A integração da Região Administrativa Especial de Macau na Grande Baía proporciona a Portugal, e aos países de língua portuguesa, a possibilidade de interação direta com esse espaço. Para tal, o papel do Fórum de Macau é fundamental
Macau
foi dos territórios no mundo que mais sentiu o impacto da Covid-19, não pela
quantidade de infeções que foram detetadas, mas pelas transformações rápidas
pelas quais esta Região Administrativa Especial teve de passar.
Sendo
um dos espaços do mundo mais cosmopolitas em termos de nacionalidades em
presença, resultante de uma história de convergências de culturas, o pequeno
território viu-se fechado ao mundo, voltando a uma exiguidade territorial
desconhecida nos últimos cinco séculos. Foram anos difíceis para uma população
habituada à convivência com outras comunidades, numa economia muito exposta às
atividades turísticas e de lazer.
Hoje,
os casinos voltam a ganhar a cor de outros tempos, vê-se voltar a construção de
novos edifícios e pode-se finalmente usufruir da construção das novas
infraestruturas que são fundamentais para a interconectividade na região do
Delta do Rio das Pérolas.
Contudo,
e olhando para os turistas atuais e para os frequentadores dos espaços de
diversão, nota-se uma mudança, nomeadamente, pelo número reduzido de população
não etnicamente chinesa nas vagas de turistas que visitam o território. Talvez
ainda seja um resquício dos tempos da Covid-19 que agora se tem a oportunidade
de ultrapassar.
Macau na Grande Baía
Macau
é parte de um dos maiores e mais inovadores projetos atuais da República
Popular da China, que visa a integração regional de uma área num regime de
complementaridade. Às zonas tecnológicas deverão associar-se a
complementaridade financeira e cultural, propícias à integração de Macau e Hong
Kong nesta área. Sendo a área de maior crescimento e desenvolvimento económico
da China no momento, é essencial colocarmos a nossa atenção nas próximas etapas
da mesma.
A
integração da Região Administrativa Especial de Macau na Grande Baía
proporciona a Portugal, e aos países de língua portuguesa, a possibilidade de
interação direta com esse espaço. Para tal, o papel do Fórum de Macau é
fundamental. Um maior acompanhamento desta instituição pelos países de língua
portuguesa e pela sociedade civil, nomeadamente, através de associações
empresariais e câmaras de comércio, poderá garantir o acesso a uma região com
um enorme potencial, embora restrita em termos de território chinês.
De
facto, a região da Grande Baía foi aquela com que os portugueses mais contacto
tiveram e com a qual, ao longo dos séculos, mantiveram mais relações económicas
(comerciais) e políticas. Tendo em Macau uma porta de entrada para a construção
deste novo espaço significa fomentar novas oportunidades de relação económica
com um espaço promissor em termos de crescimento e desenvolvimento, mantendo,
em simultâneo, o papel histórico de Macau e a harmonização das relações entre
os interesses económicos portugueses e chineses.
Esse
novo papel para Macau representa um dos reencontros possíveis com a sua
tradição, que vai bastante para além daquilo em que Macau se tornou neste
momento, um grande parque de entretenimento, o que se tem vindo a
consubstanciar, sobretudo, através da indústria do jogo, ancorada num amplo
complexo de casinos.
Apesar
da sua vocação turística, esta região administrativa especial pode desempenhar
papéis que vão para além dessa sua natural atratividade, resultante do
património histórico e cultural que advém do encontro de culturas orientais e
ocidentais, em particular a chinesa e a portuguesa, e que se quer alargada,
i.e., envolvendo todos os países que formam parte da história de Portugal e que
hoje são nações independentes.
Nesse
sentido, Macau pode recuperar um papel que, embora esteja consagrado nos
discursos oficiais, foi sendo perdido na prática política, mas também no
espectro económico que agora se abre com maior veemência.
Macau, uma região especial
Mais
do que uma Região Administrativa Especial, nomenclatura oficial para Macau,
este território encontra a sua especificidade na longa relação entre Portugal e
a China. Caraterizado por situações de compromisso, baseadas numa concessão a
Portugal por parte da China, para Macau convergiram, sobretudo até meados do
século XIX, todos os ocidentais que queriam encetar relações. O cemitério
protestante de Macau representa bem esse cosmopolitismo, resultante da
convergência de ocidentais de várias nacionalidades com os chineses do
território e indivíduos de outras nacionalidades asiáticas que por ali
passavam. Macau é, por isso, um elemento fundamental na ligação da China ao
Ocidente por via pacífica e comercial.
Ao
longo de mais de cinco séculos de história comum, convergiram para Macau muitos
elementos da cultura lusófona, resultantes de um então Império Colonial, em que
circulavam indivíduos de origem diversa. Entre estes encontramos figuras mais
ou menos famosas, mas lembremos sempre que o diretor do primeiro jornal da
Ásia, o “Abelha da China”, editado em 1822, era dirigido por um
luso-brasileiro, representante da administração portuguesa de Macau e
coadjuvado pelo clero e comerciantes locais.
Também
o encontro entre a lusofonia e a China se espelha no jornal “Echo Macaense”,
que promoveu o encontro entre chineses e portugueses, debaixo de um chapéu
macaense. O diretor deste periódico, Francisco Hermenegildo, enquadra o perfil
desse encontro na sua vivência enquanto macaense, profundamente envolvido na
gestão do território e na harmonização entre as vontades chinesa e portuguesa.
O
“Echo”, promovendo as aspirações republicanas, é um jornal de convergência, um
dos expoentes máximos de uma tentativa de gerar uma ideia comum entre as
comunidades em presença para a administração deste território.
Toda
esta herança espelha-se objetivamente em aspetos materiais como a calçada
portuguesa ou as ruínas de S. Paulo, mas também nas casas dos comerciantes
chineses de Macau que têm agora sido reabilitadas. Este testemunho material
histórico resulta de uma outra parte, menos visível, que são as relações
económicas e políticas de respeito mútuo e procura de soluções para os desafios
que se foram colocando ao longo destes séculos de história.
Assim
sendo, o seu papel não é de um museu vivo, mas de um território cujo papel pode
ser determinante na reconstrução desse cosmopolitismo que passou pela relação
com Portugal e com os outros territórios lusófonos, agora países independentes.
O legado de Macau é este encontro pacífico entre Ocidente e Oriente,
simbolizado na possibilidade de contemporização de dois poderes no mesmo
território.
O reencontro
Nesta
fase pós-pandémica, em que a resiliência de países e populações foi desafiada,
Macau poderá desempenhar novamente um papel de convergência entre Oriente e
Ocidente. Para tal, basta voltar à sua tradição, acomodando comunidades de
diferentes origens e promovendo entendimentos em torno de projetos como o da
Grande Baía.
Só nesta perspetiva de reencontro, Macau poderá cumprir a sua missão histórica de conexão entre povos, abrangendo não só os países de língua portuguesa, mas também outros mercados e culturas promissores para Portugal, como a América Latina. Cátia Costa – Portugal in “Jornal Económico”
Cátia Miriam Costa, Centro de Estudos internacionais – ISCTE-IUL, Diretora
da Cátedra Ibero-América Global (EIIS)
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