O poeta e ensaísta brasileiro Silviano Santiago reivindicou uma língua portuguesa multiétnica e previu "choques sísmicos duradouros" na literatura, ao receber o Prémio Camões numa cerimónia no Rio de Janeiro
“Chegou
a hora de liberar a literatura brasileira para as águas amazónicas, as águas
atlânticas africanas e todas as correntes da diáspora”, declarou o vencedor do
mais importante prémio literário de língua portuguesa.
O
autor escolhido como vencedor do prémio em 2022 referiu-se em termos
metafóricos à história violenta do Brasil e afirmou que “navios multiétnicos
não atracavam em Porto Seguro”, local onde os portugueses pisaram em terra
brasileira pela primeira vez em 1500.
“As
tripulações amazónicas, atlânticas e mediterrânicas só receberam autorização
para transitar como cidadãos sob os cuidados de etnógrafos nacionais e
estrangeiros ou sob a bandeira menor e suplementar do património folclórico”,
disse o escritor.
Agora,
porém, Santiago afirmou que os navios da língua viajam “livremente pelas águas
democráticas” que se abriram após a pandemia e a derrota do ex-presidente
brasileiro de extrema-direita Jair Bolsonaro, cujo nome não mencionou, mas
sobrevoou a cerimónia.
Na
mesma linha de Santiago, a ministra brasileira da Cultura, Margareth Menezes,
apoiou uma visão diversificada e multicultural da língua e destacou a
importância de premiar escritores africanos, como a moçambicana Paulina
Chiziane, vencedora do prémio em 2021.
Santiago,
que é ensaísta, romancista e contista, nasceu em 1936, em Formiga, Minas
Gerais, Brasil.
Doutorado
em Letras Francesas pela Universidade de Sorbonne, de Paris, em 1968, com uma
tese sobre "Os Moedeiros Falsos", de André Gide, é identificado
igualmente, na biografia divulgada pelo Prémio Camões, como bacharel em Letras
Neolatinas pela Universidade Federal de Minas Gerais (1959), com especialização
em Literatura Francesa, e bolseiro do Centre d`Études Supérieures de Français,
no Rio de Janeiro, entre 1960 e 1961.
A
cerimónia de entrega também foi palco de declarações a favor da cooperação
cultural entre Brasil e Portugal que passaram por momentos baixos durante o
mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022).
“Estas
celebrações são uma forma de assinalar simbolicamente o regresso do Brasil a
uma fraternidade comprometida com os países de língua portuguesa”, afirmou o
ministro português da Cultura, Pedro Adão e Silva, numa mensagem gravada.
Silviano
Santiago recebeu, entre outros prémios, o Jabuti em 2017, o Prémio Oceanos em
2015, com o romance "Mil Rosas Roubadas", e o segundo lugar do Prémio
Oceanos, em 2017, com "Machado", sobre Machado de Assis.
Professor
em universidades norte-americanas durante grande parte da carreira, Silviano
Santiago publicou nos Estados Unidos obras como o romance “Stella Manhattan” e
os ensaios sobre letras latino-americanas “The Space In-Between”.
A
par da obra ensaística, predominante no seu percurso, escreveu poesia e ficção,
como os contos reunidos em “Keith Jarrett na Blue Note – Improvisos de Jazz” e
“Mil Rosas Roubadas”, romance com que venceu o Prémio Oceanos de Literatura em
Língua Portuguesa em 2015. “Genealogia da Ferocidade”, análise da obra “Grande
Sertão: Veredas”, de João Guimarães Rosa, está entre os seus mais recentes
títulos.
O
júri da 34.ª edição do Prémio Camões foi constituído pelos professores
universitários portugueses Abel Barros Baptista e Ana Maria Martinho, da
Universidade Nova de Lisboa, a são-tomense Inocência Mata, da Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa, os brasileiros Jorge Alves de Lima, membro da
Academia Paulista de História e da Academia Campinense de Letras, e membro do
Conselho Científico do Centro de Memória da Unicamp, que presidiu o júri, Raúl
Cesar Gouveia Fernandes, do Departamento de Ciências Sociais e Jurídicas do
Centro Universitário FEI, em São Bernardo do Campo, e a moçambicana Teresa
Manjate, docente e investigadora na Universidade Eduardo Mondlane. In “Sapo Mag”
– Portugal com “Lusa”
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