Numa
altura em que todos estamos vulneráveis e com esperança de novos e bons dias, a
UCCLA lança o desafio aos escritores de Língua Oficial Portuguesa para
refletirem sobre a “Cultura em tempos de Pandemia”. Podem nos enviar textos
em poesia ou em prosa, até ao dia 25 de maio de 2020, que divulgaremos nas
nossas plataformas digitais e em livro. O primeiro a aceitar o desafio foi o
escritor cabo-verdiano José Luiz Tavares.
O
limite de caracteres é de 5000. Estes deverão ser enviados por email para
cultura@uccla.pt e/ou ruilourido@uccla.pt, até ao dia 25 de maio de 2020.
Texto
de José Luiz Tavares:
FINDA [Litania em tempos de coronavírus]
A que não aguentamos esperar vai nos ensinar.
In «Música do Futuro», Hans Magnus
Enzensberger
Depois, sim, que agora
estamos vivos.
Depois — quando o espirro
expirar.
Depois — quando tiveres
pó na goela.
Não agora — que agora
estamos vivos,
mesmo se nos interditam
a livre ciência do abraço.
Antes, sim, com os braços
portentosos.
Antes - sim – de o torpor
(n)os desemparelhar, com
uma vénia,
pois, sim senhor,
que nunca é cedo para o
terror
de, em campo aberto,
se desp(ed)ir do disfarce
da vida.
Depois, sim,
porque a catástrofe
caminha,
os monstros se desfazem
em ternurenta ladainha,
dizendo à vida
enclausurada
que não tarda a primavera,
mesmo se a morte
subterrânea
viaja pelo éter, e nas
florestas da alma
o som da peste mais do que
simples
rima a atafulhar,
sonolenta, os ouvidos
é um rude ininterrupto
canto.
Antes não, que te falta
a trela e o apito,
e a cara é sem rugas,
e a morte concorda
contigo,
e tudo é mão de amigo
mesmo se te espreita
o tempo inimigo.
Depois sim, que estar vivo
é cedo encarquilhar-se;
não, não agora, porque
estás
no imperscrutável
interior,
e desconheces o limite
ulterior,
e não sabes pedir por
favor
o socorro amplamente
sufragado.
Agora sim,
que é antes de toda a dor,
e ainda no corpo tens
tanta cor,
e sobe-te à boca
cento de sabores.
Mas ainda não ao grande
sim,
porque maravilha-te estar
aqui
(só mais um instantinho),
embora penses na mão da
eternidade
ou como é doce o
despenhamento.
Antes não
— porque há a verdade
que desconheces,
e porque verdadeiramente
nada sabes
tudo desejas devotamente.
Não ainda
— que os teus ossos
não sabem a alcatrão,
nem depois — que o
esqueleto
é pertença do patrão.
Não depois,
mas agora sim,
porque tens fogo nas
ventas,
mascas pó e polenta,
e o tempo inimigo te diz
que tudo se há de compor.
José Luiz Tavares nasceu a 10 de junho 1967, no Tarrafal, ilha de
Santiago, Cabo Verde. Estudou literatura e filosofia em Portugal, onde vive.
Entre 2003 e 2020 publicou catorze livros espalhados por Portugal, Brasil, Cabo
Verde, Moçambique e Colômbia. Recebeu uma dezena de prémios atribuídos em Cabo
Verde, Brasil, Portugal e Espanha. Não aceitou nenhuma medalha ou comenda, até
agora. Traduziu Camões e Pessoa para a língua cabo-verdiana. Está traduzido
para inglês, castelhano, francês, alemão, mandarim, neerlandês, italiano,
catalão, russo, galês, finlandês e letão. Sobrevive ao tempo do mundo sem estar
conectado a nenhuma rede social.
O
surto epidémico do COVI19 atinge, de forma inesperada e dramática, toda a
Humanidade, envolvendo a adoção de planos de contingência, também adotados por
Países de Língua Oficial Portuguesa, que determinam constrangimentos de
mobilidade exterior e distanciamento social no interior dos respetivos países.
Tem-se revelado como uma crise de saúde pública com graves consequências
sociais e económicas.
A
UCCLA não podia deixar de fazer um apelo à reflexão sobre o papel da cultura no
combate a esta Pandemia. Parecendo evidente que perante este flagelo, os povos
e os países se verão confrontados com novos desafios sociais e políticos, sobre
os quais importa refletir e encontrar novas respostas.
Neste
novo contexto o papel da Cultura, e em especial dos escritores, é determinante.
Assim lançamos o desafio aos escritores de Língua Oficial Portuguesa, que
desejem contribuir para essa reflexão, para elaborarem textos, quer em poesia
quer em prosa, tendo como limite cerca de 5.000 caracteres. Estes deverão ser
enviados por email (cultura@uccla.pt e ruilourido@uccla.pt), durante os
próximos dois meses, com termo no dia 25 de maio de 2020.
A
UCCLA responsabiliza-se por divulgar os textos, com identificação da autoria e
uma breve nota biográfica, nas suas plataformas digitais e em livro (a ser
publicado após o tratamento editorial). Vitor Ramalho - Secretário-Geral da
UCCLA
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