Alguns arquitectos de Macau reagem à necessidade de Macau em acelerar os esforços para implementar o Plano de Salvaguarda e Gestão do Centro Histórico. Segundo um projecto de decisão divulgado pela UNESCO e que o Jornal Tribuna de Macau deu a conhecer em artigo recente, a RAEM deve submeter o respectivo regulamento ao Centro do Património Mundial, com as revisões sugeridas pelo Conselho Internacional de Monumentos e Sítios. Alguns passos dados pelas autoridades locais nos últimos anos, têm sido elogiados pelo Comité do Património Mundial, mas este quer receber informações sobe vários estudos. Francisco Ricarte, Mário Duque e Maria José de Freitas dão a sua opinião sobre os últimos requisitos impostos pela UNESCO
Nos
últimos anos Macau tem lançado algumas medidas para preservar o Valor Universal
Excepcional (OUV, na sigla em inglês) do Centro Histórico, mas a UNESCO,
responsável pela implementação da Convenção do Património Mundial, considera
que alguns dos processos devem ser mais céleres. De entre esses processos está
o Plano de Salvaguarda e Gestão do Centro Histórico, que se arrasta desde 2014.
Um
projecto de decisão vai ser votado na 45ª sessão do Comité do Património
Mundial, agendada para o período entre 10 e 25 de Setembro próximo, em Riade,
capital da Arábia Saudita, e a China deverá submeter o novo documento para
análise dos órgãos consultivos. Isto tendo em consideração que o regulamento
administrativo sobre o Plano de Salvaguarda e Gestão “será revisto em
conformidade com o parecer técnico” do Conselho Internacional de Monumentos e
Sítios (ICOMOS).
Lançados
os dados para alguma reflexão, o Jornal Tribuna de Macau ouviu algumas opiniões
de arquitectos do território.
Francisco
Ricarte considera que, com a promulgação em 2005 do Centro Histórico de Macau
pela UNESCO a Património Mundial, “a cidade obteve um reconhecimento nacional e
internacional do seu significado”, importância histórica e cultural relevantes
e do património edificado existente, que “constituem factores decisivos para a
sua afirmação e identidade.
Contudo,
diz, tal distinção “acarretou – e acarretará ainda mais no futuro – passos
decisivos na sua conservação, reabilitação e valorização integrada”. São esses
passos que a Unesco e outros organismos de protecção cultural têm vindo,
naturalmente, a pedir e, mesmo, a “exigir à RAEM”.
O
arquitecto considera que o conceito de “salvaguarda do património” tem vindo a
evoluir desde a sua criação (ver a “Carta de Veneza”, 1964), passando de uma
abordagem essencialmente física – protecção dos monumentos e edifícios
singulares notáveis – “para uma visão mais integrada” abrangendo também “a
identidade dos espaços urbanos e as suas características sócio-económicas de
base”, como a população residente, as suas actividades económicas e
equipamentos de uso público, a sua acessibilidade, as redes de infraestruturas
de suporte, entre outros aspectos.
Reconhecendo
que a RAEM tem vindo, nas duas últimas décadas, a desenvolver um trabalho
consistente na identificação e classificação dos monumentos e edifícios
notáveis da cidade, e estabelecendo perímetros – tanto quanto possível
consistentes – de protecção da sua área envolvente imediata, Francisco Ricarte,
afirma que “é preciso ser mais ambicioso e atender a outros aspectos de
natureza social, económica e ambiental que promovam a reabilitação harmoniosa e
integrada da área”.
Acelerar medidas de protecção integrada
Na
linha do reivindicado pela UNESCO, prossegue o arquitecto, importa agora
“acelerar” as medidas de protecção integrada do Centro Histórico de Macau que
“acautelem também o que não é singular ou monumental”, como os edifícios
existentes de acompanhamento, as actividades económicas neles desenvolvidas, a
fixação dos seus habitantes e atracção de novos residentes, a sua
acessibilidade e a mobilidade urbanas.
Em
síntese, é de opinião que o Plano de Salvaguarda “deverá também proteger e valorizar
a vivência integrada do centro da cidade, evitando quer a sua sub-ocupação com
edifícios em degradação já sem ocupação viável, ou a sua sobre-utilização agora
que os fluxos turísticos voltaram, em massa, à cidade.”
O
Plano, que surge na sequência de outros, será “um dos instrumentos fundamentais
para conseguir o propósito de salvaguarda e reabilitação integrada do Centro
Histórico”. Não deverá, obviamente, ser o único instrumento, “mas ser
prosseguido por intervenções de pormenor quer de iniciativa da RAEM (Processo
de renovação urbana e de reabilitação do edificado, por exemplo), quer privada
sob sua orientação”.
Terá,
contudo, prossegue, “um papel decisivo no estabelecimento de regras base e
claras de utilização do espaço edificado e urbano existentes, dos edifícios a
salvaguardar e dos passíveis de alteração, do desenho das ruas e seu mobiliário
urbano de suporte, bem como de definir a potencial utilização dos espaços
“vazios” e logradouros existentes, das volumetrias possíveis para as novas edificações
e sua imagem arquitectónica geral”.
Neste
domínio é imprescindível ser elaborado um Regulamento “ponderado” e com
suficiente detalhe, “que dê resposta aos desafios e situações particulares que,
naturalmente, surgirão”.
O
arquitecto vai um pouco mais longe e expressa o seu ponto de vista sobre a
matéria dizendo que que o Plano de Salvaguarda “terá que ir muito mais além do
que abordar apenas aspectos físicos”. Como acima referido, “deverá avaliar e
ponderar medias de valorização social e humana da área de forma integrada”,
estipulando medidas de apoio aos seus residentes actuais e futuros, às
actividades económicas de suporte, designadamente as tradicionais, ou à
“criação de redes de equipamentos e serviços públicos fundamentais que
propiciem uma melhoria da qualidade de vida da área”.
Neste
aspecto, “dois dos desafios são enormes” e terão de ser abordados,
designadamente a “valorização do Ambiente e Eco-sistema da área e o controlo da
sua sobre-utilização por fluxos turísticos cada vez maiores”.
Francisco
Ricarte lembra que a visão integrada do Plano de Salvaguarda não se deverá
restringir ao seu limite territorial, que deverá ser o mais alargado quanto
possível, mas identificar ações e intervenções articuladas com áreas
adjacentes, como salientou a UNESCO, que deverão igualmente ser objecto de
planeamento de detalhe e valorização, como a envolvente Norte e Sul da Colina
da Guia, a Av. Rodrigo Rodrigues, a reabilitação e valorização integrada do
Porto Interior, entre outros.
Na
abordagem final, o arquitecto considera que o Plano de Salvaguarda do Centro
Histórico “será um instrumento decisivo que urge elaborar”, as suas propostas e
acções integradas serem discutidas publicamente, “e ser promulgado”. Cada dia
que passa torna-se mais “urgente e necessário”.
Concretização de raiz implica um esforço significativo
Mário
Duque deu igualmente ao JTM a sua opinião, começando por dizer que a demora na
concretização do Plano de Salvaguarda e Gestão do Centro Histórico não é muito
diferente do que se passou com o Plano Director da RAEM. “São diplomas no topo
da hierarquia das matérias que regulam, que se actualizam ocasionalmente, mas a
concretização de raiz implica um esforço muito significativo em reunir e tratar
sistematicamente conteúdos, de os enquadrar numa síntese com as orientações
necessárias e certas”.
Acrescenta
que “é ainda tarefa que se torna cada vez mais difícil à medida que o tempo
passa, as complexidades urbanas e económicas crescem, e proliferam as
intervenções mal-avisadas, mas consolidadas”.
O
arquitecto revela que a salvaguarda e a gestão do Centro Histórico da RAEM tem
sido possível através de considerações e de diplomas avulsos que têm valido
como medidas cautelares até à concretização do plano em vista, “mas sem a mesma
eficácia ou consequência de um Plano de Salvaguarda e Gestão que se espera
capaz de integrar e tratar todas as questões num único corpo”, completando o
que falta, reformando e revogando o que ficou obsoleto.
Por
isso, também à semelhança do que se passou com o Plano Director, muito
possivelmente o formato do Plano de Salvaguarda e Gestão do Centro Histórico
“será de início apenas as linhas geradoras dessa salvaguarda e gestão”, para
serem preenchidas com especificação de detalhe, “sendo essa a modalidade que se
afigura possível e desejável na impossibilidade de tratar toda a realidade”, e
para que a entrada em vigor de um plano não seja recorrentemente protelada.
Mário
Duque ressalva, no entanto, que existem “questões de articulação temática”,
nomeadamente com o Plano Director, “para o qual um Plano de Salvaguarda e
Gestão do Centro Histórico compreensivo, e não apenas uma estrutura de plano, é
já esperado e é necessário”, sem o qual “não é possível concretizar os planos
de pormenor”, para que a cidade deixe de ser “avisada e decidida avulsamente”.
Mesmo
assim, discorre o arquitecto, “a possibilidade de esse plano de salvaguarda ser
ainda num formato de intenções”, ou de uma estrutura para ser preenchida com
especificação de detalhe, “não significa que o mesmo não enuncie já os
princípios que orientem significativamente o que irá suceder”. As questões do
“impacto do desenvolvimento e da morfologia urbana” serão sempre aquelas que os
órgãos de fiscalização acompanharão pelas razões mais standard e mais
recorrentes.
Mário
Duque observa que as questões da interpretação pela qual se pauta a renovação
urbana, na qual se tomam posições respeitantes às características tipológicas
das edificações e do espaço urbano, e não apenas aos desenhos das fachadas,
abrindo assim espaço e conferindo sentido à interpretação, como motor de
actualização e de inovação do mesmo património, “já não será imposição dos
órgãos de supervisão”. “Seria antes a visão do plano”, diz.
No
remate final da sua análise, o arquitecto fecha com a frase: “Se se diz que
pela constituição que tens, dir-te-ei que país és, da mesma forma se pode dizer
qual é a pauta cultural de determinado lugar, a integração do seu património
histórico no quotidiano das suas gentes, e a forma como isso repercute no
estilo da vida, a partir dos princípios por que se norteia um plano de
salvaguarda para um centro histórico”.
É importante que permaneça a atmosfera única de Macau
Por
fim as declarações de Maria José de Freitas, ligada à área do património há
mais de 30 anos, não só em Macau, mas igualmente em Portugal. “O Plano de
Gestão para o Centro Histórico de Macau é urgente e a sua necessidade faz-se
sentir desde que o Centro Histórico, pelas caraterísticas que revela, foi
incluído na lista Classificada da UNESCO em 2005”, inicia assim a sua abordagem
ao tema que lhe propusemos comentar.
A
arquitecta refere que “mais tarde, em 2013, a Lei 11/2013 veio abordar
novamente esta situação – a promulgação do Plano de Gestão – como uma das
prioridades a concretizar para salvaguardar o património existente em Macau”.
E
cita alguns pontos importantes: “compete ao Instituto Cultural (IC) a
elaboração e execução do plano em cooperação com outros serviços públicos que,
no âmbito das respectivas competências, exerçam poderes relativos ao «Centro
Histórico de Macau», nomeadamente a Direcção dos Serviços de Solos, Obras
Públicas e Transportes (DSSOPT) e o Instituto para os Assuntos Municipais
(IAM)” – na altura IACM; “O plano de salvaguarda e gestão subordina-se ao
estabelecido na lei e às orientações da UNESCO, devendo conter medidas
específicas que garantam o uso sustentável do espaço em termos urbanos,
culturais e ambientais”.
Desde
então, continua Maria José de Freitas, “temos assistido ao adiamento sucessivo
da publicação do Plano de Gestão, o património vai sofrendo a consequência
dessa ausência e as situações são resolvidas de forma casuística”, sendo certo
que o Instituto Cultural tem zelado pela manutenção e cuidado dos bens
patrimoniais, no entanto, “a inexistência de um plano consagrado e aprovado”
torna a gestão “mais complexa, morosa e pouco transparente”. “As regras devem
estar definidas, devem ser claras e a população está ciente disso”, afirma.
A
UNESCO e o ICOMOS como entidades que cuidam da proteção patrimonial e sua
defesa de modo que seja possível a existência de legados com significado e
manutenção dos respetivos valores universais – Outstanding Universal Values
[OUV] – tem feito pressão nesse sentido, a vigilância é permanente como denotam
as sucessivas recomendações feitas ao longo dos últimos anos.
Aquela
que é actualmente membro do Conselho do Património Cultural, juntamente com
mais sete elementos, considera que a UNESCO e o ICOMOS como entidades que
cuidam da proteção patrimonial e sua defesa, “de modo que seja possível a
existência de legados com significado e manutenção dos respetivos valores
universais” – Outstanding Universal Values [OUV] – “tem feito pressão
nesse sentido, a vigilância é permanente, como denotam as sucessivas
recomendações feitas ao longo dos últimos anos”.
Maria
José de Freitas termina apontando que “em Macau as autoridades estão
conscientes dessa situação e em Pequim têm-se feito sentir os ecos desta
carência”, principalmente pela voz de associações patrimoniais locais,
“designadamente no caso da envolvente do Farol da Guia e volumetria das
construções a edificar nos novos aterros”.
Julgando
ser importante que os corredores visuais se mantenham e permitam a visualização
dos bens patrimoniais e considerando que é relevante que a atmosfera única de
Macau permaneça, a arquitecta faz votos para que os prometidos Plano de Gestão
e respectivo Regulamento sejam uma realidade em breve. Vitor Rebelo – Macau in “Jornal
Tribuna de Macau”
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