Ensaios
mostram como a expedição de Fernão de Magalhães/Juan Sebastián Elcano foi o
ponto de partida para o atual processo de globalização
I
O Rio de Janeiro foi o primeiro porto visitado nas Américas pela expedição empreendida pelo navegador português Fernão de Magalhães (1480-1521) e pelo espanhol Juan Sebastián Elcano (1476-1526) em 1519-1522, que entraria para a história como a primeira viagem de circum-navegação mundial. Para celebrar esse acontecimento de cinco séculos que trouxe uma nova visão do mundo e comprovou que a Terra é redonda, foi realizado o Seminário Internacional do 5º Centenário da Primeira Volta ao Mundo, nos dias 12 e 13 de dezembro de 2019, no auditório do Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro, com palestras de historiadores do Brasil, Espanha, Portugal, Argentina, Chile, Peru e Uruguai e o apoio do Instituto Camões, de Lisboa, e do Instituto Cervantes, de Madrid, e dos consulados desses países.
O
excepcional resultado está num livro de mais de 500 páginas, organizado pelo
professor doutor Paulo Roberto Pereira, diretor científico do seminário, e que
reúne as 14 conferências ministradas naquela ocasião. Trata-se de obra
imperdível para quem quiser conhecer a magnitude do impacto econômico, político
e cultural da expansão europeia que resultou no planeta que temos hoje, pois
traz reflexões que estabelecem pontes entre o passado e o presente, revisitando
a história sob uma perspectiva contemporânea, a partir daquela iniciativa que,
a rigor, constituiu o ponto de partida para o atual processo de globalização.
A
expedição espanhola, comandada por Fernão de Magalhães, composta por cinco
navios e mais de 200 homens, saiu de Sevilha em agosto de 1519 e foi além da
costa do Atlântico Sul, que já havia sido percorrida acidentalmente por Pedro
Álvares Cabral (1467-1520) e, depois, por Gonçalo Coelho (1451-1512) e Américo
Vespúcio (1454-1512) até o Rio de Janeiro. A este local, conhecido na
cartografia da época como Rio de Janeiro ou Baía da Guanabara, nomes dados nas
duas viagens feitas à região por Américo Vespúcio para fundar a feitoria do Rio
de Janeiro/Cabo Frio, o navegador Fernão de Magalhães preferiu chamar de Baía
de Santa Lúcia por chegar no dia da santa católica.
Aqui
a expedição chegou a 13 de dezembro de 1519 e permaneceu treze dias para seguir
adiante, valendo-se da informação de que, em 1515, uma armada comandada pelo
espanhol Juan Díaz de Solís (1470-1516) já chegara ao Rio da Prata, o limite
até então conhecido. Seus comandantes tinham a quase certeza de que, seguindo
adiante, haveriam de encontrar uma passagem para a Ásia, com possibilidade de
se chegar à Índia e à China.
Com
a morte de Magalhães nas Filipinas, coube a Elcano fazer a viagem de volta por
meio do caminho marítimo do Cabo da Boa Esperança, concluindo o trajeto que
confirmava que a Terra era redonda com a chegada a Sevilha, a 6 de setembro de
1522, acompanhado por apenas 18 argonautas.
II
Entre
as conferências ministradas naquele seminário, uma que se destaca por sua
abrangência é aquela feita pelo professor doutor Arno Wehling, da Academia
Brasileira de Letras (ABL) e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
(IHGB), que discute os desafios jurídicos da expedição de Fernão de Magalhães.
E mostra que as divergências entre Espanha e Portugal quanto à soberania no
mundo que se “descobria” seriam solucionadas de forma extrajurídica, depois da
expedição, em 1529, em Saragoça, encontrando-se uma solução política: mediante
uma indenização de 350 mil ducados, o rei de Portugal adquiriu do rei Carlos V
os eventuais direitos da Coroa espanhola à região das ilhas Molucas, um
arquipélago que hoje faz parte da Indonésia.
Na
impossibilidade por questão de espaço de se resumir aqui cada uma das
conferências, deve-se lembrar, entre outras, a conferência ministrada pelo
professor doutor Antônio Filipe Pimentel, da Universidade de Coimbra, que
destaca as transformações sofridas pela Lisboa quinhentista à época da
juventude de Fernão de Magalhães, sob o reinado de D. Manuel I (1469-1521),
especialmente com a abertura da Rua Nova dos Mercadores.
Já
o professor doutor José Manuel Garcia, da Academia Portuguesa de História, autor
de recente biografia de Fernão de Magalhaes, em seu texto, ressalta a
trajetória do descobridor do estreito que separa o oceano Atlântico do Pacífico
e que hoje leva o seu nome. O estudo demonstra a cuidadosa preparação da
viagem, com a encomenda de mapas a cartógrafos portugueses, o que permitiria ao
navegador encontrar o estreito que o levaria às ilhas Molucas.
Outra
conferência que se destaca por sua profundidade e pesquisa é aquela em que a
professora argentina María Luz González Mezquita, da Universidade Nacional de
Mar del Plata, faz referência a Antonio Pigafetta (1492-1531), marinheiro,
geógrafo e escritor vêneto, que fez parte da expedição e foi um dos 18 que
retornaram com Elcano a Espanha. Pertencente a uma família abastada e versado
em astronomia, geografia e cartografia, Pigafetta fez um alentado relato da
viagem em que se sobressai uma descrição dos patagões.
Nesse
relato, descreve o contato com um homem de estatura gigantesca, que estava numa
praia quase nu e cantava e dançava ao mesmo tempo. “Este homem era tão grande
que nossa cabeça chegava apenas a sua cintura”, conta Pigafetta, que inicialmente
teve de negociar sua participação na expedição como passageiro pagante, mas que
depois ganhou a confiança de Magalhães e serviu como intérprete, cartógrafo e
escrivão.
III
Já
a professora doutora Margarita Suárez, da Pontifícia Universidade Católica do
Peru, observa, em seu estudo, que a circum-navegação de Magalhães-Elcano foi
crucial para o entendimento do mundo, com a constatação de fenômenos naturais e
sociais próprios da América e dos novos mundos que se iam encontrando, mas não
deixa de ressaltar que o acontecimento também esteve ligado intimamente à
fantasia e fábulas.
Por
sua vez, o professor doutor Salvador Bernabéu Albert, da Escola de Estudos
Hispano-Americanos, da Espanha, estuda os principais acontecimentos da
travessia, revendo temas como a fome generalizada ocorrida durante a viagem e
as doenças que atingiram os marinheiros, bem como a permanência dos navegadores
nas ilhas Marianas, no Pacífico, que ficam próximas das Filipinas e do Japão, além
de abordar os objetivos de Magalhães para além das ilhas Molucas, sem deixar de
destacar o espírito impetuoso do grande navegador que não hesitou em mandar
matar selvagens e queimar suas casas, depois de um roubo de um esquife num dos
navios da expedição.
Do
livro, ainda constam conferências dos professores doutores Rafael Sagredo
Baeza, do Chile, Guilherme Giucci, do Uruguai, María Saavedra Inajara, Carlos
Martínez Shaw e María Dolores Higueras Rodríguez, da Espanha, do capitão de
navio José María Blanco Nuñez, da Espanha, do capitão de fragata Jorge Semedo
de Matos, de Portugal, e do almirante de esquadra Marcos Augusto Leal de
Azevedo, do Brasil.
Por
fim, o leitor ainda encontrará um balanço final do seminário em que o professor
doutor Paulo Roberto Pereira comenta cada uma das conferências, confirmando “a
diversidade de visões sobre esse acontecimento capital da história da
humanidade”.
IV
Paulo
Roberto Pereira é historiador, ensaísta, autor de livros e artigos sobre o
Brasil colonial. É doutor pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professor
na Universidade Federal Fluminense (UFF), sócio honorário do IHGB, membro titular
do PEN Clube do Brasil, da Academia Carioca de Letras, e correspondente da
Academia de Letras da Bahia. Fez parte da Comissão Nacional para as
Comemorações do V Centenário do Descobrimento do Brasil (1996/1999). Foi ainda
curador, na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, das exposições “IV Centenário José de Anchieta” (l997) e “500 Anos
de Brasil na Biblioteca Nacional” (2000) e da “Carta de Caminha” na “Mostra do
Redescobrimento” da Fundação Bienal de São Paulo (2000).
Detentor
da Medalha do Centenário de Machado de Assis (2008) e da Medalha do Centenário
de Euclides da Cunha (2009), da Academia Brasileira de Letras, foi agraciado
com a Medalha de Honra Presidente Juscelino Kubitschek (2010) e com a Medalha
da Inconfidência (2011), concedidas pelo governo do Estado de Minas Gerais. Recebeu
a Medalha Amigo da Marinha (2020), concedida pela Marinha do Brasil. Representou o Brasil no Congreso Internacional V Centenario de la Primera Vuelta al Mundo, em
Valladolid, em 19-22 de março de 2018.
Publicou,
entre outros ensaios, "O judeu espanhol Mestre João e a descoberta da
Constelação do Cruzeiro do Sul". In: Sodalivm
mvnera. Madrid, 2011; "José de Anchieta: o canibal e o jesuíta em
Iperuí". In: Revista Anchiétea. La Laguna, Canárias, 2014; “O
índio brasileiro: o bom selvagem e o canibal”. In: Colóquio/Letras 189. Lisboa, 2015; “O barroco na colônia: Gregório
de Matos e a sátira tropical”. In: Revista da ALB. Salvador, 2019; “Brasil
en la ruta de la Primera Vuelta al Mundo: La estancia de la flota de Magallanes
en Río de Janeiro”. In: Congreso
Internacional de Historia. Madrid, 2019.
Publicou,
entre outros livros, Os três únicos
testemunhos do descobrimento do Brasil, 1999; Brasiliana da Biblioteca Nacional – Guia das fontes sobre o Brasil,
2001; As comédias de Antônio José, O
Judeu, 2007; Obra completa de
Euclides da Cunha, edição do centenário, 2009; Cartas chilenas, de
Tomás Antônio Gonzaga, 2013; 450 anos da
cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, 2015; e Obra completa de Manuel da Nóbrega, edição do 5º centenário, 2017. Adelto
Gonçalves - Brasil
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5º Centenário da Primeira Volta ao Mundo – A Estadia da Frota no Rio de Janeiro (Anais do seminário realizado no Rio de Janeiro de 12 a 13 de dezembro de 2019), de Paulo Roberto Pereira (organização). Rio de Janeiro: Editora SDM/Serviço de Documentação da Marinha, 520 págs., R$ 50,00, 2021. Sítio: www.marinha.mil.br/dphdm E-mail do organizador: paulorobertopereira08@gmail.com O livro pode ser baixado também pela ligação:
https://www.marinha.mil.br/dphdm/sites/www.marinha.mil.br.dphdm/files/livro-5-centenario-volta-ao-mundo-25ago21.pdf
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Adelto Gonçalves, jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e
Hispano-americana e doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP), é autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira,
1999), Barcelona Brasileira (Lisboa,
Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Fernando Pessoa: a
Voz de Deus (Santos, Editora da Unisanta, 1997); Bocage – o Perfil
Perdido (Lisboa, Caminho,
2003, São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia
Brasileira de Letras, 2012), Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São
Paulo Colonial (Imesp, 2015), Os Vira-latas
da Madrugada (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981;
Taubaté-SP, Letra Selvagem, 2015), O Reino, a Colônia e o Poder: o governo
Lorena na capitania de São Paulo – 1788-1797 (Imesp, 2019), entre outros.
E-mail: marilizadelto@uol.com.br
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