Novo livro do crítico literário reúne
produção dos últimos trinta anos
I
Crítico
e ensaísta que segue as pegadas de autores renomados como Massaud Moisés
(1928-2018) e Wilson Martins (1921-2010), André Seffrin (1965) reuniu em O
demônio da inquietude (Santarém, Portugal, Rosmaninho Editora de Arte,
2023) resenhas, memórias, apresentações de livros, crônicas, pequenos ensaios e
prefácios publicados em três décadas de atividade literária, que inclui não só
textos que saíram à luz em jornais impressos, revistas e sites como a
organização de antologias e obras completas de grandes poetas e pensadores
brasileiros.
Analista
de fina imaginação e estilo em que se sobressai uma “linguagem limpa, clara,
concisa, direta, rica de timbres e tonalidades”, como observou o poeta,
memorialista, historiador, ensaísta e diplomata Alberto da Costa e Silva (1931),
ex-presidente da Academia Brasileira de Letras e ex-embaixador do Brasil em
Portugal, Seffrin oferece ao leitor um panorama da Literatura Brasileira e das
artes visuais dos dois últimos séculos que equivale a um curso de Letras
completo.
Na
primeira seção da obra, o crítico analisa poetas do passado e do presente e
aspectos da atividade poética das duas últimas décadas, abarcando autores fundamentais
como Gregório de Matos Guerra (1636-1696) Manuel Botelho de Oliveira
(1636-1711), Gonçalves Dias (1823-1864), Castro Alves (1847-1871), Carlos
Drummond de Andrade (1902-1987), Jorge de Lima (1893-1953), João Cabral de Melo
Neto (1920-1999), Rachel de Queiroz (1910-2003), Ferreira Gullar (1930-2016) e
tantos outros ícones da literatura em língua portuguesa.
À
guisa de ilustração, basta citar o fecho do prefácio que escreveu para Boitempo:
menino antigo (Rio de Janeiro, Record, 2006), em que observa que neste
livro e nos demais de Drummond “cabem Minas Gerais e o mundo, o arquétipo e o
mito, o poeta com todos os seus instrumentos, sua matéria e sua música”. Ou
ainda o que diz no longo prefácio/ensaio que escreveu para Alberto da Costa
e Silva: melhores poemas (São Paulo, Global, 2007): “Seus textos nos tomam
pela mão e nos conduzem amorosamente pelos temas que propõem. São textos de um
erudito que harmoniza encantação poética e generoso convívio humano, nos quais
confluem o historiador-estilista, na linha de Euclides da Cunha e Gilberto
Freyre, e o puro estilista – como Machado de Assis e Raul Pompeia”. E conclui:
“Alberto da Costa e Silva, um poeta que, “entre muros de cinza, solidão e
cansaço”, prefere se ver como “um cantor da relva mínima e dos bois”, sob o
“mar do instante”. A memória acesa como um círio perfeito, poeta que canta o
que a alma sente”.
II
Como
se constata desde já, as análises de Seffrin, em geral certeiras, partem de
perspectivas históricas bem fundamentadas, que colocam o leitor diante de um
analista que parece que leu e estudou como ninguém, praticamente, todos os
autores da Literatura Brasileira. Em
cada análise que faz, percebe-se não só um envolvimento amoroso do autor com os
temas propostos, como o compromisso de não escrever por escrever, mas de pensar
bem. Enfim, um ensaísta de fina e profunda imaginação.
Mais:
um analista que não se deixa levar apenas pelo que outros críticos já haviam
lido e analisado, mas que se preocupa em resgatar autores importantes que, por
alguma razão insuspeita, ficaram no limbo da História, como o poeta e
romancista cearense José Alcides Pinto (1923-2008), a quem conheceu
pessoalmente. Dono de uma bibliografia com cerca de 50 livros em vários
gêneros, da poesia ao romance, do conto ao teatro, da crítica ao ensaio,
Alcides Pinto não chegou a ser muito conhecido no eixo literário São Paulo-Rio
de Janeiro, embora o seu poema em homenagem a Augusto Frederico Schmidt
(1906-1965) tenha arrancado elogios de um crítico cáustico e exigente como
Wilson Martins.
Neste
extenso poema, que Seffrin considera merecer figurar em nossas antologias mais
importantes, diz Alcides Pinto: “(...) Você, meu caro Schmidt, não é outra
cousa, senão um grande poeta./ Talvez, por isso, Bandeira tenha me emprestado
alguns versos./ Por isso, todo o vocabulário de minha poesia é seu.// Tudo se
quebra dentro de mim, se estilhaça, como uma parede velha larga o seu reboco/
aos golpes do vento, ou ao simples toque de dedos frágeis./Tudo se quebra
dentro de mim, se tento escrever um verso./ Assim choram as pedras, quando o
fogo arde em seu coração.// Matem. Assassinem o milionário, o
capitalista-banqueiro./ E salvem o poeta-cidadão Augusto Frederico Schmidt.
(...).
Outro
poeta que Seffrin resgata neste livro é Mário Pederneiras (1867-1915), astro do
Simbolismo brasileiro, que à época teve a coragem de ir contra a maré do
preciosismo métrico. E a quem Massaud Moises dedicou dez páginas em sua História
da literatura brasileira, ao lado de Cruz e Sousa (1861-1898),
Emiliano Pernetta (1866-1921), Alphonsus de Guimaraens (1870-1921) e Eduardo
Guimaraens (1892-1928), como lembra Seffrin.
III
Na
seção seguinte, Seffrin trata dos prosadores mais importantes da literatura
brasileira, resgatando nomes como Aluísio de Azevedo (1857-1913), José Américo
de Almeida (1887-1980), Samuel Rawet (1929-1984) e Antônio Torres (1885-1934),
o mineiro, para distingui-lo de Antônio Torres (1940), o baiano, ainda em
grande atividade, nome também importante na história literária nacional, que
ganha um texto irrepreensível na seção seguinte em que são recolhidos textos
sobre mais alguns prosadores, como o luso-brasileiro Cunha de Leiradella (1934).
Do Antônio Torres mineiro, avisa ao leitor o quão importante é relê-lo hoje
“como o clássico que é, nesse modo muito seu de encarar a crônica como
instantâneo do cotidiano”.
Nas
demais seções, o leitor irá encontrar textos sobre enciclopedistas e ensaístas,
além de análises sobre a produção de artistas plásticos, como Candido Portinari
(1903-1962), Claudio Tozzi (1944) e Gonçalo Ivo (1958) e o fotógrafo santista
Juan Esteves (1957). Por fim, o prolífico Seffrin resgata dois textos
memorialísticos: no primeiro, recupera suas lembranças pessoais de Fausto Cunha
(1923-2004), jornalista, crítico literário e escritor, a quem define como “um
dos homens que mais honraram o Brasil no século XX”; e de Wilson Martins,
professor, historiador e crítico literário, a quem o autor diz dever muito do
que é hoje, pois foi através de sua História de inteligência brasileira e
de outras dezenas de títulos seus, a que
teve acesso ainda jovem, que descobriu o
prazer de viver entre livros e que, mais tarde, acabou por possibilitá-lo viver
profissionalmente de literatura, coisa rara em terras brasileiras.
IV
André Seffrin nasceu em 1965, em Júlio de Castilhos, pequena cidade do Rio Grande do Sul, onde passou a infância. Durante onze anos viveu no Paraná e em 1987 fixou residência no Rio de Janeiro. Ensaísta, organizador de cerca de 35 antologias e pesquisador independente, escreveu cerca de duas centenas de apresentações, prefácios e posfácios para edições de escritores brasileiros clássicos e contemporâneos.
Autor
de ensaios críticos e biográficos, alguns em edições de arte (Joaquim Tenreiro,
Paulo Osorio Flores, Sérgio Rodrigues), foi também colaborador de jornais e
revistas (Jornal do Brasil, Jornal da Tarde, O Globo, Manchete, Gazeta
Mercantil, EntreLivros etc.) e coordenou coleções de literatura para
diversas editoras. Atuou também como editor-executivo e, eventualmente, crítico
de artes visuais.
Ganhou
o Prêmio Jabuti por duas vezes, em 2017 e 2018, respectivamente pelos livros Caixa
Rubem Braga: crônicas (categoria contos e crônicas) e O poeta e outras crônicas
de literatura e vida (categoria crônica). Ambos os livros são reuniões de
textos variados do cronista Rubem Braga.
Em
2021, publicou como organizador a obra Revolta e protesto na poesia
brasileira: 142 poemas sobre o Brasil (Rio de Janeiro, Editora Nova
Fronteira), na qual procurou traçar um quadro de um país abandonado à própria
sorte, o Brasil desde tempos imemoriais até este começo de século XXI, através
da poesia, reunindo poemas de 78 autores diversos, de Gregório de Matos Guerra
aos nossos dias.
São poetas que procuram traduzir “as vozes de um povo que sempre buscou caminhos para se tornar menos refém dos perpétuos desgovernos em cujas engrenagens nos enredamos desde o mais remoto passado”, como se lê no texto de apresentação da obra. Participou também do livro Rio, da Glória à Piedade (Rosmaninho Editora de Arte, 2023), organizado por Hélio Brasil, com o texto de memórias "Miúda crônica de saudades com véu de alegoria" Adelto Gonçalves - Brasil
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O demônio da inquietude e outros recortes hiperbólicos: ensaio, crítica, jornalismo literário, crônica, memória, de André Seffrin. Santarém-Portugal: Rosmaninho Editora de Arte, 15,75 euros, 2023. Site: www.rosmaninhoeditoradearte.com E-mails: editoraomirante@omirante.pt rosmainhoeditoradearte@gmail.com
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Adelto Gonçalves, jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas
Espanhola e Hispano-americana e doutor em Letras na área de Literatura
Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Fernando Pessoa:
a voz de Deus (Santos, Editora da Unisanta, 1997), Gonzaga, um poeta do
Iluminismo (Rio de Janeiro,
Nova Fronteira, 1999), Barcelona brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; Publisher Brasil, 2002), Bocage
– o perfil perdido (Lisboa,
Editorial Caminho, 2003; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – Imesp,
2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia
Brasileira de Letras, 2012), Direito e Justiça em terras d´el-rei na São
Paulo Colonial (Imesp, 2015), Os
vira-latas da madrugada (José Olympio Editora, 1981; Letra Selvagem, 2015)
e O reino, a colônia e o poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo
1788-1797 (Imesp, 2019), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
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