A situação política em Hong Kong está a levar a uma procura crescente de aulas de língua portuguesa, com uma escola no território a propor “cursos intensivos para emigrar”, leccionados pela Internet, por causa da pandemia
Aos
sábados, durante duas horas, Anaïs Barroso ensina a partir de Lisboa uma dezena
de alunos inscritos num dos cursos, lançado pela escola Portuguesinho.hk, de
que é cofundadora, através da aplicação Zoom. À medida que os alunos vão
“entrando” na aula virtual, a portuguesa saúda as sete mulheres e três homens
residentes em Hong Kong com um “Olá, tudo bem?”.
O
ecrã do computador faz as vezes do quadro, mostrando os exercícios e diálogos
do manual fornecido pelo Instituto Português do Oriente (IPOR). “Hoje vamos
estudar os dias da semana e os números de telefone, é importante saberem dizer
o vosso número de telemóvel em português”, explica Anaïs, em inglês.
Um
dos alunos tenta o exercício e enumera os dígitos com surpreendente rapidez: já
é a segunda vez que faz o curso de iniciação, conta a professora, e “é muito
motivado”. “A maioria das pessoas que está interessada em aprender português
neste momento é porque quer emigrar, e nós preparamo-las nesse sentido”,
explica, com “assuntos do dia a dia de que possam vir a precisar quando vierem
para Portugal”.
A
professora também responde a muitas perguntas sobre as cidades com melhor
qualidade de vida ou as escolas internacionais para os filhos.
Numa
das ‘janelas’ da aplicação usada para a aula está um casal que aceita falar à
Lusa, mas pede para não ser identificado. Na casa dos quarenta, com dois filhos
pequenos, são analistas informáticos em Hong Kong, e emigrar está nos seus
planos. “A situação em Hong Kong está a piorar em relação às liberdades”,
lamenta o analista. “No meu círculo, entre os meus colegas, estamos a falar em
emigrar e a discutir se os nossos filhos devem ir estudar para o estrangeiro”.
Ele
nasceu em Macau e tem passaporte português, mas gostava que a mulher também
obtivesse a cidadania, e para isso é preciso aprender o idioma até ao nível A2,
o grau exigido pela lei portuguesa. “Para a apoiar, também estou a aprender”,
conta o luso-chinês. “É uma forma de abrirmos uma possibilidade para nós e para
os nossos filhos. Assim podemos ter mais escolha no futuro”, explica.
De
Portugal, só tem a imagem que lhe transmitiu um primo de Macau que viaja muitas
vezes para o país: um “sítio simpático, com bom tempo”. “Quero saber o que o
leva a ir lá com tanta frequência”, brinca. Mas quando se pergunta se estão a
pensar emigrar para Portugal, a resposta é “talvez”. “Aprender português para
obter a nacionalidade é o primeiro passo para nos permitir emigrar para a
Europa”, explica.
Os
dois já se inscreveram no próximo curso de língua portuguesa, depois de
terminarem o primeiro módulo, com dez aulas. O curso de português para emigrar
foi lançado em Junho e “a grande maioria” dos alunos da escola, perto de uma
centena, pensa em ir viver para Portugal, garante Anaïs Barroso.
Para
a portuguesa, que regressou ao país há dois anos, depois de ter vivido quatro
anos na China continental e em Macau, “a crescente procura dos habitantes de
Hong Kong” de aulas do idioma está relacionada com a situação política, com um
“grande aumento no Verão”, após a aprovação da lei da segurança nacional no
território. “As pessoas já tinham começado a ouvir falar de Portugal, também
por causa dos vistos ‘gold’, mas penso que este interesse deles em vir
para Portugal tem a ver com a instabilidade política”, explica Anaïs.
Sam
Lo, de 29 anos, é uma das raras excepções: apesar de estar inscrita no curso
para emigrar, diz que decidiu aprender a língua por ter tido um namorado
português que despertou a sua curiosidade em relação ao idioma, que “não se
parece com nenhuma das línguas na Europa”.
É
também a única que aceita ser identificada, numa altura em que o clima político
leva a maioria a recusar falar ou a pedir o anonimato, temendo consequências se
falarem aos média estrangeiros. “Hong Kong está a ficar como a China
continental, as pessoas sentem que não podem dizer nada”, lamenta Sam.
Fundada
em janeiro deste ano, a escola foi batizada com o nome “Portuguesinho” por
sugestão de uma das fundadoras e directora do estabelecimento, Jan Hung,
natural de Hong Kong e residente no território. “Foi ideia da Jan, porque ela
acha muito engraçado nós usarmos tantos diminutivos”, explica Anaïs, com 25 anos.
As
duas conheceram-se num intercâmbio organizado pelo curso de Tradução e
Interpretação de Português-Chinês, uma parceria entre os Institutos
Politécnicos de Leiria e de Macau, e ficaram amigas. “A Jan já dava aulas de
português numa associação e começou a notar uma crescente procura”, recorda,
até porque, se “em Macau há bastante oferta”, em Hong Kong não é assim. “Macau
sempre teve mais relação com o português, e estou satisfeita que em Hong Kong
também haja quem queira aprender a língua”, disse. Paula Alves – Agência Lusa
in “Ponto Final”
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