Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sábado, 5 de agosto de 2023

O SOL NO CAMINHO

A compilação de haicais de Sérgio Bernardo, que acabo de reler, ao cabo de dois anos, apresenta-se-me agora como um livro novo. Não poderia, portanto, estar mais de acordo com o conselho de Carlos Martins, que assina o prefácio de O SOL NO CAMINHO:

      “(…) a segunda leitura de um haicai, geralmente abre novas possibilidades de interpretação. Então, leitores, seu desejo por mais poemas pode se realizar ao relerem este mesmo livro (…)”. 


O livro contém cem haicais dispostos harmoniosamente pelas páginas e acompanhados por sóbrios desenhos a preto e branco de Olga Yamashiro (ilustradora e origamista), com silhuetas de pássaros e outros elementos da natureza, folhas, galhos, ramos e arbustos, sempre com traços finos e seguros, sombras e pontilhado. As imagens estão, como seria de se esperar, intimamente ligadas à temática predominante do livro (caraterística dos haicais originais), ou seja, a natureza.

O projeto gráfico assinado por Mariana Poli é muito agradável quanto ao formato (nada convencional), tamanho e tipo de letra, sem falar na própria disposição dos desenhos em relação ao texto. A foto de capa, da autoria de Sônia Brandão foi também uma escolha muito feliz.

“Dessas mexericas

Colho metade do pé ─

A outra é das aves”

Sérgio Bernardo louva a natureza praticamente em todos os textos. Minimalistas, exatos, precisos e suaves.   O autor contempla a natureza e nós contemplamos os haicais; o leitor vai encontrar muitas aves e insetos, pardais, pombos, canários, corujas, sanhaços, gaviões, morcegos, abelhas, mosquitos, mariposas, entre outros animais, aprender sobre fauna e flora brasileira, conhecer ou reconhecer espécies nativas e trazidas de outros pontos do globo.


O leitor não brasileiro vai certamente achar curiosos e engraçados certos nomes de aves e plantas com os quais não está familiarizado. Talvez até os conheça por outro nome: a ponte entre as várias designações é, necessariamente, a imagem.

Por exemplo, a viuvinha, pássaro presente em várias zonas do Brasil, assim como o canário-da-terra; o sabiá, considerado popularmente como a ave nacional do Brasil; o bico-de-lacre, originário da África subsaariana; a mosca-das-frutas, que tem muitas espécies nocivas para a fruticultura; as tarturanas, lagartas que podem libertar toxinas nocivas; os vaga-lumes, que eu conhecia sobretudo como pirilampos…

Nesta obra vamos também encontrar referências a muitas frutas, árvores e flores (quase lhes sentimos o cheiro e o sabor!) que fazem parte da nossa infância ou ambiente habitual, do nosso imaginário ou recordações. A ameixa, o ipê, a acácia, as bananas, a cerejeira, a nespereira, a orquídea, o milho, o cipreste e a palmeira, a dália, o hibisco, e a íris.

Mas há também outras plantas que podemos conhecer por outros nomes: a grama (relva), a palma de santa-rita (gladíolo), o flamboyant (acácia-rubra) ou os agapantos (flor do amor, de origem africana). Não se espante se passar por versos que falam de folhas de taioba, jabuticabeiras ou quaresmeiras: algumas destas árvores ou arbustos são nativas do Brasil, outras podem ter sido lá introduzidas em diferentes momentos.

Como curiosidade, saiba o leitor que o autor, na sua dedicatória, menciona explicitamente a principal fonte de inspiração para o livro: 

“Para Seu Francisco (em memória), cujo quintal, vizinho ao meu,

Inspirou grande parte destes haicais.”.

Então, veja bem tudo aquilo que o haijin Sérgio Bernardo nos oferece através dos seus haicais: ele dá-nos, para além de imagens suaves e poderosas, a possibilidade de uma nova familiaridade com a terra e algumas chaves do diálogo com o planeta.

Sobre a forma poética haicai, Regina Alonso, autora do posfácio, relembra que se trata de um “poema de 17 sílabas em 3 versos (5/7/5)”. E acrescenta, sobre a presente obra:

“(…) Sem hermetismos, numa linguagem simples, os haicais de Sérgio Bernardo seguem a última lição de Bashô a seus discípulos: que eles não compusessem haicais de forma muito rígida, pois ‘a flor do haicai está na frescura de sua escrita’(…)”.

Concordo com esta análise, posto que o autor cumpre a essência e o espírito do haicai, essa forma poética breve de origem japonesa que ganhou o mundo e que o mundo ganhou também. A esse propósito recordo que muitos autores de várias origens continuam a dedicar-se a homenagear e expandir o haicai. Jorge Luis Borges é um ilustre exemplo: após uma viagem ao Japão, publicou vários haicais que reuniu no livro La cifra, em 1981.

Vejamos outros temas também abordados por Sérgio Bernardo:

Sociedade

“Casa demolida ─

Como toda a família

Marimbondos sem teto”

A presença humana e o quotidiano

“Do ipê  caem flores ─

O varredor só vê lixo

Onde vejo o belo”

Serenidade

“Manhã silenciosa ─

Quase é possível ouvir

o arrastar das nuvens”

No posfácio de Regina Alonso (O caminho do haicai), ela refere-se ao autor nestes termos:

“(…) Leio os haicais de Sérgio Bernardo e descubro um haicaísta de fato. Seus haicais querem dizer, exatamente, o que dizem (…)”.

Creio que para opinar sobre uma forma poética tão sintética, depurada, breve, faz sentido que economizemos as palavras, cingindo-nos ao essencial. Por isso sublinho que O SOL NO CAMINHO é um livro de grande merecimento para quem começa a saborear o haicai e para quem já tem alguma rodagem como leitor desta forma poética. Luísa Fresta – Portugal

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Título: O SOL NO CAMINHO; Autor: Sérgio Bernardo; Editora: selo Off Flip ©; Ano de publicação: 2019; Género literário: Haicai; Número de páginas: 139. Sérgio Bernardo é cronista, poeta e haicaísta que entende como poucos o ofício de um escritor, seja em prosa ou em verso. Nome artístico de Sérgio Corrêa Miranda Filho, jornalista, poeta, contista, cronista e haijin.

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Luísa Fresta - Portuguesa e angolana, viveu a maior parte da sua juventude em Angola, país com o qual mantém laços familiares e culturais; reside em Portugal desde 1993.

Publicou em 2012/13 uma série de crónicas sobre as décadas de 70/80 da vida em Luanda, através do Jornal Cultura - Jornal Angolano de Artes e Letras com o qual colaborou regularmente até 2015 e publicou também pontualmente em diversas revistas on-line (a moçambicana Literatas e as brasileiras Samizdat e Subversa).

Escreve regularmente desde 2013 no portal O Gazzeta, coordenado por Germano Xavier e desde 2014 publica prosa e poesia no portal Entrementes - Revista Digital de Cultura. Desde 2016 escreve também no jornal digital Artes&Contextos.

Sobre cinema (essencialmente lusófono e africano francófono) mantém participações episódicas através de artigos de opinião no site de crítica de cinema Africiné, portal BUALA, revista Awotele, e manteve, até 2015, duas colunas na revista METROPOLIS intituladas: A 7ª arte em África e Filmes da lusofonia. Em 2016 integrou o júri do comité de pré-seleção da representação pan-africana do Festival l'Arbre d'Or (filmes documentários- Gorée/ Senegal).

Prémios e principais antologias:

1998- Portugal: concurso de contos curtos "Expo 98 palavras" (texto Crime, publicado juntamente com cerca de outros 100);

2013- Brasil: 2º lugar no 9º concurso online – II Prêmio Licinho Campos de Poesias de Amor (poema Soneto do Amor no Feminino); 2º prémio no 1º Concurso Internacional de Literatura de Alacib, (na categoria crónica, com Outros Campeonatos);

2014- Brasil: o poema Talvez foi considerado um dos melhores 50 apresentados a concurso e incluído numa coletânea publicada pela Academia Jacarehyense de Letras, promotora do 8º Festival Internacional de Sonetos;

2015- Brasil: crónica Luanda, aliás «São Paulo da Assunção de Loanda» incluída numa coletânea editada pela Casa do Poeta Brasileiro de Praia Grande-SP;

2016- Portugal: integrou, juntamente com sete outros autores, uma antologia solidária dedicada ao tema da saúde mental, intitulada "Mens Sana" (com o conto O papel de Aurélie), editada pela Livros de Ontem;

2018- Brasil: 1º prémio de crónica internacional no 2º Varal Literário da Câmara Municipal de Divinópolis com o texto Eu quero a panela grande;

2019- Angola: participou numa antologia em homenagem ao poeta João Tala intitulada "Nós e a Poesia" editada pelas Edições Handyman; Portugal: integrou uma antologia poética intitulada "Templo de Palavras", com o selo da Editorial Minerva e coordenação literária a cargo do poeta e escritor Delmar Maia Gonçalves; Brasil: 1º prémio de crónica internacional no 3º Varal Literário da Câmara Municipal de Divinópolis com o texto Os caminhos ínvios da escrita; Cabo Verde: participou na antologia solidária "Mulheres e Seus Destinos", organizada por Yara dos Santos e Lena Marçal.

2020- Portugal: colaborou no projeto LER&CONTAR (contos infantis/ infanto-juvenis para colecionar), criado por Glória de Sousa, Tomás Gavino Coelho e Samuel Rego, com o conto O organizador de bichas, uma história de guerra. Trata-se de uma iniciativa pro bono, com textos de doze autores angolanos.

Obras da autora:

49 Passos/ Entre os Limites e o Infinito (poesia), Chiado Editora, 2014

Contexturas (contos, baseados em quadros de Armanda Alves, co-autora), Livros de Ontem, 2017

Março entre meridianos (poesia, 1º prémio "Um Bouquet de Rosas para Ti"), MAAN, 2018

Março entre meridianos (reedição), Livros de Ontem, 2019

A Fabulosa Galinha de Angola (infantojuvenil), Editorial Novembro, 2020

Sapataria e outros caminhos de pé posto (contos), Editorial Novembro, 2021

Burro, sim senhor! (infantojuvenil), Editorial Novembro, 2021    


 




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