A Acnur afirma que desde o início do conflito, em 2017, mais de 1,3 milhão de moçambicanos tornaram-se deslocados internos. O plano humanitário de 2025 precisa de US$ 352 milhões, mas recebeu menos de 20% do valor
O
representante da Agência das Nações Unidas para Refugiados, Acnur, em
Moçambique, Xavier Créach manifestou profunda preocupação com o rápido aumento
de deslocados no norte de Moçambique.
Em
apenas uma semana, cerca de 22 mil pessoas foram forçadas a abandonar as suas
casas por causa de uma nova escalada da violência.
Exaustão e perda de esperança
Depois
de anos de incerteza, muitas famílias estão a chegar ao limite, algumas
permanecem apesar do perigo, enquanto outras fogem novamente, sem esperança de
regresso.
Isadora
Zoni, Oficial de Comunicação do Acnur em Moçambique, narra o drama que se vive
em alguns distritos de Cabo Delgado.
“Nas
últimas semanas, estive no terreno com as equipas em distritos como Chiúre,
Mueda....em Chiúre eu conheci uma mulher deslocada pela terceira vez. Ela
contou que quando regressou à sua aldeia no ano passado, acreditava que a paz
estava a voltar, agora depois de perder tudo outra vez, ela disse que já não
sabe se há para onde voltar. Esta sessão de exaustão e perda de esperança é
hoje uma realidade em todo o norte.”
Aumento da violência no norte de Moçambique
Ao
longo de 2025, a violência aumentou. Dados do Acnur indicam que até ao final de
agosto, ocorreram mais de 500 incidentes de segurança afetando civis, incluindo
saques a aldeias, raptos, assassinatos, pilhagens e destruição de casas e
infraestruturas.
Em
comparação, em 2022 considerado um dos períodos mais intensos do conflito,
foram relatados 435 incidentes.
A
agência afirma que a nova onda de deslocamento é uma das maiores registadas,
nos últimos oito anos.
“Hoje,
os 17 distritos da província de Cabo Delgado, o epicentro da crise, já foram
afetados. E só nas últimas semanas quase 22 mil pessoas foram forcadas a fugir
das suas casas, somando-se as mais de 100 mil pessoas deslocadas apenas em
2025, mas o número de deslocados não conta a história completa. O que estamos a
ver é uma mudança de paradigma. Os civis deixam de ser danos colaterais e
passaram a ser alvo direto da violência em ataques, raptos e assassinatos
inclusive em vilas e cidades que antes eram consideradas seguras.”
De famílias acolhedoras a deslocados
Desde
o início do conflito, em 2017, mais de 1,3 milhão de pessoas foram deslocadas,
apanhadas entre a insegurança, a perda e a repetição de deslocamentos.
Muitos
dos recentemente deslocados eram anteriormente famílias acolhedoras, que
abriram as portas das suas casas a outros, e que agora se encontram também sem
abrigo e em necessidade.
As
preocupações com a segurança aumentam, os civis continuam a ser alvo de
ataques, com relatos de assassinatos, raptos e violência sexual.
As
crianças estão entre as mais afetadas, com casos de recrutamento forçado e
ataques deliberados por grupos armados não estatais.
Agências da ONU e plano de resposta conjunto
“Em
Chiúre no âmbito do plano de resposta conjunto, 5 mil famílias já receberam
apoio em proteção e saúde mental. As nossas equipas estão no terreno em Mecúfi
juntamente com OIM, PMA e Unicef para responder ao novo fluxo de deslocados.
Nos próximos dias esperamos apoiar cerca de 1000 famílias com assistência
emergencial e serviços de proteção. Prestamos ainda apoio a pessoas com
deficiência, distribuímos dispositivos de mobilidade e kits de dignidade para
mulheres e raparigas. O nosso foco é garantir que ninguém fique para trás.”
A
crise no norte de Moçambique transformou-se numa das situações humanitárias
mais complexas da região. Para além da violência, as famílias enfrentam os
efeitos combinados de ciclones repetidos, inundações e secas prolongadas.
Os
meios de subsistência foram destruídos, os preços dos alimentos estão a subir,
e os serviços básicos são escassos. O impacto cumulativo do conflito e dos
choques climáticos criou um ciclo de vulnerabilidade cada vez mais difícil de
quebrar.
Restrições financeiras e Prioridades da Acnur
Proteger
as pessoas, estabelecer a documentação civil, assegurar abrigo de emergência e
reforçar a coesão social são algumas das prioridades da agência segundo explica
a especialista do Acnur, Isadora Zoni.
“O
plano humanitário de 2025 precisa de US$ 352 milhões e apenas US$ 66 milhões
foram recebidos. O número de parceiros humanitários também caiu de 78 para 56
organizações, incluindo 26 internacionais, 21 nacionais, 6 entidades
governamentais e 3 agências da ONU. Isto significa menos capacidade no terreno,
com menos parceiros e menos fundos estamos a “esticar” cada recurso ao limite,
mas investir em proteção hoje é evitar novas deslocações amanhã.”
Apesar
das restrições financeiras globais, o Acnur e os seus parceiros continuam a
apoiar as populações deslocadas e as comunidades de acolhimento em todo o norte
de Moçambique.
Balcões
de atendimento foram estabelecidos para identificar pessoas com necessidades
específicas, oferecer apoio psicossocial e ajudar famílias a recuperar
documentos civis perdidos, em coordenação com as autoridades locais.
O
Acnur apela à comunidade internacional para renovar o seu apoio a Moçambique. A
proteção dos civis, a restauração do acesso a serviços essenciais e o
investimento em soluções duradouras são urgentemente necessários para evitar
mais sofrimento. Ouri Pota – Moçambique ONU News
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