Singapura estava a dar lições ao mundo sobre como lidar
com o surto de COVID-19, a doença causada pelo coronavírus, mas nos últimos
dias, o número de casos confirmados disparou, a maioria dos quais vieram de
acomodações para trabalhadores migrantes densamente povoadas. Especialistas
acham que há lições importantes a tirar pelos países mais pobres
Singapura
teve o seu primeiro caso do novo coronavírus muito cedo. Foi um turista chinês
que chegou de Wuhan no dia 23 de Janeiro, no mesmo dia em que o epicentro do
vírus naquela época foi colocado em quarentena total.
Quando
a doença causada pelo vírus recebeu o nome oficial, COVID-19, já se tinha
espalhado pela população da Cidade-Estado. Mas as autoridades avançaram com uma
resposta bem ensaiada. Além de controlos sanitários nos aeroportos, o governo
realizou testes exaustivos em cada caso suspeito, localizou qualquer pessoa que
tivesse entrado em contacto com um caso confirmado e mandou isolar esses
contactos em casas.
O
Ministério de Saúde de Singapura criou uma equipa de investigadores de
possíveis pessoas infectadas e o director da Organização Mundial da Saúde,
Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse que se tinha estabelecido “um bom exemplo de
abordagem”.
Durante
semanas, Singapura conseguiu manter os seus números baixos e rastreáveis, com
apenas pequenos grupos facilmente contidos, sem restrições reais à vida
quotidiana.
O
professor Dale Fisher, presidente da Rede Global de Alerta e Resposta a Surtos
da OMS e professor da Universidade Nacional de Singapura, disse então à BBC que
sempre que ouvia pessoas dizerem que a Cidade estava bem, ele respondia: “Até
agora”. “É uma doença realmente difícil de conter”, salientou.
Quando as coisas começaram a piorar?
O
sistema funcionou até meados de Março, referiu o professor Yik-Ying Teo,
professor da Escola de Saúde Pública Saw Swee Hock, em Singapura. Foi então
que, à medida que a gravidade da situação se mostrou evidente em todo o mundo,
que os países começaram a instar os seus cidadãos a retornarem ao país.
Milhares voltaram para Singapura de lugares onde governos não haviam sido tão
proactivos, incluindo mais de 500 pessoas que inadvertidamente trouxeram o
vírus com elas.
Até
então, os retornados eram obrigados a ficar em casa por duas semanas, mas as
autoridades disseram que outras pessoas poderiam continuar com as suas vidas
desde que ninguém apresentasse nenhum sintoma.
Embora
novos casos estivessem em ascensão, em meados de Março já havia dezenas por
dia. A maioria foi importada ou vinculada a casos importados, mas pela primeira
vez nem todos os casos domésticos passaram a ser facilmente rastreáveis.
O
professor Teo diz que agora é fácil dizer que foi um erro não limitar as
interacções de quem retornava, mas recorda que, na realidade, “agora sabemos
muito mais sobre a doença em comparação com o que se sabia em Março”. “Agora
sabemos que a propagação assintomática é inteiramente possível: isso acontece e
pode ser o principal factor de transmissão da COVID-19”, refere.
Precisamente
porque Singapura manteve registos tão detalhados de todos os casos, o país foi
capaz de aprender com a propagação interna. “As medidas evoluíram com a
compreensão de onde os casos vêm”, diz Teo, alertando que os países devem ser
cautelosos ao confiar a 100 por cento nas informações que temos hoje.
Por
exemplo, acreditar que as pessoas que recuperaram estão imunes a futuras
infecções, quando ainda não há a certeza de que é esse o caso.
O
problema da importação agora está a ser solucionado com todos os recém-chegados
enviados directamente para a quarentena e agora, com um pequeno número de
pessoas a entrar, o número de casos importados foi reduzido para um dígito nos
últimos dias.
Ademais,
na noite da passada terça-feira, Singapura aprovou uma nova lei que, embora não
use o termo, é efectivamente uma quarentena nacional parcial. Todos estão
proibidos de deixar as suas casas, excepto para actividades e exercícios
essenciais, e há multas de até 7000 dólares americanos ou seis meses de prisão.
Teo
diz que isso será eficaz e enfatiza que, embora possa ainda haver um aumento no
número a curto prazo, “é um reflexo do que aconteceu nos últimos sete dias; não
significa que as medidas tomadas não estejam a funcionar”.
Lição sobre igualdade social
O
mais alarmante aumento exponencial na semana passada ocorreu na população de
trabalhadores migrantes: centenas de milhares de homens de países mais pobres
empregados nos sectores de construção, transporte e manutenção. Singapura
depende inteiramente desses trabalhadores para manter a sua economia a
funcionar, mas são empregos em que o distanciamento social é quase impossível.
Além
disso, a lei exige que os trabalhadores morem em dormitórios – instalações
privadas que abrigam até 12 homens por quarto, com casa de banho, cozinha e
serviços partilhados.
Parece
quase inevitável que esses quartos se transformem em bolsas de contágio, e de
facto isso aconteceu: quase 500 casos foram confirmados em vários grupos de
dormitórios. Só um deles foi responsável por 15% de todos os casos no país.
O
ministro de Desenvolvimento Nacional, Lawrence Wong, disse na quinta-feira que,
se soubesse antes da rapidez com que o vírus poderia se espalhar, “teria feito
as coisas de maneira diferente”. Mas, muitos trabalhadores continuaram nos seus
empregos, apesar de apresentarem sintomas e há receio que esta próxima semana
os números tenham uma explosão.
Teo
diz que o que aconteceu nos dormitórios “é uma indicação do que acontecerá
noutros países, principalmente nos países de baixos rendimentos e com menos
recursos”. “Países do sul da Ásia, sudeste da Ásia e partes da África… existem
muitas comunidades onde as condições de vida são muito semelhantes às das
pessoas que vivem nos dormitórios em Singapura”, frisa.
Por
isso, pede que todos os governos olhem para os seus países com “uma lente
franca e transparente” em termos do que podem fazer para “minimizar o risco de
um surto incontrolável onde as pessoas moram muito próximas”.
O
professor Li Yang Hsu, também da Escola de Saúde Pública Saw Swee Hock, diz que
há uma lição sobre igualdade social: “O vírus tem sido muito eficiente em
destacar as fraquezas de nossas sociedades, e esse é certamente o caso das
comunidades de trabalhadores migrantes”, explica ele.
Os
dormitórios estão acima de todos os padrões internacionais de espaço por
morador, diz Hsu, mas uma situação como esta “apenas mostra que [os padrões]
são inadequados”.
“Talvez
um país de altos rendimentos como Singapura possa e deva fazer melhor para
proteger a saúde e melhorar o bem-estar das pessoas que são tão cruciais para a
nossa sociedade”, diz.
Mais
de 24 mil trabalhadores estão agora confinados nos seus dormitórios, com
pagamento integral e refeições garantidas.
O
governo diz que também está a fazer testes de forma “agressiva” e começou a
transferir alguns residentes sem vírus para casas vazias ou campos do Exército
para tentar reduzir a densidade.
Comparando
dormitórios com navios de cruzeiro que geraram grandes surtos de infecção em
todo o mundo, o grupo de defesa “Transient Workers Count Too” também chamou
isso de “uma estratégia arriscada”, alegando que a “taxa de infecção em
dormitórios poderia aumentar drasticamente” e pediu medidas urgentes para
proporcionar melhores acomodações.
A
ministra de Recursos Humanos, Josephine Teo, prometeu elevar os padrões nos
dormitórios em geral, dizendo que essa era “a coisa certa a fazer”.
Isso prova que o vírus não pode ser contido?
Apesar
das sinalizações de que a chegada da quarentena parcial foi muito lenta, o
professor Fisher diz que Singapura até agiu muito mais cedo do que outros
países, enquanto o número de casos eram de apenas 100 por dia. Mas, para que o
confinamento seja eficaz, acha que têm que acontecer três coisas.
Antes
de tudo, que a transmissão seja detida, o que acontecerá se todos ficarem em
casa; depois que o sistema de saúde tenha tempo e espaço para se recuperar –
para libertar leitos e para que os trabalhadores da saúde possam tirar folgas;
finalmente preparar todos os sistemas, todas as instalações de isolamento, a
capacidade de quarentena, as leis e o rastreamento de contactos. “Se se fizer
apenas um ou dois e depois acabar novamente com a quarentena novamente, a
história vai repetir-se”, avisa.
Nesse
aspecto, Singapura tem melhores condições, pois ao contrário do Reino Unido e
dos Estados Unidos, por exemplo, o seu sistema de saúde não foi sobrecarregado.
Também
tem um partido político completamente dominante e meios de comunicação
complacentes, mas o professor Dale diz que, mesmo com “mensagens claras para
uma comunidade que confia no governo”, está preocupado que “o cidadão comum
ainda não entenda a importância do seu papel individual”. “Provavelmente dizem
‘sim, Singapura deve fazer isso, mas eu vou visitar a minha mãe’”.
Nos
primeiros dois primeiros dias das novas regras, mais de 10 mil advertências
foram emitidas por violações de quarentena, como sentar-se para comer em vez de
levar comida para casa ou socializar em espaços públicos.
Todos
os países estão à procura de sinais de esperança, mas a lição de Singapura é
que não há espaço para complacência e que todos os países devem estar
preparados para enfrentar uma segunda e possivelmente uma terceira ou quarta
onda de infecção.
Teo
diz que, se os casos relatados de coronavírus no mundo são um reflexo justo de
sua verdadeira propagação, “muitos países ainda têm uma oportunidade de
realmente tentar preparar-se”, cercando as suas comunidades mais vulneráveis ou
superlotadas e “tentando conter os que têm a doença e interagem com as
comunidades”.
“Só
posso dizer que o mundo precisa olhar para Singapura com muita clareza,
principalmente na questão dos dormitórios, e começar a explorar o que está a
acontecer”, apela.
“Precisamos
começar a preparar o mundo. Mesmo na Europa e nas Américas, existem comunidades
onde as pessoas moram muito próximas. O que acontecerá quando a COVID-19 entrar
nesses lugares?”. In “Jornal Tribuna de Macau” – Macau com “Agências Internacionais”
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