A
decisão do governo argentino de abandonar as negociações para a ratificação do
Acordo de Livre-Comércio com a União Europeia, assinado no ano passado, deixou
o Mercosul em xeque, pois, sem a assinatura de um dos quatro sócios – os demais
são Brasil, Uruguai e Paraguai –, o tratado não terá validade. O governo
argentino do novo presidente Alberto Fernández também não aprova as negociações
para a assinatura de novos tratados de livre-comércio com a Coreia do Sul,
Índia, Líbano e Cingapura, que vinham em andamento, sob a alegação de que,
diante do caos mundial previsto em função da pandemia do coronavírus
(covid-19), o melhor é aguardar para ver o tamanho da encrenca.
É
o que se pode depreender do comunicado expedido pelo Ministério das Relações
Exteriores daquele país, que prevê um “quadro desolador”, já que as
organizações internacionais estimam queda do produto interno bruto (PIB) nos
países mais desenvolvidos, uma queda repentina no comércio global de até 32% e
“um impacto imprevisível na sociedade”. Em contrapartida, Brasil, Uruguai e
Paraguai não admitem paralisar as negociações com aqueles países, já que há
mecanismos legais que amparam a continuidade das tratativas sem a participação
da Argentina.
Isso
se dá porque, apesar dos insistentes alertas dos especialistas, o Mercosul não
soube criar os mecanismos necessários para que o bloco blindasse a questão
comercial da influência político-partidária, tanto de esquerda como de direita.
Foi assim ao tempo em que o Partido dos Trabalhadores (PT) esteve à frente do
governo brasileiro por 13 anos e meio e está sendo agora com o presidente
Alberto Fernández, peronista de centro-esquerda, que, desde que assumiu, sempre
se mostrou contrário à participação argentina no Mercosul.
Seja
como for, sem a Argentina, o Mercosul nunca será o mesmo. E parece caminhar em
direção a sua flexibilização. Se esse for o caminho, nada melhor que o governo
brasileiro aproveite o momento para buscar maior acesso à inovação e às
tecnologias das cadeias produtivas globais, o que só será possível a partir do
relaxamento das regras que proíbem os parceiros do bloco de assinar acordos
bilaterais sem a aprovação dos demais. Nesse caso, se Paraguai e Uruguai, que
têm governos afinados com o governo brasileiro, concordarem, os três parceiros
ficam livres para buscar um relacionamento comercial mais aberto com outras
nações.
Obviamente,
se o governo brasileiro tivesse à frente do Itamaraty um diplomata
especializado em comércio exterior, a situação não teria chegado a esse ponto,
já que a Argentina até 2019 constituía o terceiro mais importante parceiro
comercial do Brasil no mundo e o
principal na América Latina, respondendo por 5% das exportações brasileiras,
atrás somente de China e Estados Unidos. E não se pode jogar fora um mercado
como esse por causa de questiúnculas político-ideológicas, ainda que aquele
país esteja à beira de entrar em moratória.
É
claro que, mesmo sem a Argentina, o Mercosul pode continuar e manter os acordos
vigentes com Índia e Israel e ratificar os tratados com Palestina, Egito e a
União Aduaneira de Países do Sul da África (Sacu), bem como levar a Associação
Latino-Americana de Integração (Aladi), que reúne 13 países latino-americanos,
a se tornar uma área de livre-comércio, o que equivale a dizer sem tarifas. O
que se espera é que o governo brasileiro leve adiante esse processo com a
participação do setor privado, pelo menos com consultas à Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Já seria bastante. Milton
Lourenço – Brasil
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Milton Lourenço é presidente do Grupo Fiorde (Fiorde
Logística Internacional, FTA Transportes e Armazéns Gerais e Barter Comércio
Exterior) e diretor do Sindicato dos Comissários de Despachos, Agentes de
Cargas e Logística do Estado de São Paulo (Sindicomis) e da Associação Nacional
das Empresas Transitárias, Agentes de Cargas, Comissárias de Despachos e
Operadores Intermodais (ACTC). E-mail: fiorde@fiorde.com.br. Site:
www.fiorde.com.br
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