Natural do Alentejo, Fernando Colaço começou a programar aos 12 anos, abdicou do ensino superior, trabalhou na Suíça e percorreu o mundo, antes de se instalar em Pequim, onde aprendeu chinês e criou uma empresa
“É
algo que herdei da minha mãe: se não sabes, aprende”, disse à agência Lusa o
empresário e programador autodidacta, de 45 anos, natural da vila alentejana de
Castro Verde e radicado na China desde 2012.
Colaço
despertou para a programação ainda antes de a Internet existir, ao “ver filmes
de ficção científica” e “ler revistas de informática”.
Na
adolescência, ia à boleia até Beja para requisitar livros sobre programação na
biblioteca local. A prática desenvolveu-a num ZX Spectrum, comprado em segunda
mão e pago às prestações pelo pai. “Enquanto os meus amigos jogavam jogos eu
era o maluco da programação”, lembrou.
O
ensino não acompanhava o “andamento” de Colaço, que nem sequer completou o
secundário: “O curriculum dos cursos de engenharia informática era conteúdo que
já nem eu usava”.
O
serviço militar, cumprido em Elvas, junto à fronteira com Espanha,
despertou-lhe a curiosidade pelo exterior. Daí partiu para a Suíça, onde
trabalhou, durante oito anos, para as multinacionais Young & Rubicam e
Bedrock Group, até ter outra ideia “maluca”. “Decidi vender o carro e a
mobília. Nos seis anos e meio seguintes, vivi a cada quatro meses num país
diferente”, contou. “A mala era a casa e a mochila o escritório”.
Chegou
ao extremo oriente via transiberiano, a linha ferroviária mais longa do mundo,
que liga Moscovo a Pequim. Foi na capital chinesa que a fase do nómada
programador acabou: “Já não saio daqui”. “As pessoas têm de se habituar: a
China é diferente. Tens de estar cá para perceber e, aos poucos, vais
absorvendo”, descreveu. “No meu caso, fui absorvido e acabou por crescer em
mim”, disse.
Fernando
é o único proprietário da Colaco Technology, a empresa de programação e
‘design’ que fundou no início da pandemia da covid-19, à medida que os grupos
tecnológicos do país despediram parte dos funcionários e optaram por contratar
serviços externos, gerando oportunidades para pequenas empresas. “Senti ‘é
agora ou nunca’”, explicou o português.
Nas
instalações da empresa, um apartamento convertido em escritório, situado junto
ao Taikoo Li, um dos centros comerciais mais movimentados de Pequim, Fernando
Colaço senta-se entre os seus nove funcionários chineses. Dois portugueses
trabalham remotamente a partir de Portugal. “Aqui toda a gente tem o mesmo
salário do que eu e, no final do ano, os lucros da empresa são distribuídos
equitativamente”, frisou. “Quando é para tomar decisões, incluindo contratações
ou despedimentos, todos os funcionários votam”, contou.
A
gestão da empresa contrasta com a prática na China, que apesar de, segundo a
sua Constituição, ser “um Estado socialista, liderado pela classe trabalhadora
e assente na aliança operário-camponesa”, tem altos índices de desigualdade. O
país ultrapassou os Estados Unidos, em 2021, em número de bilionários, segundo
o relatório Hurun, considerada a Forbes chinesa.
Outra
diferença: na Colaco Technology, a semana de trabalho não excede as 40 horas e
os funcionários gozam 25 dias de férias por ano. Isto contrasta com o horário
“996” – das 9 da manhã às 9 da noite, 6 dias da semana – praticado entre as
empresas de tecnologia chinesas. “Quis fazer exactamente o contrário”, frisou.
“Eu próprio sou programador e sei que trabalhar dessa forma não tem
aproveitamento nenhum: chega a um ponto em que tudo sai mal”, acrescentou. “Não
é uma opção política: simplesmente funciona”, realçou.
De
Portugal, Fernando Colaço diz sentir falta da “família e da cozinha
portuguesa”. No caso da comida, porém, as saudades são atenuadas por uma
tradição que cultivou na empresa: na última sexta-feira do mês, um dos
funcionários cozinha um prato da respetiva terra natal. “Quando me calha a mim,
tento fazer alguma coisa alentejana”, revelou.
Os
funcionários “ganharam o gosto” e alguns já sabem fazer pão, migas com
entrecosto ou açorda à alentejana, contou. A tosta-mista passou também a fazer
parte da rotina diária ao pequeno-almoço. “Em Portugal acabou por acontecer o contrário”,
disse. “Aos poucos fui ensinando a minha mãe a fazer coisas simples da cozinha
chinesa e ela aprendeu”. In “Ponto Final” - Macau
Sem comentários:
Enviar um comentário