De
onde veio aquele bandeirão "gringo", ali em São Paulo, na avenida
Paulista?
Li
e ouvi tudo ou quase tudo sobre a presença da enorme bandeira dos Estados
Unidos aberta e carregada por uns 300 "patriotas" na avenida
Paulista, justamente no 7 de Setembro, data da nossa independência. A quase
totalidade dos comentários se atém ao fato de ter sido um desrespeito à
soberania brasileira ou uma provocação de "traidores da pátria" para
os quais os Estados Unidos seriam a pátria maior dos nascidos nas Américas.
O
boné Maga (Make America Greater Again), já usado, numa manifestação
anterior na avenida Paulista pelo governador Tarcísio de São Paulo, favoreceu
essa confusão pois coloca América no lugar dos EUA. Muitas escolas tinham e
talvez ainda tenham entre seus cantos patrióticos a composição cívico-religiosa
do norte-americano Irving Berlin, Deus Salve a América, na qual o uso do
singular favorece a América do Norte. Porém, um aspecto dessa questão não foi
devidamente tratado e merece um destaque especial.
Essa
bandeira "gringa", maior que as bandeiras brasileiras na avenida
Paulista, não saiu do nada. Ela foi copiada, recortada e impressa sobre o
tecido num trabalho de precisão e grande paciência, cuja duração se estendeu,
pelo menos, por dois séculos. Porque o trabalho de colonização mais efetivo,
que não provoca reações ao contrário de uma invasão militar, é feito pela
religião.
Foi
assim logo depois da descoberta do Brasil, onde diante dos indígenas curiosos,
se rezou a primeira missa. Depois veio a catequização, enquanto os
colonizadores limpavam o terreno, os padres iam substituindo os deuses
indígenas, na maioria representações da natureza, pelos santos cristãos. E deu
certo.
Ora,
na segunda metade do século XIX, outros cristãos divergentes dos católicos
começaram a desembarcar no Brasil. Eram os missionários norte americanos, os
ponta de lanças do país amigo com o objetivo de ir implantando uma outra
cultura religiosa no Brasil, já que existia uma leitura diferente da Bíblia
pelos protestantes vindos da Reforma.
Os
missionários deram sua vida na pregação do Evangelho, nunca teriam imaginado
que seus ideais seriam utilizados mais tarde com objetivos políticos e
econômicos. No Brasil, os primeiros foram Robert Kalley, escocês, e Ashbel
Green Simonton, estadunidense da Pensilvânia. Suas áreas foram Rio, São Paulo e
Rio de Janeiro.
O
crescimento desse protestantismo no formato europeu era lento. Haveria um
melhor acolhimento no Brasil, com a criação das chamadas Assembleias de Deus,
em 1911, em Belém do Pará, e em 1918, em Manaus.
Mas,
o crescimento dos evangélicos só se tornou realmente visível depois do Golpe de
1964. O clima se tornou favorável com a oposição dos Papas Bento XVI e João
Paulo II à Teologia da Libertação, tirando os católicos do combate por reformas
sociais, e da ausência da esquerda nas periferias e favelas, por perseguição
dos militares.
Pregando
um evangelho conservador e fundamentalista, sem combate social, mas fé e
submissão ou crença no empreendedorismo com a Teologia da Prosperidade e mais
recentemente com a Teologia do Domínio, ou a propagação da fé pelo domínio
político, os evangélicos se tornaram a base do bolsonarismo, enquanto são a
base do trumpismo nos Estados Unidos. E os Estados Unidos, considerado o melhor
país do mundo, são para a maioria dos evangélicos uma espécie de antevisão do
céu.
O apoio no Brasil dos evangélicos a Bolsonaro criou a fusão da extrema direita com a religião popular, que nega a tentativa de golpe de Estado, prega a anistia aos golpistas, apoia Eduardo Bolsonaro, Trump no tarifaço e aplaude uma bandeira gigante dos EUA aberta na manifestação bolsonarista pela anistia, justamente no Dia da Independência do Brasil! Rui Martins - Suíça
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Rui Martins é
jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador
do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas,
que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos
emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro Sujo da
Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto
Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Vive na Suíça,
correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.
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