não
apenas repetir formatos que usavam antigamente, portanto, criatividade e
literacia das tecnologias educacionais é fundamental”.
“Provavelmente
estamos todos um bocadinho a falhar neste domínio porque, em Macau e em todo o
lado, ainda continuamos a seguir modelos tradicionais e não são todos os
professores que adquirem o hábito de integrar as tecnologias dentro do currículo.
Infelizmente, agora fomos obrigados, de um dia para o outro, e, de facto, todos
temos de dar um salto muito grande e é isso que estamos a fazer”.
Novidades bem recebidas
Estas
questões colocam-se também aos professores de outros níveis de ensino e há quem
receba o desafio de braços abertos. “Tipicamente seguimos o modelo tradicional
no sentido em que temos o professor na escola. Isto acaba por ser uma novidade,
ou seja, não fazer apenas a utilização dos recursos online, porque isso não é
nada de novo, mas algo integral, a 100%. Dadas as circunstâncias é uma
realidade necessária para não haver uma suspensão permanente do ensino”,
começou por destacar Miguel Melo em declarações a este jornal.
Ainda
assim, o novo paradigma envolve desafios. “Traz [desafios], sem dúvida, mas
vejo isso como sendo algo positivo porque, numa perspectiva mais futurista, até
mesmo no desenvolvimento de uma profissão como a nossa, no ensino, as coisas
mais para a frente parecem apontar cada vez mais para uma dependência deste
tipo de infra-estruturas para realizarmos a nossa profissão. Nesse sentido,
acho interessante porque obriga o professor a sair um bocadinho da sua zona de
conforto e a pensar fora da caixa numa forma de criar e adaptar materiais que
sejam eficazes para o ensino e, nesse sentido, é uma nova experiência que
permitirá a aquisição de outras capacidades”.
De
qualquer modo, o docente considera “interessante e desafiante” a criação de material,
que considera o “maior desafio”, uma vez que tem de ser adaptado a um ensino
que funciona nestes moldes.
“No
fundo, os alunos acabam por ter uma experiência positiva porque cada vez têm
mais contacto com as ferramentas ‘online’ e com a internet e dá-lhes algo que
fazer, sobretudo nestas circunstâncias em que as pessoas acabam por ter de
estar fechadas em casa. E acho que o mais importante é o facto de não permitir
a suspensão efectiva do processo educativo”, sublinhou Miguel Melo.
O
docente do ensino primário diz não notar diferenças nas dificuldades sentidas
pelas crianças em relação a quando têm aulas presenciais. “Não seria por aí que
contrastaria e referiria que existem mais dificuldades em relação à
aprendizagem. Os pais têm prestado um bom desempenho a nível do suporte que dão
aos alunos, porque consigo perceber que existe um contacto constante entre pais
e professores que resulta do ‘feedback’ que recebem do trabalho que os alunos
fazem em casa”.
Por
sua vez, o subdirector da Escola para Filhos e Irmãos dos Operários sublinhou
que o caminho até ao ensino à distância passou por várias fases. “No início,
muitas escolas delinearam planos de ensino concretos, pretendendo até dar aulas
consoante o calendário, mas temos ouvido comentários sobre o facto de as
tarefas serem pesadas. Percebemos que o ensino virtual não terá um efeito
equivalente ao ensino presencial e que os alunos iriam enfrentar muitas
dificuldades se fizéssemos isso”, sublinhou Lam Lon Wai.
Mais
concretamente, em relação aos estudantes do ensino secundário, são dadas duas
matérias para aprenderem por si mesmos. “Primeiro, damos trabalhos de casa aos
alunos que depois de os concluírem tiram fotografias e enviam aos professores
por e-mail. Em segundo lugar, os professores dão aulas através de um vídeo em
que explicam o conteúdo através de um ‘powerpoint’. Os alunos podem
descarregar o vídeo mas não podem fazer logo perguntas ao professor, por isso,
encontrámos uma solução como uma ‘aula interactiva’ em que os alunos podem
fazer as perguntas e receber as respostas ‘online’. Não é fácil, mas
pedimos aos professores para dar pelo menos uma aula destas por semana ou a
cada duas semanas”.
Lam
Lon Wai defende que o contacto entre professores e alunos tem sido fácil com
recurso a uma aplicação móvel denominada “turma virtual”. Ao inscrever-se na
aplicação, cada pessoa tem de escolher uma função: professor, aluno ou
orientador da turma.
A
taxa de recolha de trabalhos de casa tem sido elevada, frisou o subdirector,
frisando que 70% dos estudantes conseguiram apresentar os trabalhos a tempo. “O
nosso modelo de escola virtual não sofreu grandes mudanças mas reduzimos muito
a quantidade de trabalho. Por exemplo, no ensino secundário os estudantes
costumam ter cinco aulas de chinês por semana mas agora mudámos para duas.
Disciplinas como Física e Química reduzimos para apenas uma aula semanal”.
No
que se refere ao ensino primário, há encarregados de educação a queixar-se de
dificuldades e pressão por terem de acompanhar de perto a aprendizagem dos filhos.
“Tendo em conta que os alunos do primeiro ciclo têm menos capacidade de
auto-aprendizagem, exigimos apenas aos estudantes do primeiro ao terceiro ano
que leiam, cantem e façam ginástica diariamente, sendo que disciplinas como chinês
e matemática não estão incluídas nas tarefas diárias”.
Para
os estudantes entre o quarto e o sexto ano de escolaridade foram acrescentadas
tarefas de compreensão textual, em chinês e inglês, sendo que os textos são ou
literários ou relacionados com a ciência popular. “Claro que no ensino primário
e secundário acrescentámos uma vertente de conhecimento sobre o coronavírus,
pusemos online um vídeo de conhecimentos gerais sobre a epidemia para os
alunos, além de ter sido preparada uma lista de perguntas para eles responderem”.
Os
professores, assegura, não se queixam de aumento da pressão. O modelo de aulas
virtuais garante-lhes “tarefas relativamente mais leves, assim os docentes
conseguem, além de se ocuparem do ensino, cuidar da família”.
Primeiros dias “confusos”
Para
os pais o ajustamento também não está a ser fácil. “Os primeiros dias foram
confusos. Ambos os meus filhos têm uma conversa de grupo no ‘WhatsApp’
da turma que estava a ‘explodir´ com todo o tipo de mensagens e que era difícil
de seguir porque tive de ler em português e o meu português não é muito bom”,
contou Christina Kimont ao Jornal Tribuna de Macau.
“Foi
stressante mas a escola parece ter um currículo para actividades em casa.
Forneceram-nos um ‘website’ no qual podemos entrar, cada um deles [dos
seus filhos] tem a sua informação de ‘log in’ e as suas tarefas. Isto
começou na terça ou quarta-feira da semana passada e tiveram tarefas na quinta
e na sexta-feira. Foi um início duro, um processo de aprendizagem, mas a minha
filha que está no primeiro ano, adorou. O meu filho não sei se adorou mas não
se queixa”, sublinhou.
“Felizmente”,
salienta, a família tem vários computadores em casa pelo que “podem trabalhar
individualmente”, o que será “muito mais fácil à medida que forem atribuídas
novas tarefas que têm de fazer”. “Estando em casa, no geral, a longo prazo, não
é fácil termos a nossa rotina”.
As
questões práticas, são acessíveis. “Abre-se um separador [do site] e mostra
todas as tarefas que têm de cumprir e, ou ficam com um ‘visto’, ou desaparecem
por completo à medida que são terminadas, por isso, é fácil para eles. O
desafio é não os deixar jogar demasiados videojogos ou ver demasiada televisão
porque consigo ver diferença no comportamento deles se fizerem isso durante
demasiado tempo. Essa parte é um desafio”.
A
cada dois dias, o marido de Christina Kimont leva as crianças a zonas onde não
estejam muitas outras pessoas “só para fazerem algum exercício”.
“Para mim, o grande
desafio é que ainda tenho trabalho que normalmente faria enquanto eles estão
nas aulas, como ir à biblioteca. Agora não posso ir e tenho sempre as crianças
em casa, é muito mais difícil trabalhar”, admitiu até porque “eles não podem só
sentar-se e fazer o trabalho sozinhos”. “Há muita coisa que conseguem, mas
precisam de alguém que esteja lá perto e diga para não se distraírem”. Inês
Almeida – Macau com Rima Cui in “Jornal Tribuna de Macau”
Sem comentários:
Enviar um comentário