Os pais do Pedro Januário levavam-no de visita à Galiza, uma terra irmã. Uma delas, mais recente, ofereceu uma fotografia linguística mais triste, o que não o desencorajou a se associar à AGAL. Julga que a língua, tal como é ensinada nas escolas portuguesas não aborda o suficientemente à correção linguística e capacidades de escrita. O Pedro está a formar-se em Engenharia Informática e considera que a Internet está a provocar a anglicização do discurso. Além de português, comunista
O Pedro Januário já visitou a Galiza em criança. Que
lembras daqueles primeiros contactos?
Desde
sempre, os meus familiares transmitiram-me a ideia de que “na Galiza toda a
gente fala português”, que a Galiza é uma terra irmã (não só na língua). Sendo
do Porto, não vivo muito longe da Galiza e lembro-me de, desde muito cedo, a
ter visitado várias vezes, mas a verdade é que só tenho memória do paradigma
linguístico desde um dia que fui passar a Vigo em 2016.
Novas visitas, já com mais idade, que fotografias
linguísticas te ofereceram?
Na
tal visita a Vigo, reparei, com algum espanto, que grande parte dos cartazes e
das informações estava escrita apenas em castelhano. Lembro-me de o ter
comentado com o meu pai, que disse algo como “pois, é a língua oficial [do
estado]”. Mais recentemente, no final de 2022, já com mais maturidade e “com
outros olhos”, visitei, com um amigo (que também tem interesse pela Galiza e
sensibilidade para com a situação da língua), novamente Vigo e A Corunha pela
primeira vez. Pude então ver que a ideia que tinha de criança, de que na Galiza
se fala português, não correspondia bem à realidade. Recordo-me perfeitamente
de estar sentado num banco de jardim e ler, com choque, na Wikipédia, que
apenas cerca de 15% d@s habitantes da Corunha em 2011 eram galegofalantes. Estive
dois dias nessa cidade e ouvi apenas uma pessoa a falar galego. As próprias
tampas de esgoto diziam todas “La Coruña”! Naturalmente, toda esta “fotografia
linguística” entristeceu-me: ajuda a desfazer a ideia de irmandade entre a
Galiza e Portugal.
Porque decidiste tornar-te sócio da Agal, qual foi o
motor, que te emocionou para o fazer?
Tenho
particular apreço e carinho para com as línguas e culturas/identidades
menorizadas. No caso do galego, entristece-me a ameaça à ligação com Portugal.
Após ter tirado a “fotografia linguística” que descrevi, resolvi investigar
mais sobre a situação do galego e viria a deparar-me, inevitavelmente, com o
reintegracionismo. Ao descobrir a proposta gráfica reintegracionista,
lembrei-me imediatamente das cantigas de amigo que estudara na escola. Em
particular, da terminação -çom, que acaba por ser mais fiel do que -ção à
pronúncia “popular” tradicional do Porto. Fez-me muito sentido o argumento de
que potenciará a utilidade do galego, além de entender o reintegracionismo como
uma valorização da tal irmandade – no fundo, defender o galego é,
inevitavelmente, defender a minha própria língua. Associar-me à AGAL pareceu-me
o passo certo a dar para poder contribuir para essa defesa e o facto de termos
sócios pela lusofonia fora encorajou-me a juntar-me.
No ensino formal a Galiza aparece mas depois se esquece.
Porque achas que acontece isto e que receitas sugeririas para provocar o
despertar da Bela Adormecida?
Esta
pergunta levou-me imediatamente a refletir sobre a maneira como a História, por
exemplo, é dada na escola em Portugal. Penso que ainda está presente uma certa
visão colonialista (até cheguei a ter um professor saudosista do Estado Novo) e
que acaba também por se cultivar uma certa aversão e rivalidade artificiais em
relação ao resto da Península Ibérica. A par com isto, por sua vez, o ensino do
Português, como eu o conheci, centra-se demasiado, a meu ver, na literatura
portuguesa (o que também é extremamente importante, como é óbvio) em detrimento
da língua em si. E com “a língua em si” refiro-me não só à sua história, como
também à própria correção linguística e capacidades de escrita, domínio ainda
extremamente débil na generalidade dos alunos portugueses. Claro que tudo isto
é apenas a minha perceção, mas efetivamente o que trago comigo da escola em
relação à Galiza, no campo da língua, são apenas referências esporádicas ao
“galaico-português da Idade Média”.
Pedro Januário está a formar-se em Engenharia
Informática. Em que medida, julgas, a informática está a afetar os usos
linguísticos na sociedade quer positiva, quer negativamente?
A
verdade é que a omnipresença da informática, em particular da Internet e das
redes sociais, no nosso quotidiano veio promover um maior contacto com outras
línguas, nomeadamente a inglesa. O que isto traz de bom é o natural
enriquecimento que uma língua pode dar a outra, introduzindo-se novos termos
(os tais “empréstimos” que se estuda na escola) e, além de termos, conceitos. E
como a introdução de novos conceitos acaba por moldar o pensamento, penso que é
por aí que vem o outro lado da moeda, que é aquilo que tenho vindo a notar como
uma anglicização do discurso. De certa forma análoga àquilo que acontece em
relação ao castelhano na Galiza (de maneira muito menos abafante, obviamente),
reparo que em muitos casos acaba por se favorecer termos e expressões em inglês
em detrimento dos mesmos em português e, também, que o inglês já contamina um pouco
a própria sintaxe e gramaticalidade.
Pedro é militante do Juventude Comunista Portuguesa e do
Partido Comunista Português. Julgas que existam nuances nos relacionamentos dos
partidos políticos portugueses com a realidade galega?
Por
aquilo de que me vou apercebendo, acho que tanto o conhecimento da realidade
galega como a solidariedade para com ela variam bastante entre as e os
camaradas, inclusive alguns com quem já conversei sobre o assunto. Do que
conheço, diria que não há propriamente um relacionamento a nível “oficial” / ”institucional”,
pelo menos da JCP e do PCP, mas sim reside mais em pessoas que individualmente
têm mais interesse. Sei que há uma banca do BNG no Espaço Internacional da
Festa do Avante. Sei também que, por outro lado, o Bloco de Esquerda tem, no
seu portal de notícias e artigos, o esquerda.net,
alguns artigos sobre o reintegracionismo; inclusive uma entrevista ao Eduardo
Maragoto.
Qual seria a melhor via de mostrar em Portugal a
realidade linguística da Galiza?
Repescando
um pouco uma resposta anterior, penso que seria útil repensar-se a História e o
Português na escola. Virar a História mais para o Mundo e o Português mais para
a sua origem e não tanto só para a literatura. Seria também interessante que se
continuasse a apostar nas iniciativas conjuntas que vão existindo entre a RTP e
a TVG e que, por exemplo, as rádios e televisões portuguesas passassem
conteúdos produzidos na Galiza. Agrada-me a ideia da Galiza na CPLP.
Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” das
relações entre a Galiza e Portugal em 2050?
Gostaria
de que tivéssemos mais consciência da nossa irmandade (não só linguística, mas
enquanto povos) – numa resposta anterior dizia que ainda vai havendo essa
consciência, mas vejo-a quase só nas gerações mais velhas e não sinto que passe
muito para a minha. E sendo a língua uma das vertentes dessa irmandade, o
reintegracionismo terá um papel fundamental na nossa (re)aproximação. Valentim
Fagim – Galiza in “Portal Galego da Língua”
Conhecendo Pedro Januário:
Um sítio web:
A Wikipédia. Revejo-me na ideia de uma plataforma de conhecimento livre,
aberta e colaborativa, onde também vou dando os meus contributos.
Um invento: A
Máquina de Turing
Uma música: Espelho,
Orelha Negra
Um livro: Levantado
do Chão, de José Saramago
Um facto histórico: Revolução dos Cravos
Um prato na mesa: A Francesinha
Um desporto:
o ciclismo, apesar de não ser muito dado ao desporto.
Um filme: Não sou
muito de filmes e, por isso, sinto que não vi nenhum até agora marcante o
suficiente para o eleger.
Uma maravilha:
O Rio Neiva
Além de português: Comunista
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