A língua portuguesa é a casa comum das duas comunicadoras que produzem vídeos para as redes sociais e que têm mais seguidores no estrangeiro do que no próprio país. Um acaso juntou ambas na capital chinesa
Uma
mostra nas redes sociais o melhor da cultura e gastronomia da China; a outra
também quer dar a conhecer o lado positivo do seu país, a Guiné-Bissau, mas sem
esquecer os temas sociais. Luana em Pequim e Tita Pipoka são influenciadoras
digitais que viveram em Portugal e têm em comum a língua com a qual chegam aos
seus seguidores.
A
reunião de ambas foi obra do acaso - e do governo chinês. O clique deu-se
durante um seminário para jornalistas de língua portuguesa, organizado pelo
Grupo de Comunicações Internacionais da China (CICG, sigla em inglês) e
patrocinado pelo Ministério do Comércio. Durante uma sessão em Pequim, Zhu
Jing, apresentadora (e revisora) em língua portuguesa da Rádio China
Internacional, explicava que o seu departamento teve de se adaptar ao vídeo já
depois da fusão que juntou a rádio e as televisões estatais chinesas no China
Media Group.
Além
de dar como exemplo trabalhos seus publicados na página em português da
emissora, onde é conhecida como Sílvia Zhu, mostrou a influenciadora da
estação, Luana em Pequim. De seu nome Shengyan Xing, os seus vídeos mostram
alguém que domina não apenas a arte da comunicação, seja em vídeos sobre
gastronomia, hábitos culturais ou tradições locais, mas onde também revela
dotes de representação e de canto, e onde mostra inclusive ter aprendido a
tocar instrumentos tradicionais chineses. A adaptação para o português do
Brasil de uma canção chinesa, Só a Lua, está a caminho de 10 milhões de
visualizações no YouTube.
A
curiosidade sobre esta solução comunicativa extra jornalística tinha sido
aguçada e Luana acabou por comparecer no seminário para falar sobre o seu
trabalho. Altura em que conheceu a guineense Telma Seidi, mais conhecida como
Tita Pipoka, e esta não perdeu a oportunidade para fazer um vídeo conjunto
sobre a gastronomia chinesa.
Além
da profissão, à chinesa Shengyan Xing e à guineense Telma Seidi une-as um
passado em Portugal. A guerra que eclodiu em 1998 no país africano motivou os
pais de Telma a mudarem-se para Portugal (embora também tenha vivido anos
depois em Inglaterra e na Noruega). Já Luana chegou a Portugal adulta, em 2013.
"Eu só aprendi um ano de português e fui para Portugal a saber só três
palavras: olá, adeus e obrigada. Mais nada", conta.
Uma
vez no nosso país, estudou na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da
Universidade Nova, em Lisboa, e no ano seguinte na Universidade de Aveiro. O
interesse pela cultura portuguesa e a evolução na aprendizagem foi tal que
chegou a cantar fado no Casino Estoril e na embaixada da China em Lisboa. Ao
terceiro ano, o falecimento do avô levou-a a regressar ao país natal, onde acabou
por permanecer.
Foi Cristiano Ronaldo quem motivou Luana, então aluna de
Comunicação em Pequim, a prosseguir a formação universitária em Portugal.
O
que a levou a interessar-se por estudar em Portugal? "Cristiano Ronaldo. É
lindo", diz entre risadas. "Fui ao estádio da Luz ver um jogo da
seleção de Portugal com ele. É muito conhecido na China, é uma grande estrela
para os chineses que adoram futebol. Por exemplo, para o meu sobrinho é um
ídolo." Apesar de não ser o desporto nacional chinês, acabou por regressar
ao mesmo estádio, anos depois, durante a lua-de-mel, porque o marido é
benfiquista.
"Os portugueses são muito simpáticos. Uma vez eu
perguntei onde fica o El Corte Inglés. Eu estava perto da Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas da Universidade Nova, ainda era longe, e a pessoa levou-me
até lá! Era como se estivesse em casa." Luana em Pequim
Já
Telma Seidi, na última vez que esteve em Portugal arrependeu-se. "Uma vez
senti-me frustrada, arrumei as minhas tralhinhas todas e voltei. Estive duas
semanas lá e perguntei o que estava a fazer." A ideia de regresso às
origens já vem de 2011, quando visitou o país durante as férias. Munida de um
"olhar muito diferente" da maioria dos guineenses, por ter vivido no
exterior, desde então sentia como missão regressar a casa. "Lembro-me da
primeira vez em que voltei à Guiné, não queria voltar. Para mim, a
simplicidade, não haver tantos prédios grandes, jogar à bola de pés descalços,
tudo isso foi impactante de forma positiva. Aprendi a ser mais simples, não
valorizar tanto o material", o que é o polo oposto da atenção dada ao lifestyle
e ao luxo nas publicações de Tita Pipoka.
Telma,
que tem de recorrer a "formas criativas de ganhar dinheiro", como a
publicidade, assessoria de comunicação para empresas e personalidades e um
negócio de venda de cabelo humano, para compor o que amealha enquanto
influenciadora, quer mostrar que "África tem potencial, e coisas bonitas
também, hotéis de cinco estrelas, bons restaurantes e por aí fora". Ao
mesmo tempo, Telma não esquece o ativismo social. É fundadora de uma
instituição, a Girls Power Guiné, dedicada ao "empoderamento
feminino", e a Rescue Dreams, para a inclusão digital. "Estou em todo
o lado, pode-se dizer."
"Às vezes o europeu ou o afrodescendente tem na
mente uma África muito pobrezinha, com as imagens mais tristinhas mostradas
pelas instituições. O meu objetivo é mostrar uma Guiné-Bissau positiva e
alargar para a CPLP, dar a conhecer uma outra realidade dos países." Tita
Pipoka
Em
todo o lado é o que se pode dizer dos seus seguidores, ao ter mais fãs em
Portugal, seguido de Angola, Guiné-Bissau e Brasil. "Acabo por agregar na
minha página todos os países da CPLP." Pela língua usada nos seus vídeos,
Luana também é mais seguida fora de portas, mas no seu caso são os fãs do
Brasil o seu maior público. Não por acaso Luana, que se estreou em 2018 à
frente das câmaras, tem vindo a fazer um esforço para adaptar o seu português
para o sotaque brasileiro, o que, diz "levou a perder muitos fãs
portugueses". César Avô – Portugal in “DN”
César Avô - cesar.avo@dn.pt
Os jornalistas do DN viajaram a convite da Embaixada da China
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