Nestes
dias de guerra, quando Israel bombardeia Gaza e causa milhares de mortes de
civis, em represália aos atentados cometidos, faz um mês, pela organização
terrorista Hamas, provocando manifestações internacionais, certas palavras
destacam-se na imprensa mundial como sionismo, antissemitismo e islamofobia.
Vamos tratar do sionismo.
Pouca
gente se lembra de que a ONU, mesmo tendo sido criadora do Estado de Israel
(que já deveria conviver com um Estado palestino vizinho), condenou o sionismo,
a ideologia e o movimento que uniu os judeus pela criação de Israel.
Ora,
isso ocorreu no dia 10 de novembro de 1975, na Assembleia Geral das Nações
Unidas em Nova Iorque. O Brasil estava sob a ditadura militar, o presidente era
Ernesto Geisel, luterano e filho de imigrantes alemães, e votou pela condenação
do sionismo, indiretamente contra Israel, junto com Cuba, China, URSS e outros
69 países, se desmarcando do voto dos Estados Unidos.
Os
militares olhavam os judeus com desconfiança, pois muitos deles condenavam ou
lutavam contra a ditadura. Durante outra ditadura, a de Vargas, o líder
comunista Luís Carlos Prestes esteve preso durante nove anos e sua esposa, Olga
Prestes, alemã e judia, também foi presa, grávida, em 1936, deportada para a
Alemanha nazista, ficou nos campos de trabalho forçado para judeus e morreu aos
34 anos numa câmara de gás.
A
jornalista Marina Lemle, do blog HCS-Manguinhos, publicou, em maio de 2014, uma
importante reportagem sobre um seminário realizado no Instituto de História da
UFRJ, “Judeus, militância e resistência à ditadura militar”. O título da
reportagem é bastante revelador: “Judeus que resistiram à ditadura eram
secularizados”.
Participaram
alguns nomes importantes da esquerda judaica, como Bernardo Sorj, Bila Sorj,
Jeffrey Lesser, Marcos Chor Maio, Roney Cytrynowicz, Roberto Grun e Alberto
Dines.
“Dines
contou que a comunidade judaica era claramente dividida entre os “roite idn”
(judeu vermelho, em ídish) e os não “roite”. Segundo ele, a vida judaica de
esquerda no Brasil era muito intensa e corria separada da vertente sionista”.
Dines
contou também terem desaparecido durante a ditadura militar os judeus Ana Rosa
Kucinski Silva, Mauricio e André Grabois (pai e filho), Chael Schreier, Gelson
Reicher, Pauline Philipe Reischtuhl, Vladimir Herzog e Yara Iavelberg.
Provavelmente,
estes judeus seculares também teriam concordado com a definição de sionismo,
dada pela ONU, Resolução 3379, que considerou o sionismo como forma de racismo
e discriminação racial.
A
aprovação da Resolução 3379 teria sido também uma condenação da decisão
israelense de permanecer nos territórios ocupados na Guerra dos Seis Dias, como
resultado da ascensão política do terceiro-mundismo e da legitimidade da causa
palestina.
Nessa
época, há 48 anos, os evangélicos – que se identificam com a história bíblica
do povo judeu, são de extrema direita e apoiam Netanyahu e Israel contra os
palestinos – não possuíam a mesma força religiosa de hoje para influir no voto
do Brasil.
Em
1991, com o fim da guerra fria, a maioria dos países não árabes mudou o voto e
anulou a Resolução 3379, votando a Resolução 4686, cujo texto é o mais sucinto
da história da ONU. Só diz o seguinte: a Assembleia Geral decide revogar a
determinação contida na resolução 3379 de 10 de novembro de 1975. Rui
Martins – Suíça
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Rui Martins é
jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a
ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes,
Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira
nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu
Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro
sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi
colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de
Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut
Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça,
correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.
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