A
aposentadoria antecipada do ministro Barroso do STF criou a inesperada e rara
oportunidade para Lula conquistar parte do eleitorado evangélico e, ao mesmo
tempo, dispor da maneira como neutralizar o atual ministro André Mendonça, que
deixará de ser a única "voz de Deus" dentro do STF, representativa de
30% da população.
Mendonça
não terá mais a exclusividade de representar o ungido de Deus, o Messias
Bolsonaro, segundo a doutrina evangélica da Teologia do Domínio, cujo objetivo
é o de submeter a vida pública ao controle religioso, numa versão atualizada ao
nosso tempo de uma teocracia.
Na
hipótese de Jorge Messias ser escolhido por Lula e aprovado pelo Senado, não
haverá, para comemorar, a presença da Michelle saltitante falando língua
estranha à maneira dos pentecostais. Embora o Messias Jorge seja chamado de
evangélico, sua denominação batista, vinda do ramo europeu protestante da
Reforma, é mais comportada, mesmo sendo também missionários norte-americanos
que a trouxeram ao Brasil.
Embora
o Messias Bolsonaro tenha sido eleito e seja ainda apoiado pelos
neopentecostais evangélicos, seu representante no Supremo Tribunal Federal, o
advogado e pastor André Mendonça também pertence a uma denominação protestante
vinda da Reforma calvinista, ele é presbiteriano. Entretanto, os presbiterianos
foram os primeiros a apoiar o golpe militar de 1964, quando o pastor Boanerges
Ribeiro ocupava o posto de presidente do Supremo Concílio da Igreja
Presbiteriana do Brasil.
A
provável escolha de Jorge Messias para ocupar o lugar do ministro Barroso no
STF, ao contrário do imaginável, não provocou entusiasmo na chamada Bancada Evangélica, liderada pelo
pastor fundamentalista evangélico da Assembleia de Deus, Sóstenes Cavalcante,
segundo apurou a CBN.
O
jornal Valor Econômico deu um título bem elucidativo ao tratar da possibilidade
Jorge Messias para o STF: republicanamente evangélico e terrivelmente
democrático, numa alusão ao terrivelmente evangélico André Mendonça, para o qual não
houve tentativa de golpe no 8 de janeiro.
A
senadora Damares Alves, que frequenta em Brasília a mesma igreja onde Jorge
Messias é diácono, não vê com bons olhos a indicação de Messias para o STF, por
ser esquerdista, embora Messias seja considerado um cristão conservador pelos
que o conhecem, como o pastor Sérgio Carazza, da Igreja Batista Cristã em
Brasília.
Até
que ponto, Jorge Messias é um batista conservador? Bastante revelador de sua
abertura de espírito foi sua intervenção, como advogado da união, AGU, junto a um hospital
recomendando a realização do aborto em uma mulher engravidada depois de ser
vítima de um estupro.
Lula escolherá Jorge Messias? Provavelmente, e
assim criará condições para se acabar com a oposição de uma parte da população
evangélica ao Supremo Tribunal Federal. Rui Martins – Suíça
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Rui Martins é
Jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador
do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas,
que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos
emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da
corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto
Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do
Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de
Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de
Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso
de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.
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