Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Noruega e Suécia percursos diferentes para o combate à covid-19


Os noruegueses começaram a aliviar o confinamento obrigatório, os suecos não o chegaram a impor. Com a pandemia ainda longe do fim, uma portuguesa em Oslo e um sueco a viver no norte do país explicam ao Contacto como tem sido o impacto na vida das populações em países vizinhos com abordagens tão diferentes para travar o vírus



Clara Bernardino voltou na passada segunda-feira ao emprego. Tal como no Luxemburgo, na Noruega o desconfinamento começou no início da semana. A ótica em que trabalha foi um dos setores autorizados a reabrir nesta fase inicial do processo gradual de retoma da economia, numa pandemia ainda sem fim a vista. E a portuguesa de 31 anos, que vive em Oslo há mais de seis, não esconde a satisfação com este regresso a uma certa normalidade. “Estou bem mais contente do que imaginei estar”, confessa ao Contacto. 

Apesar de se sentir satisfeita por poder “ir às compras com menos preocupação”, Clara, que saía uma vez por dia de casa, admite que as normas no país permitiram aos cidadãos uma liberdade controlada, durante o confinamento, e que isso levou a uma transição mais contida para esta nova fase. “Como nunca me senti muito presa cá e por ser possível ir à rua durante a quarentena (desde que sozinha ou mantendo a distância de segurança entre amigos), não foi o êxtase como acho que será em Portugal”, exemplifica a técnica de oftalmologia, natural de Leiria.

No número de testes de diagnóstico por milhão de habitante a distância entre os dos países encurta-se mais. A Noruega é o país europeu que faz mais testes por população. Essa capacidade fez com que o país escandinavo revisse em baixa a média de contágio de cada indivíduo. “Uma pessoa estava a contaminar 0,7”. Com “o vírus controlado”, como disse a primeira-ministra, Erna Solberg, a Noruega decidiu aliviar as restrições antes do final de abril. Esta semana abriram as creches, na próxima deverão seguir-se outros níveis de ensino. O mesmo acontece com alguns serviços não essenciais.

A Noruega estava em confinamento desde a segunda quinzena de março. O anuncio foi feito a 12 desse mês e a notícia da entrada em lockdown apanhou Clara Bernardino a quilómetros de distância. “Lembro-me que eles disseram que iam fechar as fronteiras a partir do dia 16, eu estava fora do país e então tinha de tentar voltar o mais depressa possível”.

Noruegueses e residentes continuaram a poder entrar, à semelhança do que foi acontecendo noutros estados europeus, submetendo-se a uma quarentena preventiva de 14 dias em casa.

Na primeira semana que se seguiu ao anúncio do governo norueguês, Clara lembra que havia algumas informações contraditórias e confusão nas pessoas sobre os comportamentos e procedimentos que deviam passar a seguir. Foi logo nessa semana que uma série de setores de atividade considerados não essenciais também encerraram. Entre eles incluía-se o ramo das óticas, em que trabalha.

“Mantiveram abertas lojas, como supermercados, e houve muita gente que passou a trabalhar de casa. Se fosse possível o teletrabalho era quase obrigatório fazê-lo”, ilustra. Nas áreas em que isso não fosse possível, como a sua, os trabalhadores entraram numa espécie de licença pagam entre os 60% e os 100% do ordenado.

Na Noruega, a circulação de pessoas na rua não foi tão restringida como noutros países europeus. “Mesmo quem estava de quarentena podia sair à rua, tinha era de ir sozinho e manter sempre a distância de segurança mínima em relação a terceiros.” Entretanto, a medida foi sendo flexibilizada acompanhando a evolução positiva do controlo da covid-19 no país. Assim, lembra Clara, no dia 28 março o estado passou a permitir que “um máximo de duas pessoas” passeasse no exterior. “Agora também já se podem juntar-se até um máximo de cinco pessoas, desde que mantendo a distância de segurança e desde que não se esteja em quarentena ou isolamento”, explica.

“Do que tenho lido sobre o que se passa noutros países, como Portugal, parece-me que na Noruega deram mais abertura às pessoas para saírem à rua, não proibiram tanto”.



A via sueca para o coronavírus

Uma flexibilidade que endurece quando comparada com a política da vizinha Suécia, para fazer face à propagação do vírus. No contexto europeu, o país é o menos restritivo, tendo apelado sobretudo a uma responsabilidade cívica da população, mas mantendo abertos escolas e vários setores não essenciais da economia, como restaurantes e cafés.

A Suécia confiou na população para seguir instruções, em vez de as impor, pedindo que observassem as regras de distanciamento social. A estratégia gerou polémica entre especialistas do país, com médicos e cientistas a assinarem uma carta aberta onde deixaram críticas e pediram “medidas rápidas e radicais”.

Contudo, essa preocupação em relação às medidas aparentemente mais relaxadas do país para fazer face à covid-19 não contará a história a toda. “Há recomendações claras e insistentes. Se algo não é proibido, isso não significa que seja permitido”, refere Michael Hardt, de 69 anos. O antigo professor universitário reconhece que é difícil para quem vê de fora e até para residentes estrangeiros no país entender algumas opções, mas defende que “não é verdade que tudo seja permitido na Suécia” e que adotar regras rígidas pode não ser o melhor caminho. “As pessoas que conheço praticam o distanciamento social por compreenderem a necessidade, não por obedecerem à lei. Se virmos imagens de Berlim, há tantas pessoas a infringir leis como as que na Suécia se comportam de forma irrazoável.”

Michael Hardt lembra que as pessoas idosas foram colocadas em quarentena numa fase inicial da crise pandémica e estão isoladas dos netos, que podem propagar o vírus sem saberem. “A Suécia tem tentado proteger e separar os grupos de alto risco e espera conseguir a imunidade de grupo nos de baixo risco”, acrescenta.

Além do afastamento dos mais idosos dos seus netos, argumenta-se, que o facto de na Suécia muitas pessoas viverem sozinhas, contribui para que já se pratique o distanciamento social. “Isso é verdade, e não é verdade”, contrapõe Michael Hardt, que aponta antes questões como a distribuição demográfica do país. “Metade da população sueca vive em zonas com uma densidade populacional muito baixa. O município onde vivo tem 3,5 habitantes por quilómetro quadrado”.

Depois, há os hábitos culturais, que comparando, por exemplo, com os dos povos latinos, facilitam os atos de proteção sanitária. “Apertar a mão ou abraçar não é comum. A distância de dois braços é vista como normal”. Ainda assim, refere,”o ambiente urbano no sul [da Suécia] não é diferente do resto da Europa. Foi aqui que se registou a maior parte das infecções”.

Michael Hardt considera ter sido “um erro”, o governo sueco ter assumido que os hábitos culturais rurais também se aplicariam a zonas urbanas multiculturais. “É triste que, entre os habitantes não suecos, o número de pessoas infectadas seja desproporcionalmente mais elevado”.



Sem entrar em comparações de números com os países vizinhos, o antigo professor universitário admite, porém, que a estratégia do seu possa não funcionar “nas zonas urbanas em torno de Estocolmo, Gotemburgo ou Malmö. Aí o governo pode ter cometido um erro. Mas é demasiado cedo para se chegar a um juízo final.”

Na Noruega, apesar do número de pessoas que vive sozinha ser inferior ao do país vizinho, cerca de um quinto da população está nessa condição e a distância geográfica entre famílias também ajuda ao distanciamento. As semelhanças e diferenças entre os dois países não impedem, contudo, que a abordagem sueca à pandemia seja vista com alguma estranheza pelos noruegueses. “Eles falam muito nisso”, diz Clara Bernardino, explicando que “criticam um pouco o facto de os suecos terem continuado com as escolas abertas”.

O número de casos e a letalidade acabam por entrar nas comparações, com a Noruega a sair-se melhor – 7338 infetados e 187 mortos, face a 16 004 infetados e 1937 óbitos na Suécia (dados desta quinta-feira). E isso contribui para que a estratégia do confinamento seja vista como mais eficaz. “Os noruegueses, de certa forma, estão contentes com os seus resultados. E a Noruega tem um fundo de petróleo e os noruegueses sempre disseram que tirariam do fundo o dinheiro que fosse preciso para ajudar na economia.”

Por outro lado, no fim de semana da Páscoa, em que nos dois países as pessoas têm por tradição ir para as suas casas de campo, levaram os noruegueses a questionar as suas próprias restrições, face à permissão concedida na Suécia. “O Governo veio depois explicar que a razão da proibição dessa deslocação visava evitar ocupar camas de hospitais, por pequenos acidentes na neve, por exemplo, que pudessem ser necessárias para doentes com coronavírus. Queriam manter o maior número de camas disponíveis”, sublinha.

A imposição do confinamento populacional e de restrições à circulação é entendida, um pouco por todo o mundo, como o melhor meio para proteger os sistemas de saúde de entrarem em rutura, perante um crescimento exponencial de casos de covid-19.

No que se refere à capacidade dos hospitais da Suécia, perante a estratégia do país, Michael Hardt não manifesta preocupações. “Até agora, tenho ideia de que o sistema de saúde sueco está muito bem preparado e em alerta máximo. Tenho estado em contacto com o nosso hospital e falei com alguns médicos. Eles estão bem preparados e conscientes da gravidade da situação. O único problema parece ser a falta de equipamento de protecção, mas isso não é diferente noutros locais.”

O novo coronavírus não trouxe grandes alterações à rotina de Michael Hardt, que vive numa zona remota do norte da Suécia rural, com a mulher de 67 anos. Ainda assim, passou a tomar algumas precauções. O abastecimento da casa foi reduzido para “menos de uma vez por semana”, e, além da higiene das mãos, ele e a mulher usam máscaras faciais e luvas sempre que vão à cidade. O casal também já não vê os vizinhos há mais de um mês, e quando isso acontece tem o “cuidado de manter uma distância de pelo menos dois metros”.

Só as saudades da família parecem perturbar um pouco esta nova realidade. “Infelizmente, tivemos de cancelar uma visita planeada aos nossos filhos e netos que vivem na Alemanha e em França e não sabemos quando os veremos novamente. Mas o Skype é uma ajuda valiosa”, conta Michael Hardt, que, apesar de tudo, se sente feliz com a opção de viver no meio do campo. “Estamos numa zona florestal remota em Västernorrland e somos absolutamente privilegiados. Antes do coronavírus, os nossos amigos e familiares não compreendiam como se podia viver tão isolado. Agora estão com inveja. Temos família no Grande Este francês, onde a situação é realmente grave e é indispensável um encerramento total. Mas aqui, no norte da Suécia, as coisas estão calmas.” Ana Tomás – Luxemburgo in “Contacto”

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