Investigadores provaram que os açúcares à superfície dos linfócitos T regulam o sistema imune e determinam, logo na infância, a sua capacidade para combater certas patologias
Uma
equipa de investigação liderada por Salomé Pinho, do Instituto de Investigação
e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S), publicou um estudo pioneiro
na conceituada revista Cellular & Molecular Immunology
que prova que os açúcares complexos (glicanos) que cobrem a superfície dos
linfócitos T (células imunes que se formam e desenvolvem no timo), são
fundamentais para garantir um bom funcionamento do sistema imunitário. Os
cientistas descobriram também que a composição destes açúcares à superfície dos
linfócitos T determina, logo na infância, uma maior ou menor suscetibilidade
para doenças inflamatórias crónicas e autoimunes.
Este
estudo, que foi posteriormente revisto e discutido pelos investigadores Manuel
Vicente, Eduarda Leite-Gomes e Salomé Pinho na revista científica Trends in Immunology, merecendo
inclusivamente honras de capa da publicação, abre portas para a “identificação
de novos mecanismos de regulação do sistema imunitário que poderão ser
traduzidos em novos alvos para criar estratégias terapêuticas inovadoras para
patologias que evoluem por incapacidade do sistema imunitário em combatê-las”.
Por exemplo, avança Salomé Pinho, “se conseguirmos glico-reprogramar as células
T, podemos regular a resposta imune”.
O
sistema imunitário é formado desde muito cedo, de forma a conseguir combater
agentes patogénicos externos desde o nascimento. Um dos principais tipos de
células imunes, as células T (ou os linfócitos T), são criadas e desenvolvidas
num órgão que apenas existe na vida juvenil, o timo. Estes linfócitos T, tal
como tantas outras células imunes do nosso organismo, possuem açúcares
complexos (glicanos) na sua superfície celular e são estes açúcares que regulam
a função e a atividade dos linfócitos T em contextos de doença, nomeadamente em
infeção, autoimunidade e cancro.
A
pergunta que se seguiu, explica Manuel Vicente, primeiro autor dos dois artigos
e da capa da revista Trends in Immunology, foi: «Qual será a ação destes
glicanos na formação e desenvolvimento das células do sistema imunitário,
nomeadamente as células T durante o seu desenvolvimento no timo? Terão estes
açúcares um papel regulador no início da “vida” destas células, na sua
capacidade de influenciar as suas respostas, atividade e função pró ou
anti-inflamatória?».
Os
investigadores começaram por concluir que “à medida que as células T
progenitoras se desenvolvem no timo, a composição destes açúcares à superfície
vai sofrendo alterações, desde estadios mais prematuros até estadios
maduros/diferenciados, e isso acontece tanto em humanos como em modelos animais
de ratinhos”, explica Salomé Pinho, líder do grupo “Immunology, Cancer &
GlycoMedicine” e professora afiliada da Faculdade de Medicina (FMUP) e do
Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) da U.Porto.
“Quando
removemos geneticamente (usando modelos de ratinhos de laboratório) estas
modificações de açúcar, verificámos que as células T progenitoras não
conseguiam desenvolver-se corretamente, existindo uma deficiência significativa
na formação e seleção desses linfócitos T maduros, algo que foi associado a
maior suscetibilidade destes ratinhos a infeção e desenvolvimento de doenças
autoimunes”, acrescenta Manuel Vicente, que desenvolveu este trabalho no âmbito
do programa doutoral GABBA.
De
facto, adianta Salomé Pinho, “existem algumas doenças congénitas em que se
verifica ausência de produção destes glicanos. Estes doentes apresentam muitas
falências nas suas respostas imunitárias e o nosso estudo demonstra uma das
principais razões para esta incompetência da resposta imunitária”.
Para
além disso, sublinha a investigadora, “a suscetibilidade aumentada a infeções e
doenças autoimunes que observamos nos modelos animais de ratinhos que não
tinham os glicanos complexos à superfície das células T, sugere que alterações
na composição destes açúcares possam estar na base de imunodeficiências ou
suscetibilidade para doenças autoimunes ou cancro”.
Trabalho faz capa de revista
Dada
a relevância deste trabalho na área da Imunologia, que contou com colaborações
nacionais (Instituto de Medicina Molecular, em Lisboa) e internacionais
(Alemanha e Argentina), os investigadores do i3S foram convidados a escrever um
artigo de opinião sobre o papel essencial destes açúcares complexos (glicanos)
e das suas dinâmicas na imunidade, concretamente no desenvolvimento e maturação
dos linfócitos T, mas também das células B, células imunes responsáveis pela
produção de anticorpos e que se desenvolvem na medula óssea, dois tipos
celulares essenciais na imunidade .
Mostrando
que ciência e arte podem estar de mãos dadas, Manuel Vicente criou e fotografou
a representação da importância biológica dos glicanos na imunidade. A
fotografia acabaria por ser selecionada para capa da revista.
“Recorri
a quatro tipos de açúcar que tinha em casa – açúcar convencional refinado, em
pó, amarelo, e mascavado – para ilustrar os diferentes estadios do
desenvolvimento das células T e B. As formas como os açúcares aparecem
dispostos estão relacionadas com o perfil destas células quando analisadas por
citometria de fluxo, uma técnica amplamente usada na imunologia”, desvenda o
investigador. Universidade do Porto - Portugal
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