O
Festival Internacional de Cinema de Locarno anunciou o vencedor do prémio
Leopardo de Ouro com a frase: "filme Zona Crítica, de Ali Ahmadzadeh, um
hino à resistência iraniana e à liberdade". Uma mensagem enviada a todos
as iranianas e iranianos que combatem a ditadura teocrática xiita. Mas sentida
também, de maneira forte e percutante, por todos que viveram nos seus países, o
peso e a violência da censura. E o Festival de Locarno confirmou mais uma vez
sua vocação de defensor da liberdade e dos direitos humanos.
No ano passado, o Leopardo de Ouro entregue ao
filme libertário de Júlia Murat, Regra 34, era uma mensagem aos reacionários
religiosos bolsonaristas, empenhados em acabar com o cinema como expressão de
ideias e comportamentos por cineastas livres e independentes. Um filme
político, como havia definido o diretor do Festival, assim como é o filme
iraniano.
Este
ano, o Leopardo de Ouro com suas unhas e dentes desafia a ditadura teocrática
xiita iraniana e passa mesmo um sabão na diplomacia alemã por ter negado, há
alguns meses, visto de entrada na Alemanha ao realizador do filme iraniano Ali
Ahmadzadeh. Depois da divulgação da seleção do filme iraniano Zona Crítica para
a competição internacional do Festival em meados de julho, Ali Ahmadzadeh
passou a ser pressionado pelas autoridades policiais e pelo governo iraniano a
fim de retirar o seu filme da competição. E foi impedido de sair do Irão para
apresentar o seu filme em Locarno e, portanto, não poderá receber pessoalmente
o Leopardo de Ouro, que será entregue ao produtor do filme, Sina Ataeian Dena,
já seu representante junto à imprensa em Locarno.
O
prémio ao filme iraniano é concedido onze meses depois do assassinato pela
polícia iraniana da jovem Masha Amini. Zona Crítica conta os trajetos de um dealer
orientado pelo som do seu sempre presente GPS nos arredores de Teerão,
dirigindo o seu automóvel pelos túneis das vias expressas das autoestradas
periféricas e, na estrada, em noite escura. Em baixo do aeroporto encontra-se
com uma jovem vinda de um avião que, com pouco combustível, quase se espatifou
porque os russos não queriam autorizar nem pouso e nem fornecer combustível.
"Veja onde está o prestígio do nosso país" diz ela" que recebe
um pacote de ópio para levar a Amsterdão.
Depois
de ter distribuído biscoitos de maconha para velhinhos, atende o pedido de uma
mãe desesperada com o seu jovem filho numa crise por consumo de drogas. Consome
cocaína com uma jovem passageira sem o véu exigido pela teocracia, assustam-se
com o aparecimento de um carro que os persegue, provavelmente da polícia.
Livram-se da perseguição, mas a jovem ainda sob o choque passa a gritar -
"fodam-se, fodam-se", dando a impressão de não mais suportar o regime
e as restrições a quem tem de se submeter como mulher. Rui Martins - Suíça
Os principais prémios do 76. Festival Internacional de
Cinema de Locarno
Leopardo
de Ouro: Zona Crítica, d’Ali Ahmadzadeh (Irão e Alemanha)
O
Prémio Especial do Júri foi para o filme Não espere Demais do Fim do Mundo,
do realizador romeno Radu Jude.
Prémio
de Melhor Direção: Estepe, da ucraniana Maryna Vroda.
Prémios
de melhor interpretação: Dimitra Vlagopoulou, no filme grego Animal, de
Sofia Exarchou; e Renée Soutendijk, no filme holandês Doces Sonhos, de
Ena Sendijarević.
Menção
especial para Noite Obscura – Até logo aqui ou não importa onde, de
Sylvain George
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Rui Martins é
jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador
do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas,
que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos
emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da
corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto
Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do
Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de
Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de
Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso
de Lisboa, Correio do Brasil e RFI. Texto
disponibilizado livremente.
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