A plataforma Wanwansub reúne mais de 600 séries e filmes estrangeiros, entre eles vários títulos de Portugal e do Brasil, como “Vitalina Varela”, “A Herdade”, “Bacurau”, “Balada de Um Batráquio” e “Sul”. A legendagem é feita por um grupo de mais de meia centena de voluntários, todos chineses fluentes em língua portuguesa
Os
posters de “Vitalina Varela”, de Pedro Costa, e “A Herdade”, de Tiago Guedes,
cobertos de caracteres chineses, parecem obras profissionais de design mas são,
como quase tudo na plataforma online Wanwansub, fruto de trabalho voluntário. O
site, lançado em Março de 2018, disponibiliza mais de 600 filmes e séries
internacionais com legendas em chinês, incluindo obras de Portugal e do Brasil.
Li
(nome fictício), fundadora do Wanwansub, conta que lançou o site apenas para
satisfazer o seu próprio interesse por cinema. “De acordo com os nossos
interesses, seleccionámos filmes e séries que reflectem os nossos gostos”,
conta.
Mais
de 300 voluntários asseguram a tradução de obras audiovisuais a partir de nove
idiomas – inglês, japonês, coreano, tailandês, espanhol, alemão, polaco, sueco
e português. Juntam-se ao projecto através dos anúncios colocados pelo
Wanwansub nos seus vídeos, para recrutar mais colaboradores.
O
site chega a receber mais de 5000 visitantes diferentes por mês, interessados
em cinema e séries televisivas de outras proveniências. Um filme premiado ou
bem referenciado num dos principais festivais europeus, como Berlim, Veneza ou
Cannes, normalmente é descarregado por mais de 6000 utilizadores.
Li,
que sabe estar a transgredir os direitos autorias ao colocar estes conteúdos online,
admite ter “algumas preocupações” mas não faz disso um grande caso – afinal,
milhares de plataformas pelo mundo fora fazem o mesmo. Refere que “os conteúdos
em português são populares” entre os utilizadores do Wanwansub e aponta uma das
suas preferências pessoais: “Deus Salve o Rei”, telenovela da Globo criada por
Daniel Adjafre.
Batalhão linguístico
Gosto
diferente tem a actual coordenadora do grupo de voluntários em língua
portuguesa, que escolheu legendar em chinês obras como “Arena”, de João
Salaviza; “Balada de um Batráquio”, de Leonor Teles; “Bacurau”, de Kleber
Mendonça Filho e Juliano Dornelles; ou “Sul”, série criada por Edgar Medina,
Guilherme Mendonça e Rui Cardoso Martins, e realizada por Ivo M. Ferreira.
Eileen
(nome fictício) vive em Portugal há vários anos e é a responsável por organizar
e rever o trabalho de tradução e legendagem de mais de meia centena de jovens
chineses fluentes em português. “Normalmente, os coordenadores de cada grupo é
que seleccionam os conteúdos, mas todos os membros podem sugerir. Partilhamos
as notícias dos eventuais projectos no chat room, e quem quiser
participar nos novos projectos vem falar comigo”, conta a jovem estudante. “Os
critérios [de escolha] são a qualidade dos filmes e séries, os nossos próprios
gostos e o interesse do nosso público. Há grupos que se focam mais nos temas
LGBTQ+ e temas feministas, já que estes conteúdos são ainda mais inacessíveis”
na China.
A
comunicação entre o grupo é feita através da plataforma Wechat e o
trabalho distribui-se via Cloudrive. Os voluntários estão espalhados
pela China Continental, por Macau e também há vários estudantes a fazer
intercâmbio no Brasil e em Portugal, revela Eileen. A cadência do trabalho
depende da disponibilidade de cada um, mas a coordenadora contabiliza: “Eu
própria posso fazer uma [legendagem de um filme] em dois dias. Claro que se já
tiver legendas em português facilitará muito mais. Lamentavelmente, os filmes
em Portugal raramente têm legendas. No grupo, mandamos traduzir, o que demora
duas semanas; depois primeira revisão, duas semanas; e, no fim, segunda revisão
que sou eu que faço”.
O
grau de perfeccionismo é tal que por vezes o grupo melhora as legendas em
chinês de conteúdos já disponíveis em plataformas como a Netflix. “Nestas
plataformas as legendas do chinês são em princípio traduzidas do inglês, não
dos idiomas originais, e facilmente ocorrem perdas de nuances, omissão de
informações ou mesmo erros”, explica Eileen. E dá um exemplo: para a série
brasileira “O Mecanismo”, criada por José Padilha e Elena Soarez, e que está
prestes ser disponibilizada no Wanwansub, “a Netflix traduz o cargo
‘delegado/a’ da Polícia Federal do Brasil como ‘vice-chefe’ em chinês, o que
vem de ’deputy’ das legendas em inglês”. “Nós também pomos notas suficientes
para o público chinês entender o contexto da Operação Lava Jato e os termos
específicos relativos à legislação, etc.”
Bastante
ocupada com os estudos, Eileen continua ainda assim a dedicar parte do seu
tempo a este projecto. O que a motiva? “Primeiro, os filmes e as séries em
língua portuguesa de boa qualidade são raramente expostos ao público chinês.
Segundo, consequentemente, os estudantes chineses que aprendem português têm
acesso extremamente limitado aos conteúdos nesta língua, o que impede a
aprendizagem. Terceiro, como uma pessoa que gosta de cinema, estou disposta a
dar a conhecer, numa versão fiel, as boas obras e os bons realizadores em
língua portuguesa menos conhecidos na China por causa da barreira linguística,
e tenho certo orgulho nisso”. Eileen
refere ainda que na China “existe esta subcultura de ‘Prometheus’ de fazer
legendas há anos, devido às razões óbvias”. “Somos só parte desta enorme equipa
de milhares de pessoas que não se conhecem e não se reconhecerão. Pelo menos,
com as línguas que dominamos, o que é afinal só uma ferramenta, conseguimos
fazer coisas que têm piada para quem goste de cinema e para quem goste das
línguas.”
Entre
os conteúdos em língua portuguesa disponíveis no Wanwansub estão ainda “Os
Gatos Não Têm Vertigens”, de António-Pedro Vasconcelos; “Tinta Bruta”, de
Filipe Matzembacher e Marcio Reolon; “As Boas Maneiras”, de Juliana Rojas e
Marco Dutra; a série portuguesa “Ele é Ela” e séries brasileiras como “Prazer
Esconderijo”, “Brecha” e “Gamebros”. Hélder Beja – Macau in “Ponto
Final”
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