Entre
a precariedade despoletada pelo encerramento dos casinos e a necessidade de
regressar a casa, a comunidade filipina passa por momentos de aflição desde que
Manila cancelou todos os voos com a China, Macau e Hong Kong. Numa altura em
que ainda não há solução para o regresso a casa, o Ponto Final foi conhecer
algumas das histórias que preenchem os corredores do Consulado Geral das
Filipinas em Macau.
As
paredes servem de mesas improvisadas para o preenchimento de formulários que
requisitam assistência para o regresso a casa de filipinos que perderam o chão,
nas últimas semanas, quando souberam que todos os voos directos da China para
Manila tinham sido cancelados. A ordem, do Presidente Rodrigo Duterte, surgiu
como medida de prevenção contra o novo coronavírus. Uma decisão que deixou
várias famílias filipinas retidas em Macau e Hong Kong sem a possibilidade de
um voo directo para casa.
Encostado
a uma parede, à espera da sua vez, Dennis Bersebé, de 34 anos, observa um jovem
de boné a preencher um formulário num dos cantos do Consulado Geral das
Filipinas em Macau, enquanto partilha com o Ponto Final as dificuldades da
comunidade filipina nas últimas semanas. “Vim cá para solicitar um voo directo
para as Filipinas, mas enquanto estamos aqui já ouvimos muitos filipinos a
falar de despedimentos e que não têm forma de regressar a casa porque os
patrões tiraram-lhes o visto de trabalho, e como não têm salário estão a apelar
ao Consulado para que haja um voo directo para Manila. Todos os dias temos de
comer, temos as despesas de casa para pagar e alguns de nós simplesmente
ficaram sem dinheiro porque perderam o emprego”, explica Dennis Bersebé, um
ex-funcionário de um centro de limpeza de automóveis que pretende regressar a
Manila.
“Neste
momento, só queremos regressar a casa, mas o problema é que não há voos
directos de Macau para as Filipinas. No Consulado dizem-nos apenas para
comprarmos passagens para outros países para regressar às Filipinas, mas nós
não temos condições monetárias para esse tipo de gastos. Eu estava a trabalhar
num centro de limpeza de carros e como tiveram de fechar por duas semanas não
tenho forma de me sustentar cá, especialmente pagar a renda do próximo mês.
Estamos a tentar sobreviver como podemos. No meu caso, continuo a ter um visto
de trabalho, mas para muitos filipinos que conheço esse é o principal
problema”, acrescentou.
“Estou a ficar sem dinheiro para comprar bens essenciais”
Numa
situação mais complicada está Leonardo, o jovem filipino de boné que depois de
preencher um formulário de requisição de assistência numa parede do Consulado
aproxima-se para contar a sua história. “Trabalhei como jardineiro numa empresa
que prestava serviços para o Governo e assinei um papel juntamente com outros
dois colegas para uma licença sem vencimento e algum dinheiro para pagar uma
passagem aérea de regresso às Filipinas, mas agora é tarde porque já não há
voos disponíveis e parte do dinheiro que recebi da rescisão tive de entregar ao
senhorio para pagar o meu quarto”, afirma o jovem de 24 anos ao Ponto Final.
“O
meu último salário foi praticamente todo para a minha família, para ajudar os
meus pais e ajudar nas despesas de escola da minha irmã. Ela precisa da minha
ajuda para pagar os estudos. Neste momento, só quero regressar às Filipinas por
causa da situação do coronavírus em Macau, mas um dia pretendo regressar quando
tudo acalmar. Por isso vim solicitar ajuda ao Consulado para regressar a casa,
porque a cada dia que passa os meus problemas acentuam-se, estou a ficar sem
dinheiro para comprar bens essenciais como a alimentação. O pouco dinheiro que
tenho no bolso não dá sequer para comprar uma viagem directa para as Filipinas
quanto mais um voo com escala noutro país”, frisa Leonardo, encostado a uma
parede.
Junto
à saída do elevador do 14º piso da Torre AIA, Francis E., de 37 anos, ajuda um
amigo a preencher o formulário facultado pelos serviços do Consulado Geral das
Filipinas por entre fotocópias de documentos e um passaporte das Filipinas.
Questionado sobre a razão que o levou ao Consulado, Francis E. revela que tinha
uma viagem marcada para Manila para a altura do Ano Novo Chinês, mas que em
poucos dias tudo mudou por causa do surto do coronavírus.
“Têm
sido dias muito complicados, aqueles que temos vivido em Macau por causa do
surto de coronavírus. A maioria dos filipinos decidiu regressar às Filipinas
para recomeçar a vida lá. Esta é a primeira vez que vim para Macau trabalhar e
o meu plano era regressar às Filipinas para visitar a minha irmã, mas agora não
consigo encontrar trabalho cá e tentei aguentar-me, mas como as coisas estão,
não sei como vai ser”, diz Francis E., antes de abordar a sua situação laboral.
“Trabalhava
numa fábrica de ‘noodles’. Foi o meu primeiro trabalho cá. A fábrica
fechou e a empresa e passou-nos uma licença sem vencimento. Houve muitos dos
meus colegas que decidiram regressar às Filipinas porque acharam que seria a
melhor hipótese dada a situação cá. Estiveram cá de manhã muitos filipinos no
Consulado e aconselharam-nos a regressar a casa, mas há muitos que não querem
isso porque precisam de trabalhar cá, pois o salário que conseguem nas Filipinas
é muito baixo. Estou cá há um ano. Trabalhei durante 12 anos numa escola
secundária nas Filipinas e esta foi a primeira vez que vim para Macau
trabalhar. Não estava nada à espera disto”, refere por detrás de uma máscara
negra.
Tal
como em muitos casos de trabalhadores não-residentes de Macau, Francis E. envia
grande parte do seu salário para ajudar a família. “Tenho a minha família toda
nas Filipinas para ajudar, trabalhando cá posso ajudá-los a todos. Não faço
ideia de quando vou regressar. O meu patrão pagou-me tudo, não sei. Ainda tenho
a autorização de residência porque assinei um contrato de trabalho de um ano,
mas depois disto não sei. Não sei se vou conseguir sobreviver cá sem trabalho e
por isso ainda estou a ponderar regressar. Tem sido muito complicado viver cá,
e estou com medo”, liberta, num suspiro.
Uma questão familiar
O
cancelamento dos voos directos entre Manila e todos os territórios na China
antes do fim das celebrações do Ano Novo Lunar não afectou apenas os
trabalhadores não-residentes filipinos, mas também as suas famílias. “No meu
caso, tenho cá a minha mulher e o meu filho de sete meses. Estão encalhados cá
em Macau na condição de turistas. Vieram visitar-me durante as férias do Ano
Novo Chinês. Infelizmente estamos nesta situação por causa da decisão do
Governo das Filipinas em proibir viagens para Hong Kong e Macau. Por isso todos
os voos que iam para as Filipinas foram cancelados e ainda não há certeza
quando será levantada esta proibição”, começa por dizer Richard T., trabalhador
numa fábrica de produtos farmacêuticos portuguesa em Macau.
“Isto
criou um problema a vários turistas que vieram visitar as famílias porque agora
não podem sair de Macau. Muitos turistas têm um tempo limitado, é normal este
tipo de restrições, por isso viemos ao Consulado das Filipinas para pedir ajuda
e indicação sobre o que podemos fazer. Eles estão a sugerir que encontremos um
voo alternativo noutro país para chegar às Filipinas, mas nem todos nós temos
dinheiro ou as condições para isso. Eu não posso aceitar que a minha mulher
tenha de viajar para outro país para regressar a casa com um bebé de sete meses
nos braços, e que esteja sujeita a longas esperas em aeroportos, que por vezes
podem ser superiores a 24 horas. Este são o tipo de situações que o Consulado
tem de ter em conta. E o meu caso não é único”, diz, antes de explicar o seu
receio de perder o emprego.
“Eu
trabalho em Macau, mas era suposto regressar às Filipinas com a minha mulher, o
nosso voo foi cancelado no dia 8 de Fevereiro. Era suposto eu ir com eles, mas
agora tivemos de mudar os planos por causa desta proibição dos voos e o meu
medo neste momento é que se eu viajar nesta altura com eles para as Filipinas,
e, como ainda não há previsão do levantamento da proibição das viagens para a
China, tenho receio de não poder voltar a Macau para o meu trabalho. Ainda não
sei como vou poder viajar com eles com este tipo de dilema, porque posso perder
o meu trabalho se ficar nas Filipinas por tempo indeterminado, que pode ser de
vários meses. O meu patrão deu-me indicações. É suposto ter a minha licença
anual esta semana de 16 dias. Mas esses são praticamente os dias em que ficarei
de quarentena nas Filipinas, porque essas são as medidas impostas pelo Governo
para todos os cidadãos filipinos e residentes permanentes. Por isso, é inútil
para mim regressar porque serei obrigado a ficar numa área de quarentena”,
lamenta Richard T.
Na
mesma situação está Mia, uma filipina de 31 anos que veio a Macau visitar o
marido com o filho de três anos. “Vim visitar o meu marido a Macau e estou cá
com visto de turista. Estive cá para aproveitar o Ano Novo Chinês, mas agora
não consigo regressar. Tenho um filho de
três anos. Neste momento, as minhas únicas opções são arranjar voos com escalas
de oito horas. Para alguém que vai viajar com uma criança, isso será muito
complicado, especialmente obrigá-lo a ficar num aeroporto durante oito horas.
Um dia inteiro a viajar com uma criança só para chegar a casa. Para além de
difícil é muito caro”, conta Mia.
Há
14 anos a trabalhar em Macau, Lester, de 39 anos, deslocou-se ao Consulado
Geral das Filipinas para tentar encontrar uma solução para o seu filho, que
está em risco de chumbar por faltas devido à imposição do Presidente Duterte em
cortar os voos com a China. “Vim para tentar resolver a situação do meu filho
que está cá em Macau e preciso que viaje para as Filipinas porque está a faltar
às aulas. Veio visitar-me durante as férias do Ano Novo Chinês e todos os voos
foram cancelados. Soube pelas notícias que houve uma petição a solicitar um voo
charter ao Consulado e estou aqui para me registar e fazer o pedido. Claro que
não me importo de pagar um voo directo, não queria era que o meu filho fosse
obrigado a fazer escalas porque isso sai caro e é um desperdício de tempo. A
última viagem que vi tinha de passar por Kuala Lumpur. A minha única
preocupação neste momento é que o meu filho regresse a casa para as aulas em
segurança. Tenho receio que ele perca um ano por causa das faltas. Porque ele
só tinha cinco dias de férias e veio visitar-me e agora já passaram quase duas
semanas. Já telefonei para a escola e só nos deram um mês para resolver a
situação, como medida de excepção”, afirma Lester.
Questionado
sobre a sua condição laboral, Lester explica que está nesta altura com uma licença
por duas semanas. “Pagaram-me duas semanas de licença e estou agora à espera.
Trabalho no Sheraton Hotel. Não sei ainda o que vai acontecer. Vou falar com o
meu superior quando terminar a licença de duas semanas, mas agora a minha maior
preocupação é o meu filho. Trabalho em Macau há 14 anos com ‘Blue Card’”, diz.
Depois
de trabalhar em Macau durante dois anos e meio, Joanne Gomez, de 32 anos,
despediu-se para regressar às Filipinas. Com cinco meses de gravidez, Joanne
contava regressar a casa no dia 7 de Fevereiro, mas a decisão do Presidente
Duterte complicou-lhe os planos. “Preciso de regressar com urgência para as
Filipinas porque o meu patrão cancelou o meu contrato de trabalho e já me resta
pouco tempo até que o meu visto de trabalho termine em Macau. Estava a
trabalhar cá e despedi-me antes do início das medidas de contingência por causa
do novo coronavírus e já tinha viagem agendada para as Filipinas para o dia 7
de Fevereiro e a companhia aérea cancelou-o. Agora preciso de regressar a casa
imediatamente, por isso estou a pedir auxílio ao Consulado, para que me ajude a
regressar às Filipinas. Todos os voos de Macau para Manila foram cancelados.
Como estou grávida de cinco meses, não quero fazer nenhum desvio e ficar retida
em aeroportos. Quero um voo directo para Manila porque é muito arriscado nesta
fase estar a viajar para outros países. Trabalhei dois anos e meio. Se era
difícil entrar, agora está difícil para sair”, desabafa Joanne Gomez. Eduardo
Santiago – Macau in “Ponto Final”
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