O fotógrafo Edgar Martins, ex-residente de Macau e actualmente a viver em Londres, está no grupo dos dez finalistas do festival Hangar Art Center European Photography Call, de Bruxelas, com um projecto que integra imagens captadas do topo dos prédios durante as várias pandemias que o mundo viveu nos últimos anos. O fotógrafo é também finalista dos relevantes prémios Paris Photo, Photo España e Meitar, de Israel
Num
ano atípico para a maioria das pessoas, 2020 acabou por se revelar frutífero
para o fotógrafo Edgar Martins. Ex-residente de Macau e actualmente a viver em
Londres, o fotógrafo acaba de integrar o grupo de dez vencedores do festival
Hangar Art Center European Photography Call, de Bruxelas, com um projecto
fotográfico sobre o impacto desta e de outras pandemias.
É
também finalista de outros concursos internacionais, como o Photo España Best
Photobook of the year, o Paris Photo & Aperture Foundation Book Awards,
onde foi distinguido na categoria de melhor livro de fotografia, e no Meitar
Award for Excellence in Photography, de Israel. Todos os resultados finais
serão tornados públicos em Novembro.
Ao
HM, Edgar Martins considera que estes são prémios “super importantes no
contexto da fotografia contemporânea e, sobretudo, no contexto dos livros de fotografia”.
Para
o concurso do Hangar Art Center, de Bruxelas, Edgar Martins apresentou um
projecto que aborda o impacto da pandemia na vida das pessoas, e não apenas a
covid-19. Por mero acaso, Edgar Martins esteve na Ásia quando ocorreram as
epidemias da SARS e H1N1, e aproveitou esse momento para fotografar as cidades
a partir do topo dos edifícios.
“Fui
acumulando, ao longo dos anos, imagens do impacto das pandemias no dia-a-dia
das cidades onde estava a viver. São imagens interessantes e que foram captadas
em períodos do dia que, por norma, seriam bastante activos, tal como a manhã,
quando as pessoas vão para o emprego. São imagens tiradas do topo de prédios
altos, com vistas bastante alargadas da cidade. Estas imagens tornaram-se algo
populares durante a pandemia, mas neste caso há uma certa ambiguidade nas
imagens porque foram todas fotografadas com nevoeiro denso.”
Mas
Edgar Martins não se limitou a tirar fotografias, tendo feito também um
trabalho de contraste. “Ao produzir estas imagens no meu laboratório escuro,
fui guardando os testes de impressões e as provas. Com estes detritos do
processo fotográfico criei arte, sobrepondo os vários testes uns em cima dos
outros. Criei então imagens totalmente abstractas mas que têm uma relação com
as imagens paisagísticas produzidas no topo dos prédios.”
O
fotógrafo não tem dúvidas de que foi essa relação que mais captou a atenção do
júri dos prémios do Hangar Art Center European Photography Call.
“O
que se tornou aliciante para o júri foi esta tensão entre essas duas abordagens
distintas e o facto de ambas falarem tão bem da condição do fotográfico. Há uma
tensão sobre em que consiste o processo criativo e fotográfico”, frisou o
fotógrafo, que tomou a decisão de trabalhar com “bastantes constrangimentos a
nível técnico e de equipamentos”.
Esta
decisão deu-lhe alguma liberdade, tendo surgido da ideia de que a definição de
fotografia é feita, nos dias de hoje, com base numa “ideologia
técnico-capitalista, em que anda sempre tudo à volta das últimas máquinas e lentes”.
“De
certa forma isso acaba por ter prioridade sobre o conceito do trabalho que se
produz, e isto torna-se cada vez mais perceptível com a evolução da fotografia
e com a evolução tecnológica. O que quis fazer foi criar todo um conjunto de
restrições que me permitissem produzir imagens ou obras artísticas, mas sem ter
de recorrer a tecnologia ou à máquina”, frisou.
Mais prémios
O
nome Edgar Martins surge também na categoria dos melhores livros de fotografia
do ano do prémio Paris Photo. “What Photography & Incarceration have in
Common with an Empty Vase”, projecto de 2019 feito na prisão de Birmingham,
Inglaterra, foi o escolhido.
“É
uma grande honra porque é um júri bastante conhecedor. Há milhares de livros
que concorrem a este prémio e fiquei sensibilizado porque é um livro e um
projecto muito importante do ponto de vista fotográfico e ético”, contou ao HM.
Com
este trabalho, o fotógrafo quis “abordar a prisão como um conjunto de relações
sociais e não como um mero espaço físico, que é o mais comum”. Edgar Martins
quis, assim, “repensar o tipo de imagem que associamos à prisão”. “Sempre fui
muito crítico desse tipo de abordagem, que é sempre uma abordagem de temas como
a violência, drogas, criminalidade, raça”, acrescentou.
Edgar
Martins é também finalista na categoria de melhor livro internacional do Photo
España Best Photobook of the Year e do Meitar Award for Excellence in
Photography, de Israel. Em relação a esta última distinção, o fotógrafo diz
sentir-se “honrado”, tendo concorrido com um “projecto bastante distinto dos
outros”.
“É
um projecto que também desenvolvi neste período de pandemia e foca-se na mão ou
no gesto para contar uma história distópica da nossa civilização.” Isto porque
a mão “é um elemento paradoxal, no sentido em que é aquilo que nos une e
distancia das pessoas, e isso é evidente numa pandemia, pois a mão é
responsável pela transmissão, mas ao mesmo tempo consola o amigo”.
As
imagens distinguidas nos prémios Paris Photo e Photo España iriam passar por Macau,
mas a pandemia fez adiar essas iniciativas.
O World Press Photo
Questionado
sobre o encerramento súbito da exposição de fotografias do World Press Photo em
Macau, Edgar Martins alerta para as dificuldades logísticas relativas à
organização de exposições nesta fase da pandemia, mas afirma que este
encerramento não o surpreende.
“Não
conheço todos os factos, mas se a exposição fechou por uma questão de censura
ou política, se calhar há uns anos seria algo que me surpreenderia, mas hoje em
dia já não. Se foi essa a razão, é uma tragédia.”
Edgar
Martins alerta para o perigo de Macau se isolar em termos culturais caso estes
episódios se repitam no futuro. “Se essa exposição encerrou por motivos
políticos não me surpreende, mas acho que, de facto, de certa forma é o
princípio do fim. Macau sempre foi um sítio isolado do ponto de vista cultural,
e se agora vamos começar a censurar exposições que vêm do estrangeiro,
independentemente dos temas, vai-se tornar [um território] cada vez mais
isolado”, rematou o fotógrafo. Andreia Silva – Macau in “Hoje
Macau”
Andreia Sofia Silva - Jornalista, 31 anos de idade. Formada em Jornalismo com
uma pós-graduação em Ciência Política e Relações Internacionais. Escreve
sobretudo sobre política, sociedade e cultura. Email:
andreia.silva@hojemacau.com.mo
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