A
compilação de haicais de Sérgio Bernardo, que acabo de reler, ao cabo de dois
anos, apresenta-se-me agora como um livro novo. Não poderia, portanto, estar
mais de acordo com o conselho de Carlos Martins, que assina o prefácio de O SOL
NO CAMINHO:
“(…) a segunda leitura de um haicai, geralmente abre novas possibilidades de interpretação. Então, leitores, seu desejo por mais poemas pode se realizar ao relerem este mesmo livro (…)”.
O
livro contém cem haicais dispostos harmoniosamente pelas páginas e acompanhados
por sóbrios desenhos a preto e branco de Olga Yamashiro (ilustradora e
origamista), com silhuetas de pássaros e outros elementos da natureza, folhas,
galhos, ramos e arbustos, sempre com traços finos e seguros, sombras e pontilhado.
As imagens estão, como seria de se esperar, intimamente ligadas à temática
predominante do livro (caraterística dos haicais originais), ou seja, a
natureza.
O
projeto gráfico assinado por Mariana Poli é muito agradável quanto ao formato
(nada convencional), tamanho e tipo de letra, sem falar na própria disposição
dos desenhos em relação ao texto. A foto de capa, da autoria de Sônia Brandão
foi também uma escolha muito feliz.
“Dessas mexericas
Colho metade do pé ─
A outra é das aves”
Sérgio Bernardo louva a natureza praticamente em todos os textos. Minimalistas, exatos, precisos e suaves. O autor contempla a natureza e nós contemplamos os haicais; o leitor vai encontrar muitas aves e insetos, pardais, pombos, canários, corujas, sanhaços, gaviões, morcegos, abelhas, mosquitos, mariposas, entre outros animais, aprender sobre fauna e flora brasileira, conhecer ou reconhecer espécies nativas e trazidas de outros pontos do globo.
O
leitor não brasileiro vai certamente achar curiosos e engraçados certos nomes
de aves e plantas com os quais não está familiarizado. Talvez até os conheça
por outro nome: a ponte entre as várias designações é, necessariamente, a
imagem.
Por
exemplo, a viuvinha, pássaro presente em várias zonas do Brasil, assim como o
canário-da-terra; o sabiá, considerado popularmente como a ave nacional do
Brasil; o bico-de-lacre, originário da África subsaariana; a mosca-das-frutas,
que tem muitas espécies nocivas para a fruticultura; as tarturanas, lagartas
que podem libertar toxinas nocivas; os vaga-lumes, que eu conhecia sobretudo
como pirilampos…
Nesta
obra vamos também encontrar referências a muitas frutas, árvores e flores
(quase lhes sentimos o cheiro e o sabor!) que fazem parte da nossa infância ou
ambiente habitual, do nosso imaginário ou recordações. A ameixa, o ipê, a
acácia, as bananas, a cerejeira, a nespereira, a orquídea, o milho, o cipreste
e a palmeira, a dália, o hibisco, e a íris.
Mas
há também outras plantas que podemos conhecer por outros nomes: a grama
(relva), a palma de santa-rita (gladíolo), o flamboyant (acácia-rubra)
ou os agapantos (flor do amor, de origem africana). Não se espante se
passar por versos que falam de folhas de taioba, jabuticabeiras ou
quaresmeiras: algumas destas árvores ou arbustos são nativas do Brasil, outras
podem ter sido lá introduzidas em diferentes momentos.
Como
curiosidade, saiba o leitor que o autor, na sua dedicatória, menciona
explicitamente a principal fonte de inspiração para o livro:
“Para Seu Francisco (em memória), cujo quintal, vizinho
ao meu,
Inspirou grande parte destes haicais.”.
Então,
veja bem tudo aquilo que o haijin Sérgio Bernardo nos oferece através
dos seus haicais: ele dá-nos, para além de imagens suaves e poderosas, a
possibilidade de uma nova familiaridade com a terra e algumas chaves do diálogo
com o planeta.
Sobre
a forma poética haicai, Regina Alonso, autora do posfácio, relembra que se
trata de um “poema de 17 sílabas em 3 versos (5/7/5)”. E acrescenta,
sobre a presente obra:
“(…) Sem hermetismos, numa linguagem simples, os haicais
de Sérgio Bernardo seguem a última lição de Bashô a seus discípulos: que eles
não compusessem haicais de forma muito rígida, pois ‘a flor do haicai está na
frescura de sua escrita’(…)”.
Concordo
com esta análise, posto que o autor cumpre a essência e o espírito do haicai,
essa forma poética breve de origem japonesa que ganhou o mundo e que o mundo
ganhou também. A esse propósito recordo que muitos autores de várias origens
continuam a dedicar-se a homenagear e expandir o haicai. Jorge Luis Borges é um
ilustre exemplo: após uma viagem ao Japão, publicou vários haicais que reuniu
no livro La cifra, em 1981.
Vejamos
outros temas também abordados por Sérgio Bernardo:
Sociedade
“Casa demolida ─
Como toda a família
Marimbondos sem teto”
A presença humana e o quotidiano
“Do ipê caem
flores ─
O varredor só vê lixo
Onde vejo o belo”
Serenidade
“Manhã silenciosa ─
Quase é possível ouvir
o arrastar das nuvens”
No
posfácio de Regina Alonso (O caminho do haicai), ela refere-se ao autor
nestes termos:
“(…) Leio os haicais de Sérgio Bernardo e descubro um
haicaísta de fato. Seus haicais querem dizer, exatamente, o que dizem (…)”.
Creio
que para opinar sobre uma forma poética tão sintética, depurada, breve, faz
sentido que economizemos as palavras, cingindo-nos ao essencial. Por isso
sublinho que O SOL NO CAMINHO é um livro de grande merecimento para quem começa
a saborear o haicai e para quem já tem alguma rodagem como leitor desta forma
poética. Luísa Fresta – Portugal
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Título: O SOL NO CAMINHO; Autor: Sérgio Bernardo; Editora: selo Off Flip ©; Ano de publicação: 2019; Género literário: Haicai; Número de páginas: 139. Sérgio Bernardo é cronista, poeta e haicaísta que entende como poucos o ofício de um escritor, seja em prosa ou em verso. Nome artístico de Sérgio Corrêa Miranda Filho, jornalista, poeta, contista, cronista e haijin.
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Luísa Fresta -
Portuguesa e angolana, viveu a maior parte da sua juventude em Angola, país com
o qual mantém laços familiares e culturais; reside em Portugal desde 1993.
Publicou
em 2012/13 uma série de crónicas sobre as décadas de 70/80 da vida em Luanda,
através do Jornal Cultura - Jornal Angolano de Artes e Letras com o qual
colaborou regularmente até 2015 e publicou também pontualmente em diversas
revistas on-line (a moçambicana Literatas e as brasileiras Samizdat e
Subversa).
Escreve
regularmente desde 2013 no portal O Gazzeta, coordenado por Germano Xavier e
desde 2014 publica prosa e poesia no portal Entrementes - Revista Digital de
Cultura. Desde 2016 escreve também no jornal digital Artes&Contextos.
Sobre
cinema (essencialmente lusófono e africano francófono) mantém participações
episódicas através de artigos de opinião no site de crítica de cinema Africiné,
portal BUALA, revista Awotele, e manteve, até 2015, duas colunas na revista
METROPOLIS intituladas: A 7ª arte em África e Filmes da lusofonia. Em 2016
integrou o júri do comité de pré-seleção da representação pan-africana do
Festival l'Arbre d'Or (filmes documentários- Gorée/ Senegal).
Prémios
e principais antologias:
1998-
Portugal: concurso de contos curtos "Expo 98 palavras" (texto Crime,
publicado juntamente com cerca de outros 100);
2013-
Brasil: 2º lugar no 9º concurso online – II Prêmio Licinho Campos de Poesias de
Amor (poema Soneto do Amor no Feminino); 2º prémio no 1º Concurso Internacional
de Literatura de Alacib, (na categoria crónica, com Outros Campeonatos);
2014-
Brasil: o poema Talvez foi considerado um dos melhores 50 apresentados a
concurso e incluído numa coletânea publicada pela Academia Jacarehyense de
Letras, promotora do 8º Festival Internacional de Sonetos;
2015-
Brasil: crónica Luanda, aliás «São Paulo da Assunção de Loanda» incluída numa
coletânea editada pela Casa do Poeta Brasileiro de Praia Grande-SP;
2016-
Portugal: integrou, juntamente com sete outros autores, uma antologia solidária
dedicada ao tema da saúde mental, intitulada "Mens Sana" (com o conto
O papel de Aurélie), editada pela Livros de Ontem;
2018-
Brasil: 1º prémio de crónica internacional no 2º Varal Literário da Câmara
Municipal de Divinópolis com o texto Eu quero a panela grande;
2019-
Angola: participou numa antologia em homenagem ao poeta João Tala intitulada
"Nós e a Poesia" editada pelas Edições Handyman; Portugal: integrou
uma antologia poética intitulada "Templo de Palavras", com o selo da
Editorial Minerva e coordenação literária a cargo do poeta e escritor Delmar
Maia Gonçalves; Brasil: 1º prémio de crónica internacional no 3º Varal
Literário da Câmara Municipal de Divinópolis com o texto Os caminhos ínvios da
escrita; Cabo Verde: participou na antologia solidária "Mulheres e Seus
Destinos", organizada por Yara dos Santos e Lena Marçal.
2020-
Portugal: colaborou no projeto LER&CONTAR (contos infantis/ infanto-juvenis
para colecionar), criado por Glória de Sousa, Tomás Gavino Coelho e Samuel
Rego, com o conto O organizador de bichas, uma história de guerra. Trata-se de
uma iniciativa pro bono, com textos de doze autores angolanos.
Obras
da autora:
49
Passos/ Entre os Limites e o Infinito (poesia), Chiado Editora, 2014
Contexturas
(contos, baseados em quadros de Armanda Alves, co-autora), Livros de Ontem,
2017
Março
entre meridianos (poesia, 1º prémio "Um Bouquet de Rosas para Ti"),
MAAN, 2018
Março
entre meridianos (reedição), Livros de Ontem, 2019
A
Fabulosa Galinha de Angola (infantojuvenil), Editorial Novembro, 2020
Sapataria
e outros caminhos de pé posto (contos), Editorial Novembro, 2021
Burro,
sim senhor! (infantojuvenil), Editorial Novembro, 2021
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