Maria Madeira é a primeira artista de Timor-Leste a representar o país na Bienal de Veneza e a Itália leva uma instalação sobre a luta da mulher timorense na ocupação Indonésia, durante a qual "usaram o corpo"
Para
Maria Madeira, o convite para estar na Bienal de Veneza, que se realiza em
abril, apoiado pelo Governo timorense, foi um "orgulho" e uma
"honra", mas tem também outro significado.
"Para
mim, um timorense estar na bienal demonstra que Timor-Leste já está pronto para
estar no mundo internacional da arte e cultura. É um passo para a Maria, mas um
'big leap' [grande salto] para a arte e cultura de Timor-Leste",
afirmou à Lusa a artista timorense.
Para
Maria Madeira, o que falta em Timor-Leste não é talento, mas "pontos de
referência", o conhecimento da arte no mundo, e a presença na bienal vai
"abrir as portas para a futura geração de artistas timorenses".
A
instalação que vai apresentar em Veneza conta a história das mulheres
timorenses e da sua luta durante a ocupação indonésia, através dos símbolos,
métodos e materiais da cultura timorense.
"Na
bienal vou fazer uma instalação que fala do que aconteceu às mulheres
timorenses durante a ocupação indonésia, as atrocidades, os abusos, a luta da
mulher timorense. Os homens timorenses, os guerrilheiros, usaram as armas para
lutar, a mulher usou o corpo e vou mostrar isso na bienal", explicou.
Defensora
dos direitos das mulheres, a artista considerou que em Timor-Leste o papel da
mulher, tradicionalmente associado ao trabalho doméstico, está a mudar.
"Temos
muita força, às vezes somos o motor atrás da família e muitos não reconhecem. A
situação está a mudar, porque a nova geração está a dar mais atenção às
raparigas, porque estão a notar que as mulheres estão mais envolvidas com a
arte, que é uma coisa pública", explicou.
"Muitos
rapazes estão a ver mulheres timorenses a cantar, a pintar, a jogar futebol, no
parlamento, e isso é uma coisa positiva", salientou a artista timorense.
Maria
Madeira falava na Fundação Oriente onde está patente a sua última exposição
"Conversa Floreada", que representa também as mulheres.
"Queria
falar da conversa floreada. A mulher timorense é considerada a flor e o
timorense gosta muito de conversa floreada. Faz uma pergunta em três segundos,
mas faz um discurso de 10 minutos antes de fazer a pergunta", explicou a
artista, salientando, com humor, que aquela conversa tem aumentado à medida que
os timorenses conhecem o mundo.
Mas,
a conversa floreada fala também da mulher e da ligação entre mães e filhas,
irmãs e amigas.
"Mostra
que as mulheres falam mais entre elas e aprendem muito mais juntas",
porque "com os homens há sempre uma barreira que indica uma maneira de
falar, de sentar, de estar em público", disse.
"Com
raparigas há um baile, a nossa conversa floreada, floresce", sublinhou
Maria Madeira.
A
artista vê o futuro da arte de Timor-Leste como positivo, mas defende que é
preciso meios para desenvolver e progredir o trabalho dos artistas e uma escola
de artes.
"Quando
se pensa na arte timorense pensa-se no tradicional, na dança, no artesanato,
ninguém pensa na nossa linguagem contemporânea. Eu gosto muito de arte, gosto
da minha cultura e de tudo o que é tradicional, mas estou no mundo
contemporâneo e tenho de comunicar o que vejo e sinto agora", afirmou
Maria Madeira e por isso usa o tradicional para comunicar com o mundo.
"Com
a bienal, com mais exposições, e espero que venham mais artistas internacionais
fazer exposições em Timor, as portas estão a abrir pouco, a pouco, a luz está
entrar, está tudo mais visível e penso que depois da bienal vai haver um 'boom'
para a arte em Timor-Leste", concluiu.
Maria
Madeira foi retirada de Díli juntamente com a sua família pela Força Aérea
portuguesa em 1976, durante a ocupação indonésia, e viveu durante quase oito
anos num campo de refugiados da Cruz Vermelha nos subúrbios de Lisboa.
Em
1983, a família emigrou para a Austrália, país onde Maria Madeira vive e
estudou artes, ciência política e tirou o doutoramento em filosofia da arte.
A
artista já expôs na Austrália, Portugal, Brasil, Macau, Indonésia e
Timor-Leste. In “Notícias ao Minuto” – Portugal com “Lusa”
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