I
O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na
capitania de São Paulo – 1788-1797,
recente livro de Adelto Gonçalves ─ editado em 2019, pela Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo ─, já nasceu como importante marco da historiografia
colonial brasileira e, especialmente, da paulista.
Adelto,
como bom paulista e bandeirante intelectual, fincou seu marco de puro cristalino
no território histórico colonial de São Paulo. O autor exibe sua peculiar
habilidade de escrever com clareza um texto profundamente rico de conteúdo,
baseado em vasta pesquisa documental e de leitura de textos consagrados de
outros autores que trataram do tema desse livro.
O
historiador Kenneth Maxwell na sua apresentação desse livro do Adelto escreveu:
Esta obra é, em sua totalidade, não só uma rica análise
do governo de Bernardo de Lorena, mas um estudo que abre muitas linhas de
investigação, formula muitos problemas novos, o que deveria ser a tarefa de
todo bom historiador. Para a história de São Paulo no século XVIII tardio, não
há guia melhor.
Concordo
plenamente com Kenneth Maxwell e acrescento novas qualidades do texto e de sua
importância para os leitores e demais pesquisadores.
Divulgação
dos variados arquivos consultados por Adelto Gonçalves aqui revelados, como os
de São Paulo, pouco utilizados por historiadores que tratam de outros
territórios brasileiros: Arquivo do
Estado de São Paulo (AESP), os Anais do Museu Paulista (AMP), Atas da Câmara de
São Paulo (ATCSP), Documentos interessantes para a história e costumes de
São Paulo (DI) e o Registro Geral da Câmara de São Paulo (RGCSP). Além dos
arquivos conhecidos do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, os portugueses: Torre
do Tombo (ANTT), Biblioteca Nacional de Lisboa (BNP), Arquivo Histórico
Ultramarino (AHU) e a Academia das Ciências de Lisboa (ACL).
II
O
texto de Adelto vai fluindo com a indicação da fonte, elemento de suma importância
para o leitor, ao constatar sua habilidade em usar o conteúdo do documento e
extrair dele elementos construtivos de sua narrativa. Esse seu método de
vincular documento-texto é um traço marcante do autor e deve orientar seu
leitor e pesquisador a usá-lo em seus futuros trabalhos.
Outro
destaque desse livro é conter a visão ampla do autor sobre o fato histórico.
Adelto nos traz a visão do historiador; do escritor cronista e romancista que
é; da geografia histórica; da literatura e do rigor cronológico do fato, no
espaço-tempo da complexidade do fato narrado.
Adelto
contextualiza o fato histórico em suas relações econômicas, sociais, espaciais
e políticas, sem se restringir às análises históricas das superestruturas, trazendo em sua narrativa os seres humanos
envolvidos, com hábil literalidade, como a descrição da viagem para Cuiabá do
governador de São Paulo Rodrigo Cesar de Menezes (1721-1727), pp.59-61. A
expedição saiu em 1726, do porto de “Araritaguaba, às margens do rio Tietê” com
305 canoas carregando negros, índios e paulistas num total de “3 mil homens,
inclusive muitos indígenas - os únicos que sabiam “atravessar o sertão e
navegar através dos rios cheios de cachoeiras”. Preciosas informações colhidas
pelo autor, de documento do AHU, referente a São Paulo (caixa 7, doc. 750, ant.
26/10/1725).
Segundo
sua narrativa, a expedição chegou a Cuiabá em 15 de novembro de 1726, mas o
governador César de Menezes só elevou o “arraial mineiro de Bom Jesus de Cuiabá
à categoria de vila” em 1o de janeiro de 1727. No ato, o governador instalou a
Câmara, “reunindo oito vereadores ─ seis paulistas e dois reinóis casados com
paulistas”. Considero que esse cuidado de nomear paulistas para a maioria da
Câmara é o reflexo do trauma da Guerra dos Emboabas. Para o final da descrição
do ato do governador, Adelto usou a obra de Charles R. Boxer, A idade de
ouro do Brasil: dores de crescimento de uma sociedade colonial, 2000,
p.274. Essa capacidade do autor de buscar fontes diversas para construir sua
narrativa é um dos pontos altos do livro.
III
Adelto
Gonçalves dividiu sua expressiva e marcante obra em duas partes, que se
conectam e, ao mesmo tempo, são autônomas. A primeira (pp. 21 a 181) trata do
estudo histórico da formação da capitania e da sociedade paulista, anterior à
chegada e posse do personagem principal do livro: d. Bernardo José Maria da
Silveira e Lorena, conde de Sarzedas (1788-1797).
A
segunda parte, nas páginas 187 a 327, faz o estudo detalhado do personagem
Lorena, sua origem familiar, formação intelectual e a exemplar governança da
capitania de São Paulo. O autor esmiúça as relações políticas, administrativas,
as redes formadas pela elite administrativa-política e econômica, local, na
obtenção de poder e fortunas. Relata os interesses econômicos e políticos de
Lorena ─ sociedade com o riquíssimo negociante e capitalista de Lisboa Jacinto
Fernandes Bandeira, concedendo-lhe vários privilégios na capitania de São Paulo
─, destacando sua positiva forma de governança de muitas obras públicas, de
organização administrativa e política da capitania e a equidade com que tratou
os súditos da colônia.
O
governo de Lorena foi um marco divisor aprovado pelos paulistas, ao ponto de os
vereadores da cidade de São Paulo solicitarem o privilégio de postarem o seu
retrato na sala principal da Câmara municipal (p. 307). “Para empreender tal
iniciativa, os oficiais da Câmara pediram licença à rainha, lembrando que a concessão
já havia sido feita à Câmara do Rio de Janeiro”, para homenagear o governador
Gomes Freire de Andrade, conde de Bobadela (1733-1763).
Em
sua petição, os camaristas de São Paulo justificaram a homenagem por ser “um
fidalgo que tem sido o pai dos paulistas” (nota 391: AHU Conselho Ultramarino,
São Paulo, caixa 41, doc. 3357, 6/3/1793). Nesse mesmo Arquivo Histórico
Ultramarino, localizei o pedido dos vereadores do Rio de Janeiro, quando
obtiveram permissão dessa homenagem a Gomes Freire. Era proibido que as
autoridades da colônia brasileira tivessem representação de sua imagem em
lugares públicos.
A
pesquisa documental e bibliográfica feita por Adelto Gonçalves para escrever
esse livro reflete-se na expressiva quantidade de notas: mais de mil
referências. Haja fôlego!
Com
autoridade de seu profundo saber histórico, conclui sua obra afirmando:
Ao contrário do que a
historiografia tradicional sempre defendeu, a capitania de São Paulo não vivia
isolada nem tampouco estava despovoada, sobrevivendo de sua economia de
subsistência, à época da chegada do governador Luís Antônio de Souza Botelho, o
morgado de Mateus, em 1765, quando deixou de ficar adjudicada à capitania do
Rio de Janeiro (p. 359).
Recomendo
a leitura do livro O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na
capitania de São Paulo 1788-1797, pela sua densidade, nível de informação e
por ser um veículo de orientação de como devemos pesquisar e elaborar um texto
científico, de leitura agradável e envolvente. Nireu Cavalcanti – Brasil
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O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na
capitania de São Paulo – 1788-1797, de Adelto Gonçalves, com prefácio de Kenneth Maxwell,
apresentação de Carlos Guilherme Mota e fotos de Luiz Nascimento. São Paulo:
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 408 páginas, R$ 70,00, 2019. Site: www.imprensaoficial.com.br
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Nireu Cavalcanti, arquiteto formado em 1969 pela Faculdade Nacional de
Arquitetura da Universidade do Brasil, é doutor em História Social pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É professor de pós-graduação da
Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (UFF), da
qual foi seu diretor de 2003 a 2007. É autor de O Rio de Janeiro
setecentista: a vida e a construção da cidade da invasão francesa até a chegada
da Corte (Zahar, 2003), seu trabalho de doutorado; Histórias e conflitos
no Rio de Janeiro colonial: da Carta de Caminha ao contrabando de camisinha –
1500-1807 (Civilização Brasileira, 2013); Arquitetos e Engenheiros:
sonho de entidade desde 1978 (Crea-RJ, 2007); Crônicas históricas do Rio
colonial (Civilização Brasileira/Faperj, 2004), e Tesouro: o Palácio da
Fazenda, da Era Vargas aos 450 anos do Rio de Janeiro (Pébola Casa
Editorial, 2015, em co-autoria com Helio Brasil,) entre outros.
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