Destes
dias acompanhando as tantas projeções nos ecrãs do Festival Internacional de
Cinema de Locarno, na Suíça, resultam algumas observações gerais sobre os
filmes vistos nas principais mostras. Comentários mais detalhados virão mais
tarde, com mais tempo, mesmo depois de terminado o Festival.
A primeira impressão, e muito importante, é a de que o Festival de Locarno se mantém aberto e fiel à escolha de filmes envolvendo a discussão atualizada de temas sociais.
Logo
nos primeiros dias ficaram evidentes dois temas bem presentes: o da imigração
para a Europa e, no sentido inverso, o da emigração dos europeus no passado,
desta decorrendo a colonização. Veio primeiro o filme do cineasta Basil da
Cunha, Manga D´Terra, sobre os imigrantes cabo-verdianos em Portugal, abrindo a
discussão sobre a integração e acolhida desses imigrantes. A seguir, e no mesmo
dia, o filme Doces Sonhos (Sweet Dreams) co-produção holandesa-sueca, lançou a
sua história sobre a colonização holandesa na Indonésia, considerada uma das
mais violentas, descrita pelo escritor inglês de origem ucraniana, Josef Conrad
em alguns de seus livros.
Ainda
hoje, ficou repleta a sala onde o realizador Dani Rosenberg, o ator e o
produtor se encontraram com o público para entrevistas sobre o filme de Israel
na competição, O Soldado Desaparecido. O tema desse filme é inesperado, visto o
contexto de luta constante com os palestinos: a deserção de um soldado
israelense para ir se encontrar com a namorada, antes que ela deixe Israel e
emigre para o Canadá. Contarei como reagi junto a Dani Rosenberg, diretor do
filme, no encontro da equipe do filme com a imprensa, logo após sua projeção.
Até
aí já temos três bons filmes. Mas essa relação tão positiva continua.
Para
falar do próximo filme é preciso usar de uma digressão: no Brasil, entrar no
ITA ou na Politécnica não é fácil, imagino que em Portugal também, mas as
exigências, na França, feitas aos candidatos às chamadas Grandes Escolas (Ecole
Polytechnique, l'ESSEC, Centrale Supélec, Sciences Po Paris, Mines ParisTech)
são enormes, exigem praticamente um background cultural avançado, parecendo
serem formações universitárias reservadas à elite.
Talvez
por isso mesmo, o realizador suíço Frédéric Mermoud numa coprodução com a
França, filmou classes de jovens considerados da elite colegial francesa nos
cursos preparatórios para as grandes escolas. O filme "La Voie
Royale" discute, no fundo, se jovem mesmo sendo inteligente de alto QI,
excelente em matemática e ciência, mas sem pertencer à elite, e mulher, filha
de agricultores e criadores, pode aspirar entrar numa dessas Grandes Escolas.
Sim ou não? Voltaremos no próximo comentário do filme La Voie Royale, que se
traduz como via real, mas eu preferiria As Escolas da Realeza.
E,
de repente, surge um filme sem grandes pretensões mas com um roteiro único e
acho nunca visto: a intervenção de um espectador durante uma peça de teatro na
França, que interrompe o espetáculo e se propõe a escrever uma variante ao
texto representado pelos atores. É o filme francês Yannick, de Quentin Dupieux.
Vamos
ficando por aqui, acabo de sair de um filme ucraniano, Estepe, de Maryna Vroda,
que me parece com muita chance de ganhar o Leopardo de Ouro, o prêmio máximo do
Festival de Locarno. Ainda teremos um novo filme iraniano, cujo realizador foi
proibido de sair do Irã para vir a Locarno, tendo havido pressão para o filme
ser retirado da competição no Festival.
Trata-se
de Zona Crítica, de Ali Ahmadzadeh. O cinema iraniano vai merecer um meu longo
comentário com destaque especial. E agora mesmo, ao fazer a revisão deste
texto, depois de sair de outro filme surpreendente, Patagônia, da italiana
Simone Bozzelli, sobre uma relação homo sadomasoquista, não posso deixar de
pensar ser também um sério concorrente aos prêmios de direção e interpretação. Rui
Martins - Suíça
______________________
Rui Martins é
jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador
do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas,
que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos
emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da
corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto
Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do
Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de
Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de
Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso
de Lisboa, Correio do Brasil e RFI. Texto disponibilizado livremente.
Sem comentários:
Enviar um comentário