I
Depois
de publicar, em 2018, Ele está no meio de nós (Curitiba, Kotter
Editorial), que pode ser definido como um romance místico, religioso ou
ecumênico, Silas Corrêa Leite lançou, em 2019, O Marceneiro: a última
tentativa de Cristo (Maringá-PR, Editora Viseu), livros que fazem parte de
uma trilogia que haverá de ser completada com obra que já está concluída, mas
ainda inédita. Tendo sido iniciado em 1995, como ponto de partida para uma
carreira literária, este romance, tal como o anteriormente publicado, pode ser
definido como místico, ecumênico e religioso – e, por isso, mesmo polêmico –,
além de profético, pois, ao anunciar um caos apocalíptico, antecipa os momentos
de angústia que vive hoje a população da Terra com a chegada da pandemia de
coronavírus (Covid-19).
Sua
leitura assusta, incomoda, registra e desnuda uma verdade que a maioria da
população, especialmente a brasileira, recusa-se a ver com olhos realistas,
deixando-se levar pela boa fé, ao acreditar na palavra de “salvadores” da
pátria. Mas chega uma hora em que o cidadão se conscientiza de que tem sido
vítima de muitos logros e repete, como diz o autor, ainda que
inconscientemente, uma frase do filósofo alemão Friederich Nietzche
(1844-1900): “A verdadeira questão é: quanta verdade consigo suportar?”
Depois
de ficar na gaveta por quase cinco anos, o manuscrito foi retomado pelo
romancista no ano de 2000, quando havia muita expectativa pelo que seria o novo
século, pois estava sendo anunciado aos quatro ventos o chamado “bug do
milênio”, ou o Bug Y2K, que poderia provocar um pane nos sistemas
informatizados, levando o mundo à completa desorganização e destruição,
inclusive do sistema financeiro. Inspirado em Memorial de Maria Moura
(1992), de Raquel de Queiroz (1910-2003), imenso painel de relações sociais,
culturais, morais e afetivas entre personagens bem caracterizadas, Silas Corrêa
Leite escreveu um romance anárquico e utópico, partindo do tumulto ou caos
apocalíptico que poderia ocorrer no planeta se Jesus Cristo, numa última
tentativa antes da prometida volta para levar para os céus os escolhidos,
aparecesse no Brasil.
Lembrando
que Jesus Cristo rompeu com leis injustas, investiu contra fariseus, varreu os
vendilhões do templo e colocou-se contra uma casta que subsistia da exploração
dos pobres e de um sistema econômico tirânico que especula “com a fome em favor
dos chamados neoliberais nunca éticos” (p. 297), o autor conclui que,
provavelmente, o Messias seria tachado de terrorista ou comunista, sofreria
atentados e poderia vir a ser até vítima de “novos tipos de vírus concebidos em
laboratórios (para acabar com os pobres?)” que haveriam de colocar em suas
comidas. “Ou teria cólera por comer peixe de países sem infraestrutura ou
saneamento básico” (p. 299).
Como
se pode deduzir com facilidade, trata-se de um romance profético, que, de certa
maneira, segue na mesma linha de Não Verás País Nenhum (1981), de
Ignácio de Loyola Brandão (1936), que previu um tempo em que o aquecimento
global e a proliferação de doenças estranhas haveriam de colocar em risco todo
o planeta. Eis um trecho que parece escrito nestes dias de pandemia de
coronavírus em que o Brasil é governado por mãos insensíveis:
“Bendita seja a loucura que choca o homem para que ele
reviva de sua mudez lucrativa. De sua total insanidade exploradora, de sua
insensibilidade ética, de sua falta de lisura no trato com os pequeninos. De
sua insensibilidade em achar a fome e a miséria dos excluídos socialmente
normal. De não se chocarem mais com o abandono dos fracos e oprimidos. Bendita
seja a “loucura” que fere, mexe, assoma-se contra a mediocridade comum dos
fariseus insensíveis”. (p. 300).
II
Dono
de um estilo criativo, Silas procurou se inspirar na Bíblia que, como se
sabe, em várias de suas passagens,
sempre alerta os leitores para o fato de que o fim do mundo está próximo, o que
até aqui invariavelmente tem sido interpretado como se esse final estivesse
perto apenas para cada um de nós. Mas, quando ocorrem catástrofes mundiais, nem
sempre esta última interpretação é a que mais se afirma. Eis outro trecho desse
texto em que o seu autor se mostra visionário:
“Os menores abandonados do Brasil
serão as gangues do futuro. As tropas paisanas violentas. Que não terão nada a
perder. De uma irracionalidade medonha, dantesca. Os ricos e suas famílias,
esposas, filhas e descendentes, serão alvos delas. As grades, guaritas, os
seguranças, os belos carros, os grandes shoppings não os defenderão...
Exploraram a terra e as gerações dos filhos da terra. E os filhos da terra como
praga se insurgirão como única saída-sobrevivência possível. Não haverá
clemência ou regras claras. Não há clemência na fome absoluta, irracional. Como
não houve clemência na distribuição de rendas e lucros e terras. Que não foi
cerceada, mancomunada, desviada, montada. Não haverá perdão. O lucro torpe
tocou a alma humana. E o rancor da pisada alma pobre violará muros, invadirá
cidades, violentará condomínios reservados inteiros, praias particulares, ilhas
com torres de vigias inúteis. Nada deterá a cobrança do homem-animal
embrutecido em horror dantesco...” (p. 287).
III
Nascido
na mítica cidade de Itararé, localizada na divisa entre os Estados de São Paulo
e Paraná, que entrou para a História como local de um episódio pitoresco
ocorrido à época do movimento civil-militar de 1932 em que a burguesia
paulista, desalojada do poder em 1930, tentou derrubar o regime ditatorial de
Getúlio Vargas (1882-1954) , Silas Corrêa Leite (1952) é poeta, romancista,
letrista, professor, desenhista, jornalista, resenhista, ensaísta, conselheiro
diplomado em Direitos Humanos e membro da União Brasileira de Escritores (UBE),
além de blogueiro e ciberpoeta.
Tendo
começado a escrever aos 16 anos de idade, migrou em 1970 para São Paulo, onde se formou em Direito e Geografia, sendo
especialista em Educação pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, além de ter
cursado extensões e pós-graduações nas áreas de Educação, Filosofia,
Inteligência Emocional, Jornalismo Comunitário e Literatura na Comunicação,
curso este que fez na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de
São Paulo (USP).
Nos
últimos tempos, o romancista lançou também O lixeiro e o presidente
(Curitiba, Kotter Editorial, 2019), romance social, Gute-Gute, barriga
experimental de repertório (Rio de Janeiro: Editora Autografia, 2015) e Goto,
a lenda do reino encantado do barqueiro noturno do Rio Itararé
(Florianópolis: Clube de Autores Editora, 2013), romance pós-moderno,
considerado a melhor obra do escritor. Tem mais de 20 livros publicados, entre
os quais Porta-Lapsos (poemas) e Campo de Trigo Com Corvos
(contos). É autor ainda do primeiro livro interativo da Internet, o e-book O
rinoceronte de Clarice, que virou tema de tese de mestrado na Universidade
de Brasília (UnB) e de doutorado na Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Foi
finalista do Prêmio Telecom, em Portugal, em 2007.
Seus
textos fazem parte de mais de cem antologias literárias de renome, inclusive na
Itália e nos Estados Unidos, e estão espalhados por mais de 800 sites,
inclusive na América Latina, Europa, Ásia e África. Seu texto “O estatuto do
poeta” foi vertido para o espanhol, inglês, francês e russo. Adelto
Gonçalves – Brasil
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O Marceneiro: a última tentativa de Cristo, de Silas Corrêa Leite. Maringá-PR: Editora Viseu, 380
páginas, 2019, R$ 52,90. E-mail da editora: falecom@eviseu.com.br E-mail do
autor: poesilas@terra.com.br
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Adelto Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de
Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada,
1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa,
Caminho, 2003), Tomás Antônio Gonzaga (Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo/Academia Brasileira de Letras, 2012),
Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa
Oficial do Estado de São Paulo, 2015),
Os Vira-latas da Madrugada (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora,
1981; Taubaté-SP, Letra Selvagem, 2015) e O Reino, a Colônia e o Poder: o
governo Lorena na capitania de São Paulo 1788-1797 (Imprensa Oficial do Estado
de São Paulo, 2019), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
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