Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Singapura - Regresso do coronavírus à cidade “exemplo” no combate à doença

Singapura estava a dar lições ao mundo sobre como lidar com o surto de COVID-19, a doença causada pelo coronavírus, mas nos últimos dias, o número de casos confirmados disparou, a maioria dos quais vieram de acomodações para trabalhadores migrantes densamente povoadas. Especialistas acham que há lições importantes a tirar pelos países mais pobres



Singapura teve o seu primeiro caso do novo coronavírus muito cedo. Foi um turista chinês que chegou de Wuhan no dia 23 de Janeiro, no mesmo dia em que o epicentro do vírus naquela época foi colocado em quarentena total.

Quando a doença causada pelo vírus recebeu o nome oficial, COVID-19, já se tinha espalhado pela população da Cidade-Estado. Mas as autoridades avançaram com uma resposta bem ensaiada. Além de controlos sanitários nos aeroportos, o governo realizou testes exaustivos em cada caso suspeito, localizou qualquer pessoa que tivesse entrado em contacto com um caso confirmado e mandou isolar esses contactos em casas.

O Ministério de Saúde de Singapura criou uma equipa de investigadores de possíveis pessoas infectadas e o director da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse que se tinha estabelecido “um bom exemplo de abordagem”.

Durante semanas, Singapura conseguiu manter os seus números baixos e rastreáveis, com apenas pequenos grupos facilmente contidos, sem restrições reais à vida quotidiana.

O professor Dale Fisher, presidente da Rede Global de Alerta e Resposta a Surtos da OMS e professor da Universidade Nacional de Singapura, disse então à BBC que sempre que ouvia pessoas dizerem que a Cidade estava bem, ele respondia: “Até agora”. “É uma doença realmente difícil de conter”, salientou. 

Quando as coisas começaram a piorar?

O sistema funcionou até meados de Março, referiu o professor Yik-Ying Teo, professor da Escola de Saúde Pública Saw Swee Hock, em Singapura. Foi então que, à medida que a gravidade da situação se mostrou evidente em todo o mundo, que os países começaram a instar os seus cidadãos a retornarem ao país. Milhares voltaram para Singapura de lugares onde governos não haviam sido tão proactivos, incluindo mais de 500 pessoas que inadvertidamente trouxeram o vírus com elas.

Até então, os retornados eram obrigados a ficar em casa por duas semanas, mas as autoridades disseram que outras pessoas poderiam continuar com as suas vidas desde que ninguém apresentasse nenhum sintoma.

Embora novos casos estivessem em ascensão, em meados de Março já havia dezenas por dia. A maioria foi importada ou vinculada a casos importados, mas pela primeira vez nem todos os casos domésticos passaram a ser facilmente rastreáveis.

O professor Teo diz que agora é fácil dizer que foi um erro não limitar as interacções de quem retornava, mas recorda que, na realidade, “agora sabemos muito mais sobre a doença em comparação com o que se sabia em Março”. “Agora sabemos que a propagação assintomática é inteiramente possível: isso acontece e pode ser o principal factor de transmissão da COVID-19”, refere.

Precisamente porque Singapura manteve registos tão detalhados de todos os casos, o país foi capaz de aprender com a propagação interna. “As medidas evoluíram com a compreensão de onde os casos vêm”, diz Teo, alertando que os países devem ser cautelosos ao confiar a 100 por cento nas informações que temos hoje.

Por exemplo, acreditar que as pessoas que recuperaram estão imunes a futuras infecções, quando ainda não há a certeza de que é esse o caso.

O problema da importação agora está a ser solucionado com todos os recém-chegados enviados directamente para a quarentena e agora, com um pequeno número de pessoas a entrar, o número de casos importados foi reduzido para um dígito nos últimos dias.

Ademais, na noite da passada terça-feira, Singapura aprovou uma nova lei que, embora não use o termo, é efectivamente uma quarentena nacional parcial. Todos estão proibidos de deixar as suas casas, excepto para actividades e exercícios essenciais, e há multas de até 7000 dólares americanos ou seis meses de prisão.

Teo diz que isso será eficaz e enfatiza que, embora possa ainda haver um aumento no número a curto prazo, “é um reflexo do que aconteceu nos últimos sete dias; não significa que as medidas tomadas não estejam a funcionar”.

Lição sobre igualdade social

O mais alarmante aumento exponencial na semana passada ocorreu na população de trabalhadores migrantes: centenas de milhares de homens de países mais pobres empregados nos sectores de construção, transporte e manutenção. Singapura depende inteiramente desses trabalhadores para manter a sua economia a funcionar, mas são empregos em que o distanciamento social é quase impossível.

Além disso, a lei exige que os trabalhadores morem em dormitórios – instalações privadas que abrigam até 12 homens por quarto, com casa de banho, cozinha e serviços partilhados.

Parece quase inevitável que esses quartos se transformem em bolsas de contágio, e de facto isso aconteceu: quase 500 casos foram confirmados em vários grupos de dormitórios. Só um deles foi responsável por 15% de todos os casos no país.

O ministro de Desenvolvimento Nacional, Lawrence Wong, disse na quinta-feira que, se soubesse antes da rapidez com que o vírus poderia se espalhar, “teria feito as coisas de maneira diferente”. Mas, muitos trabalhadores continuaram nos seus empregos, apesar de apresentarem sintomas e há receio que esta próxima semana os números tenham uma explosão.

Teo diz que o que aconteceu nos dormitórios “é uma indicação do que acontecerá noutros países, principalmente nos países de baixos rendimentos e com menos recursos”. “Países do sul da Ásia, sudeste da Ásia e partes da África… existem muitas comunidades onde as condições de vida são muito semelhantes às das pessoas que vivem nos dormitórios em Singapura”, frisa.

Por isso, pede que todos os governos olhem para os seus países com “uma lente franca e transparente” em termos do que podem fazer para “minimizar o risco de um surto incontrolável onde as pessoas moram muito próximas”.

O professor Li Yang Hsu, também da Escola de Saúde Pública Saw Swee Hock, diz que há uma lição sobre igualdade social: “O vírus tem sido muito eficiente em destacar as fraquezas de nossas sociedades, e esse é certamente o caso das comunidades de trabalhadores migrantes”, explica ele.

Os dormitórios estão acima de todos os padrões internacionais de espaço por morador, diz Hsu, mas uma situação como esta “apenas mostra que [os padrões] são inadequados”.

“Talvez um país de altos rendimentos como Singapura possa e deva fazer melhor para proteger a saúde e melhorar o bem-estar das pessoas que são tão cruciais para a nossa sociedade”, diz.

Mais de 24 mil trabalhadores estão agora confinados nos seus dormitórios, com pagamento integral e refeições garantidas.

O governo diz que também está a fazer testes de forma “agressiva” e começou a transferir alguns residentes sem vírus para casas vazias ou campos do Exército para tentar reduzir a densidade.

Comparando dormitórios com navios de cruzeiro que geraram grandes surtos de infecção em todo o mundo, o grupo de defesa “Transient Workers Count Too” também chamou isso de “uma estratégia arriscada”, alegando que a “taxa de infecção em dormitórios poderia aumentar drasticamente” e pediu medidas urgentes para proporcionar melhores acomodações.

A ministra de Recursos Humanos, Josephine Teo, prometeu elevar os padrões nos dormitórios em geral, dizendo que essa era “a coisa certa a fazer”.

Isso prova que o vírus não pode ser contido?

Apesar das sinalizações de que a chegada da quarentena parcial foi muito lenta, o professor Fisher diz que Singapura até agiu muito mais cedo do que outros países, enquanto o número de casos eram de apenas 100 por dia. Mas, para que o confinamento seja eficaz, acha que têm que acontecer três coisas.

Antes de tudo, que a transmissão seja detida, o que acontecerá se todos ficarem em casa; depois que o sistema de saúde tenha tempo e espaço para se recuperar – para libertar leitos e para que os trabalhadores da saúde possam tirar folgas; finalmente preparar todos os sistemas, todas as instalações de isolamento, a capacidade de quarentena, as leis e o rastreamento de contactos. “Se se fizer apenas um ou dois e depois acabar novamente com a quarentena novamente, a história vai repetir-se”, avisa.

Nesse aspecto, Singapura tem melhores condições, pois ao contrário do Reino Unido e dos Estados Unidos, por exemplo, o seu sistema de saúde não foi sobrecarregado.

Também tem um partido político completamente dominante e meios de comunicação complacentes, mas o professor Dale diz que, mesmo com “mensagens claras para uma comunidade que confia no governo”, está preocupado que “o cidadão comum ainda não entenda a importância do seu papel individual”. “Provavelmente dizem ‘sim, Singapura deve fazer isso, mas eu vou visitar a minha mãe’”.

Nos primeiros dois primeiros dias das novas regras, mais de 10 mil advertências foram emitidas por violações de quarentena, como sentar-se para comer em vez de levar comida para casa ou socializar em espaços públicos.

Todos os países estão à procura de sinais de esperança, mas a lição de Singapura é que não há espaço para complacência e que todos os países devem estar preparados para enfrentar uma segunda e possivelmente uma terceira ou quarta onda de infecção.

Teo diz que, se os casos relatados de coronavírus no mundo são um reflexo justo de sua verdadeira propagação, “muitos países ainda têm uma oportunidade de realmente tentar preparar-se”, cercando as suas comunidades mais vulneráveis ou superlotadas e “tentando conter os que têm a doença e interagem com as comunidades”.

“Só posso dizer que o mundo precisa olhar para Singapura com muita clareza, principalmente na questão dos dormitórios, e começar a explorar o que está a acontecer”, apela.

“Precisamos começar a preparar o mundo. Mesmo na Europa e nas Américas, existem comunidades onde as pessoas moram muito próximas. O que acontecerá quando a COVID-19 entrar nesses lugares?”. In “Jornal Tribuna de Macau” – Macau com “Agências Internacionais”

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