Os noruegueses começaram a aliviar o confinamento obrigatório,
os suecos não o chegaram a impor. Com a pandemia ainda longe do fim, uma
portuguesa em Oslo e um sueco a viver no norte do país explicam ao Contacto
como tem sido o impacto na vida das populações em países vizinhos com
abordagens tão diferentes para travar o vírus
Clara
Bernardino voltou na passada segunda-feira ao emprego. Tal como no Luxemburgo,
na Noruega o desconfinamento começou no início da semana. A ótica em que
trabalha foi um dos setores autorizados a reabrir nesta fase inicial do
processo gradual de retoma da economia, numa pandemia ainda sem fim a vista. E
a portuguesa de 31 anos, que vive em Oslo há mais de seis, não esconde a
satisfação com este regresso a uma certa normalidade. “Estou bem mais contente
do que imaginei estar”, confessa ao Contacto.
Apesar
de se sentir satisfeita por poder “ir às compras com menos preocupação”, Clara,
que saía uma vez por dia de casa, admite que as normas no país permitiram aos
cidadãos uma liberdade controlada, durante o confinamento, e que isso levou a
uma transição mais contida para esta nova fase. “Como nunca me senti muito
presa cá e por ser possível ir à rua durante a quarentena (desde que sozinha ou
mantendo a distância de segurança entre amigos), não foi o êxtase como acho que
será em Portugal”, exemplifica a técnica de oftalmologia, natural de Leiria.
No
número de testes de diagnóstico por milhão de habitante a distância entre os
dos países encurta-se mais. A Noruega é o país europeu que faz mais testes por
população. Essa capacidade fez com que o país escandinavo revisse em baixa a
média de contágio de cada indivíduo. “Uma pessoa estava a contaminar 0,7”. Com
“o vírus controlado”, como disse a primeira-ministra, Erna Solberg, a Noruega
decidiu aliviar as restrições antes do final de abril. Esta semana abriram as
creches, na próxima deverão seguir-se outros níveis de ensino. O mesmo acontece
com alguns serviços não essenciais.
A
Noruega estava em confinamento desde a segunda quinzena de março. O anuncio foi
feito a 12 desse mês e a notícia da entrada em lockdown apanhou Clara
Bernardino a quilómetros de distância. “Lembro-me que eles disseram que iam
fechar as fronteiras a partir do dia 16, eu estava fora do país e então tinha
de tentar voltar o mais depressa possível”.
Noruegueses
e residentes continuaram a poder entrar, à semelhança do que foi acontecendo
noutros estados europeus, submetendo-se a uma quarentena preventiva de 14 dias
em casa.
Na
primeira semana que se seguiu ao anúncio do governo norueguês, Clara lembra que
havia algumas informações contraditórias e confusão nas pessoas sobre os
comportamentos e procedimentos que deviam passar a seguir. Foi logo nessa
semana que uma série de setores de atividade considerados não essenciais também
encerraram. Entre eles incluía-se o ramo das óticas, em que trabalha.
“Mantiveram
abertas lojas, como supermercados, e houve muita gente que passou a trabalhar
de casa. Se fosse possível o teletrabalho era quase obrigatório fazê-lo”,
ilustra. Nas áreas em que isso não fosse possível, como a sua, os trabalhadores
entraram numa espécie de licença pagam entre os 60% e os 100% do ordenado.
Na
Noruega, a circulação de pessoas na rua não foi tão restringida como noutros
países europeus. “Mesmo quem estava de quarentena podia sair à rua, tinha era
de ir sozinho e manter sempre a distância de segurança mínima em relação a
terceiros.” Entretanto, a medida foi sendo flexibilizada acompanhando a
evolução positiva do controlo da covid-19 no país. Assim, lembra Clara, no dia
28 março o estado passou a permitir que “um máximo de duas pessoas” passeasse
no exterior. “Agora também já se podem juntar-se até um máximo de cinco
pessoas, desde que mantendo a distância de segurança e desde que não se esteja
em quarentena ou isolamento”, explica.
“Do
que tenho lido sobre o que se passa noutros países, como Portugal, parece-me
que na Noruega deram mais abertura às pessoas para saírem à rua, não proibiram
tanto”.
A via sueca para o coronavírus
Uma
flexibilidade que endurece quando comparada com a política da vizinha Suécia,
para fazer face à propagação do vírus. No contexto europeu, o país é o menos
restritivo, tendo apelado sobretudo a uma responsabilidade cívica da população,
mas mantendo abertos escolas e vários setores não essenciais da economia, como
restaurantes e cafés.
A
Suécia confiou na população para seguir instruções, em vez de as impor, pedindo
que observassem as regras de distanciamento social. A estratégia gerou polémica
entre especialistas do país, com médicos e cientistas a assinarem uma carta
aberta onde deixaram críticas e pediram “medidas rápidas e radicais”.
Contudo,
essa preocupação em relação às medidas aparentemente mais relaxadas do país
para fazer face à covid-19 não contará a história a toda. “Há recomendações
claras e insistentes. Se algo não é proibido, isso não significa que seja
permitido”, refere Michael Hardt, de 69 anos. O antigo professor universitário
reconhece que é difícil para quem vê de fora e até para residentes estrangeiros
no país entender algumas opções, mas defende que “não é verdade que tudo seja
permitido na Suécia” e que adotar regras rígidas pode não ser o melhor caminho.
“As pessoas que conheço praticam o distanciamento social por compreenderem a
necessidade, não por obedecerem à lei. Se virmos imagens de Berlim, há tantas
pessoas a infringir leis como as que na Suécia se comportam de forma
irrazoável.”
Michael
Hardt lembra que as pessoas idosas foram colocadas em quarentena numa fase
inicial da crise pandémica e estão isoladas dos netos, que podem propagar o
vírus sem saberem. “A Suécia tem tentado proteger e separar os grupos de alto
risco e espera conseguir a imunidade de grupo nos de baixo risco”, acrescenta.
Além
do afastamento dos mais idosos dos seus netos, argumenta-se, que o facto de na
Suécia muitas pessoas viverem sozinhas, contribui para que já se pratique o
distanciamento social. “Isso é verdade, e não é verdade”, contrapõe Michael
Hardt, que aponta antes questões como a distribuição demográfica do país.
“Metade da população sueca vive em zonas com uma densidade populacional muito
baixa. O município onde vivo tem 3,5 habitantes por quilómetro quadrado”.
Depois,
há os hábitos culturais, que comparando, por exemplo, com os dos povos latinos,
facilitam os atos de proteção sanitária. “Apertar a mão ou abraçar não é comum.
A distância de dois braços é vista como normal”. Ainda assim, refere,”o
ambiente urbano no sul [da Suécia] não é diferente do resto da Europa. Foi aqui
que se registou a maior parte das infecções”.
Michael
Hardt considera ter sido “um erro”, o governo sueco ter assumido que os hábitos
culturais rurais também se aplicariam a zonas urbanas multiculturais. “É triste
que, entre os habitantes não suecos, o número de pessoas infectadas seja
desproporcionalmente mais elevado”.
Sem
entrar em comparações de números com os países vizinhos, o antigo professor
universitário admite, porém, que a estratégia do seu possa não funcionar “nas
zonas urbanas em torno de Estocolmo, Gotemburgo ou Malmö. Aí o governo pode ter
cometido um erro. Mas é demasiado cedo para se chegar a um juízo final.”
Na
Noruega, apesar do número de pessoas que vive sozinha ser inferior ao do país
vizinho, cerca de um quinto da população está nessa condição e a distância
geográfica entre famílias também ajuda ao distanciamento. As semelhanças e
diferenças entre os dois países não impedem, contudo, que a abordagem sueca à
pandemia seja vista com alguma estranheza pelos noruegueses. “Eles falam muito
nisso”, diz Clara Bernardino, explicando que “criticam um pouco o facto de os
suecos terem continuado com as escolas abertas”.
O
número de casos e a letalidade acabam por entrar nas comparações, com a Noruega
a sair-se melhor – 7338 infetados e 187 mortos, face a 16 004 infetados e 1937
óbitos na Suécia (dados desta quinta-feira). E isso contribui para que a
estratégia do confinamento seja vista como mais eficaz. “Os noruegueses, de
certa forma, estão contentes com os seus resultados. E a Noruega tem um fundo
de petróleo e os noruegueses sempre disseram que tirariam do fundo o dinheiro
que fosse preciso para ajudar na economia.”
Por
outro lado, no fim de semana da Páscoa, em que nos dois países as pessoas têm
por tradição ir para as suas casas de campo, levaram os noruegueses a
questionar as suas próprias restrições, face à permissão concedida na Suécia.
“O Governo veio depois explicar que a razão da proibição dessa deslocação
visava evitar ocupar camas de hospitais, por pequenos acidentes na neve, por
exemplo, que pudessem ser necessárias para doentes com coronavírus. Queriam
manter o maior número de camas disponíveis”, sublinha.
A
imposição do confinamento populacional e de restrições à circulação é
entendida, um pouco por todo o mundo, como o melhor meio para proteger os
sistemas de saúde de entrarem em rutura, perante um crescimento exponencial de
casos de covid-19.
No
que se refere à capacidade dos hospitais da Suécia, perante a estratégia do
país, Michael Hardt não manifesta preocupações. “Até agora, tenho ideia de que
o sistema de saúde sueco está muito bem preparado e em alerta máximo. Tenho
estado em contacto com o nosso hospital e falei com alguns médicos. Eles estão
bem preparados e conscientes da gravidade da situação. O único problema parece
ser a falta de equipamento de protecção, mas isso não é diferente noutros
locais.”
O
novo coronavírus não trouxe grandes alterações à rotina de Michael Hardt, que
vive numa zona remota do norte da Suécia rural, com a mulher de 67 anos. Ainda
assim, passou a tomar algumas precauções. O abastecimento da casa foi reduzido
para “menos de uma vez por semana”, e, além da higiene das mãos, ele e a mulher
usam máscaras faciais e luvas sempre que vão à cidade. O casal também já não vê
os vizinhos há mais de um mês, e quando isso acontece tem o “cuidado de manter
uma distância de pelo menos dois metros”.
Só
as saudades da família parecem perturbar um pouco esta nova realidade.
“Infelizmente, tivemos de cancelar uma visita planeada aos nossos filhos e
netos que vivem na Alemanha e em França e não sabemos quando os veremos
novamente. Mas o Skype é uma ajuda valiosa”, conta Michael Hardt, que, apesar
de tudo, se sente feliz com a opção de viver no meio do campo. “Estamos numa
zona florestal remota em Västernorrland e somos absolutamente privilegiados.
Antes do coronavírus, os nossos amigos e familiares não compreendiam como se
podia viver tão isolado. Agora estão com inveja. Temos família no Grande Este
francês, onde a situação é realmente grave e é indispensável um encerramento
total. Mas aqui, no norte da Suécia, as coisas estão calmas.” Ana Tomás –
Luxemburgo in “Contacto”
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