Eterno viajante e investigador por conta própria da presença portuguesa nos países e regiões do Sudeste Asiático, Joaquim Magalhães de Castro acaba de lançar um novo livro, resultado de crónicas e textos dispersos. “Portugueses no Extremo Oriente – Antes e Depois de Fernão de Magalhães” revela os sinais da presença portuguesa no século XVI nas Filipinas, norte da ilha de Java e no actual Brunei no contexto da viagem de Circum-Navegação do navegador Fernão de Magalhães
Como foi o percurso traçado até à edição desta obra?
Este
livro deveria ter saído em 2021, porque foi nesse ano que se celebraram os 500
anos da [rota de] Circum-Navegação [de Fernão de Magalhães], mas a covid
ofuscou todo este processo. Iria participar num projecto que implicava integrar
a viagem da Circum-Navegação feita pelo navio [português] Sagres, mas a
operação foi abortada. Só agora consegui editar o livro, daí o título ter a
parte “Antes e Depois de Fernão de Magalhães”. Isso tem também a ver com o
facto de a obra revelar aspectos menos conhecidos da presença portuguesa no
Extremo Oriente e o Sudeste Asiático, em zonas como as Filipinas, o Mar de Java
e o Bornéu [actual Brunei].
A obra divide-se, precisamente, em três partes.
Sim.
Primeiramente falo da presença portuguesa nas Filipinas. Fernão de Magalhães
deu inicialmente ao território o nome de Ilhas de São Lázaro, tendo este sido
adoptado oficialmente pelos portugueses até existir a denominação Filipinas, em
honra de Filipe de Espanha. A segunda parte do livro aborda o Bornéu, que logo
depois da conquista de Malaca [1511] passou a ser frequentado pelos
portugueses, que o utilizavam com frequência, sempre com boas relações com o
sultão local. Isso explica que Fernão de Magalhães tenha sido recebido depois
de forma amistosa por ele. Na terceira parte do livro continuo, no fundo, o
trabalho que comecei no meu primeiro livro, “Mar das Especiarias”, sobre a
presença portuguesa na ilha de Java, na Indonésia. Desta vez concentro-me no
norte da ilha e no que restou dos contactos com os portugueses, algo que está
pouco estudado. Naqueles portos da costa norte fazia-se comércio, pois não
havia portos no sul de Java. Todo o livro reúne, essencialmente, crónicas de
viagens.
Em que período as realizou?
Tenho
viajado nos últimos anos. Trata-se de [uma compilação] de crónicas que fui
publicando n’O Clarim.
Começando pelas Filipinas, o livro aborda a figura de
Bartolomeu Landeiro, que esteve em Macau a investir na obra dos jesuítas.
Fale-me mais sobre esta personalidade.
Era
de origem judaica e digamos que foi um elo fundamental na posterior relação
entre Macau, China, Japão e Filipinas. Os espanhóis tentaram, sem sucesso,
entrar na China, e só conseguiram fazê-lo através de Macau. Bartolomeu Landeiro
desempenhou um papel importante nessa ligação entre Manila, Macau, China e
Japão, mas sobretudo entre Manila e Macau. Foi o personagem mais importante
como comerciante e diplomata, jogava um pouco em ambos os mundos, era alguém
muito astuto. Contribuiu bastante para essa relação que ainda hoje é visível em
muitos aspectos. Esses pormenores da influência portuguesa nas Filipinas via
Macau são muito pouco conhecidos. Aliás, [a influência] é patente na toponímia,
mas também nos apelidos de filipinos, que sabem dessa origem portuguesa. Isso
vai de encontro à primeira parte do livro, que mostra que os portugueses já
andavam por aquela região antes de Fernão de Magalhães lá ter chegado.
Malaca foi um importante ponto de partida para esta
presença comercial?
A
partir do estabelecimento de Malaca os portugueses começaram a estabelecer
acordos com a Indonésia e outros lugares e passaram a ser respeitados, até pelo
temor que as pessoas lhes tinham desde a posse de Malaca. Houve depois um
interregno de vários anos em que os espanhóis não voltaram às Filipinas, até
que houve uma expedição [liderada por] Miguel Logaspi, que ficou em Cebu, tendo
os portugueses questionado [essa presença]. Porque é que os portugueses não
ficaram nas Filipinas? Porque não havia especiarias, como o cravo e
noz-moscada, que existiam na zona nas ilhas Molucas. Mas há provas [da presença
portuguesa nas Filipinas], com acordos e pactos de sangue. Houve uma série de
viagens feitas pelos portugueses que antecederam a presença definitiva dos espanhóis
no país.
A presença da pimenta em Java é então o grande factor
explicativo para a presença dos portugueses nessa zona da Indonésia. Quanto
tempo durou essa presença?
Sim.
Cerca de 150 anos até à chegada dos holandeses, que nos afastaram de lá. Macau
foi de facto o único sítio em que não conseguiram afastar os portugueses. Java
não era uma colónia nossa, mas o Sri Lanka [antigo Ceilão] poderia
considerar-se praticamente uma colónia portuguesa. Sempre fizemos comércio em
Java, juntámo-nos aos hindus para combater os muçulmanos e fizemos acordos
consoante os interesses, mas nunca estabelecemos uma colónia. Ficámos lá a
partir de 1513 e durante cerca de 150 anos.
A capa do livro faz referência a uma comunidade de
lusodescendentes que são os Bayingyi, no Myanmar. É também um grupo étnico
muito pouco conhecido.
Sim.
Tenho falado bastante sobre essa comunidade, mas ela continua a ser pouco
conhecida. Digamos que [o seu maior reconhecimento] tem sido uma das minhas
bandeiras. Essa comunidade foi-se formando a partir de portugueses forasteiros
que andavam por ali à revelia da Coroa portuguesa. Tinham objectivos
comerciais, eram pessoas com os seus negócios, mas estavam fora do controlo da
Coroa. Vendiam os serviços aos reinos locais, houve miscigenação.
Porque é que esta é a sua bandeira?
Porque
foi aí que começou o meu trabalho de investigação sobre alguns aspectos
portugueses da expansão. Tudo começou com uma conversa com Luís Sá Cunha
[académico e residente em Macau] que me falou dessa comunidade. Visitei-a nos
anos 90 e comecei a escrever sobre ela, a fotografar e a fazer documentários. O
meu primeiro livro, de fotografia, foi sobre esta comunidade também.
Editar esta obra chama a atenção para estes portugueses
perdidos a Oriente?
O
meu foco é sempre o mesmo: dar a conhecer aspectos que não são conhecidos do
grande público e que talvez só o sejam junto da academia. Tento mostrar sempre
[as informações] com base num conhecimento feito no terreno. Actualmente vivo
na Indonésia, na zona de Java, a minha esposa é, precisamente, de uma zona que
foi um entreposto de comércio de portugueses, por volta de 1525.
Há ainda muito a explorar no seio destas comunidades?
Há
ainda muito por investigar, é sempre um trabalho inacabado. As ilhas Molucas
[na Indonésia], por exemplo, é uma zona muito rica em presença portuguesa.
Penso visitá-las um dia destes. Andreia Silva – Portugal in “Hoje
Macau”
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