Centenas de milhares de soldados estão a abandonar os seus postos. Exaustão, corrupção e mobilização forçada estão a levar o exército ucraniano ao limite
Desde
o início da guerra, aproximadamente 290.000 processos criminais foram instaurados na Ucrânia
contra militares que desertaram dos seus postos. Um número aproximadamente
equivalente a toda a força da Bundeswehr alemã. No entanto, poucos
acreditam que esse número reflita a extensão total. Muitos comandantes
aparentemente evitam relatar deserções por medo de que cada soldado
desaparecido possa ser considerado uma falha pessoal de liderança.
Dos
casos conhecidos, quase 60.000
envolvem deserção no sentido estrito, enquanto os demais são classificados como
ausência não autorizada da unidade, ou AWOL, para abreviar. A linha entre as
duas categorias é ténue e frequentemente depende da intenção: se um soldado
deixa a sua unidade sem intenção de retornar, é considerado deserção; se ele
desaparece por alguns dias para ver a sua família e retorna, é
"apenas" AWOL.
Deserção: Cenoura e Castigo
No
final do ano passado, tornou-se evidente que o número de ausências não
autorizadas estava a aumentar de forma alarmante. Em resposta, o governo
Zelensky introduziu um procedimento simplificado de retorno, uma espécie de amnistia
para incentivar o retorno dos soldados. Muitos dos que aproveitaram essa oferta
eram homens que esperavam ser transferidos para unidades mais atraentes —
unidades nas quais teriam poucas possibilidades de entrar em circunstâncias
normais.
Mas
essa estratégia de "cenoura" não correspondeu às expectativas. Apenas
29.000 soldados
retornaram ao serviço. Portanto, o governo está a recorrer à abordagem "do
bastão" e a trabalhar num sistema de punições mais severo para casos de
abandono sem licença. Muitos comandantes alertam, no entanto, que isso por si
só não resolverá os problemas. As causas são mais profundas: exaustão, treino
inadequado, horários de serviço pouco claros, desilusão, escassez, baixos
salários, corrupção, liderança militar fraca e uma grave perda de confiança nos
superiores, cujas ordens arriscadas frequentemente levam a pesadas perdas.
A
mobilização forçada também é uma tábua de salvação para o exército ucraniano.
Mês após mês, dezenas de milhares de homens — muitos deles relutantes,
destreinados e despreparados para a guerra — são forçados a vestir uniformes. O
que antes era um chamado para defender a pátria tornou-se, para muitos, uma
ordem da qual não há como escapar.
Segundo
a Ombudsman Militar Olha Reschetylova, muitos dos soldados
recém-recrutados fogem assim que têm a oportunidade. Eles desaparecem dos
campos de treino, escondem-se a caminho das suas unidades ou desaparecem
repentinamente assim que descobrem que serão enviados para a frente. A fuga dos
soldados não é apenas um ato de medo, mas também um protesto silencioso contra a
sua exaustão extrema.
A
exaustão do serviço é, aliás, um dos motivos mais comuns para deixar o
exército. Muitos combatentes voluntários agora comparam-se a escravos, presos num
serviço militar por tempo indeterminado sob lei marcial. Essa incerteza não só
mina o moral, como também alimenta um sentimento de injustiça. Ao mesmo tempo,
milhões de homens continuam a viver as suas vidas normalmente, fugindo do
serviço militar por meio de um sistema generalizado de corrupção no processo de
mobilização.
Mobilização na Ucrânia: Protestos contra Zelensky crescem
A
crescente tensão social em torno desta questão gerou um movimento: "Clear
Service Times". Este grupo de indivíduos afetados une esposas e mães
de soldados que exigem que os seus maridos finalmente possam voltar para casa —
e que o fardo da guerra seja compartilhado de forma justa entre todos aqueles
que servem ao país.
A
extensão da deserção no exército ucraniano – combinada com a evasão em massa da
mobilização – lança uma longa sombra sobre a afirmação do presidente Zelensky
de que a Ucrânia não precisa de soldados da OTAN, apenas de armas. Enquanto a
liderança política não controlar a pressão militar, mesmo o maior arsenal de
armas não mudará nada. O Ocidente pode continuar a fornecê-las – mas em breve
poderá não haver mais ninguém para operá-las. Marta Havryshko – Ucrânia in “Berliner Zeitung”
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