Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Macau - Voluntários legendam filmes e séries em português disponíveis online

A plataforma Wanwansub reúne mais de 600 séries e filmes estrangeiros, entre eles vários títulos de Portugal e do Brasil, como “Vitalina Varela”, “A Herdade”, “Bacurau”, “Balada de Um Batráquio” e “Sul”. A legendagem é feita por um grupo de mais de meia centena de voluntários, todos chineses fluentes em língua portuguesa



Os posters de “Vitalina Varela”, de Pedro Costa, e “A Herdade”, de Tiago Guedes, cobertos de caracteres chineses, parecem obras profissionais de design mas são, como quase tudo na plataforma online Wanwansub, fruto de trabalho voluntário. O site, lançado em Março de 2018, disponibiliza mais de 600 filmes e séries internacionais com legendas em chinês, incluindo obras de Portugal e do Brasil.

Li (nome fictício), fundadora do Wanwansub, conta que lançou o site apenas para satisfazer o seu próprio interesse por cinema. “De acordo com os nossos interesses, seleccionámos filmes e séries que reflectem os nossos gostos”, conta.

Mais de 300 voluntários asseguram a tradução de obras audiovisuais a partir de nove idiomas – inglês, japonês, coreano, tailandês, espanhol, alemão, polaco, sueco e português. Juntam-se ao projecto através dos anúncios colocados pelo Wanwansub nos seus vídeos, para recrutar mais colaboradores.

O site chega a receber mais de 5000 visitantes diferentes por mês, interessados em cinema e séries televisivas de outras proveniências. Um filme premiado ou bem referenciado num dos principais festivais europeus, como Berlim, Veneza ou Cannes, normalmente é descarregado por mais de 6000 utilizadores.

Li, que sabe estar a transgredir os direitos autorias ao colocar estes conteúdos online, admite ter “algumas preocupações” mas não faz disso um grande caso – afinal, milhares de plataformas pelo mundo fora fazem o mesmo. Refere que “os conteúdos em português são populares” entre os utilizadores do Wanwansub e aponta uma das suas preferências pessoais: “Deus Salve o Rei”, telenovela da Globo criada por Daniel Adjafre.



Batalhão linguístico

Gosto diferente tem a actual coordenadora do grupo de voluntários em língua portuguesa, que escolheu legendar em chinês obras como “Arena”, de João Salaviza; “Balada de um Batráquio”, de Leonor Teles; “Bacurau”, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles; ou “Sul”, série criada por Edgar Medina, Guilherme Mendonça e Rui Cardoso Martins, e realizada por Ivo M. Ferreira. 

Eileen (nome fictício) vive em Portugal há vários anos e é a responsável por organizar e rever o trabalho de tradução e legendagem de mais de meia centena de jovens chineses fluentes em português. “Normalmente, os coordenadores de cada grupo é que seleccionam os conteúdos, mas todos os membros podem sugerir. Partilhamos as notícias dos eventuais projectos no chat room, e quem quiser participar nos novos projectos vem falar comigo”, conta a jovem estudante. “Os critérios [de escolha] são a qualidade dos filmes e séries, os nossos próprios gostos e o interesse do nosso público. Há grupos que se focam mais nos temas LGBTQ+ e temas feministas, já que estes conteúdos são ainda mais inacessíveis” na China.

A comunicação entre o grupo é feita através da plataforma Wechat e o trabalho distribui-se via Cloudrive. Os voluntários estão espalhados pela China Continental, por Macau e também há vários estudantes a fazer intercâmbio no Brasil e em Portugal, revela Eileen. A cadência do trabalho depende da disponibilidade de cada um, mas a coordenadora contabiliza: “Eu própria posso fazer uma [legendagem de um filme] em dois dias. Claro que se já tiver legendas em português facilitará muito mais. Lamentavelmente, os filmes em Portugal raramente têm legendas. No grupo, mandamos traduzir, o que demora duas semanas; depois primeira revisão, duas semanas; e, no fim, segunda revisão que sou eu que faço”.



O grau de perfeccionismo é tal que por vezes o grupo melhora as legendas em chinês de conteúdos já disponíveis em plataformas como a Netflix. “Nestas plataformas as legendas do chinês são em princípio traduzidas do inglês, não dos idiomas originais, e facilmente ocorrem perdas de nuances, omissão de informações ou mesmo erros”, explica Eileen. E dá um exemplo: para a série brasileira “O Mecanismo”, criada por José Padilha e Elena Soarez, e que está prestes ser disponibilizada no Wanwansub, “a Netflix traduz o cargo ‘delegado/a’ da Polícia Federal do Brasil como ‘vice-chefe’ em chinês, o que vem de ’deputy’ das legendas em inglês”. “Nós também pomos notas suficientes para o público chinês entender o contexto da Operação Lava Jato e os termos específicos relativos à legislação, etc.”

Bastante ocupada com os estudos, Eileen continua ainda assim a dedicar parte do seu tempo a este projecto. O que a motiva? “Primeiro, os filmes e as séries em língua portuguesa de boa qualidade são raramente expostos ao público chinês. Segundo, consequentemente, os estudantes chineses que aprendem português têm acesso extremamente limitado aos conteúdos nesta língua, o que impede a aprendizagem. Terceiro, como uma pessoa que gosta de cinema, estou disposta a dar a conhecer, numa versão fiel, as boas obras e os bons realizadores em língua portuguesa menos conhecidos na China por causa da barreira linguística, e tenho certo orgulho nisso”.  Eileen refere ainda que na China “existe esta subcultura de ‘Prometheus’ de fazer legendas há anos, devido às razões óbvias”. “Somos só parte desta enorme equipa de milhares de pessoas que não se conhecem e não se reconhecerão. Pelo menos, com as línguas que dominamos, o que é afinal só uma ferramenta, conseguimos fazer coisas que têm piada para quem goste de cinema e para quem goste das línguas.”

Entre os conteúdos em língua portuguesa disponíveis no Wanwansub estão ainda “Os Gatos Não Têm Vertigens”, de António-Pedro Vasconcelos; “Tinta Bruta”, de Filipe Matzembacher e Marcio Reolon; “As Boas Maneiras”, de Juliana Rojas e Marco Dutra; a série portuguesa “Ele é Ela” e séries brasileiras como “Prazer Esconderijo”, “Brecha” e “Gamebros”. Hélder Beja – Macau in “Ponto Final”

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