Esta segunda-feira, a Creative Macau celebra 20 anos com uma exposição de trabalhos de 40 artistas associados. Confessando que sempre acreditou nos artistas locais, que considera estarem ao mesmo nível do trabalho que se faz lá fora, a directora do espaço no piso térreo do Centro Cultural de Macau é há 20 anos testemunha da evolução do sector das artes. Lúcia Lemos falou ao Ponto Final sobre o balanço que faz do trabalho desenvolvido, reflectindo também sobre a actual diversidade e vitalidade do meio artístico local, com várias associações, galerias, e até espaços em resorts a fazerem de Macau uma cidade mais criativa e dinâmica
São
duas décadas de intensa actividade artística e cultural com a comunidade
criativa, e sempre com a missão de acolher profissionais consagrados e novos
talentos em busca de reconhecimento. Lúcia Lemos é há 20 anos a responsável
pela Creative Macau, uma das primeiras
galerias no território a apoiar os criativos locais, com inúmeras mostras
colectivas e individuais, workshops e seminários. Esta segunda-feira,
dia 28, o espaço celebra duas décadas com uma exposição que reúne obras de 40
artistas associados da Creative Macau, como Carlos Marreiros, Adalberto
Tenreiro, Yaya Vai, Dennis Murell ou Justin Ung. A exposição, que termina a 29
de Setembro, intitula-se “Quatro Estações”. “Embora as Quatro Estações apelem
aos sentidos sensoriais, a vida humana tem inúmeros significados no que
respeita à sua capacidade criativa”, partilhou a responsável na nota enviada à
nossa redacção, acrescentando que “as estações do ano e os seus fenómenos
alteram significativamente a concretização dos desejos e sonhos das pessoas,
levando-as a crescer, aprendendo, e falhando até conseguir”. Lúcia Lemos tem,
de facto, visto os criativos a crescer, acompanhando o amadurecimento não só de
vários artistas que deram os primeiros passos em exposições colectivas na
Creative Macau, mas também a evolução do sector das artes em Macau, que em 20
anos se democratizou, vincou a responsável. Em conversa com o Ponto Final, Lúcia
Lemos falou-nos do quanto o meio artístico mudou. Louvando a diversidade das
inúmeras galerias, associações, cafés e restaurantes que também funcionam como
espaços de exposição espalhados pela cidade, a dirigente da Creative Macau
também aplaude o recente contributo das concessionárias ao sector das artes,
que podem financiar estes artistas de uma forma mais constante, um apoio que
poderá ajudar estes artistas a lançarem-se internacionalmente.
Como vai celebrar os 20 anos da Creative Macau?
Vai
haver um corte de fitas, como houve na abertura, e quando fizemos 10 anos.
Convidámos oficiais, e depois vai haver a entrega de um livro, o “Documenta”.
Já tínhamos feito um para os anos 2003-2013, em que fizemos uma selecção do
essencial do nosso trabalho visível ao público, que foram as exposições. No
livro deste ano, para além das exposições, pusemos os workshops que
fomos dando, conversas, seminários. Com alguns ataques cibernéticos, muita
informação desapareceu, mas fizemos todos os possíveis para conseguir dar uma
ideia geral das actividades, e mostrar que estivemos sempre em constante
actividade. Nunca parámos. Quisemos mostrar como fomos servindo o público,
principalmente o local. Para além das participações internacionais, quisemos
dar a conhecer os criativos locais. A Creative Macau foi fundada pelo Instituto
de Estudos Europeus de Macau, e então, no dia do aniversário, vamos ter o
presidente a fazer um pequeno discurso, e também vamos entregar juntamente com
o livro uma fotografia impressa em cartão de espuma do arquitecto Ricardo
Meirelles, que é um membro nosso e já expôs na Creative Macau as suas
fotografias, usando uma técnica de transferência manual. Ele, entretanto, saiu
de Macau por questões profissionais, e deixou-nos essas fotografias de uma exposição
para nós ofereceremos nesse dia a todos os convidados. Vai haver também, para
além do corte de fitas, um bolo de aniversário, e depois vai haver uma actuação
de um mágico chinês que muda de máscaras, aquelas máscaras tradicionais, do
macaco, etc. Temos uma particularidade de que, dos 40 artistas que estão agora
a ser expostos no espaço, no dia do aniversário alguns dos seus trabalhos vão
ter de ser retirados, principalmente aqueles que são susceptíveis de se
partirem, uma vez que há sempre muita gente numa abertura e há também essa
performance. No dia seguinte serão colocados de novo na exposição. O mágico vai
dar saltos enquanto muda de máscaras, e vai usar aquele vestuário chinês da
ópera, e vai precisar de espaço. Já informámos todas as pessoas quando as
convidámos, devido ao risco que se pode correr, não só de se partir as peças,
mas de ter um acidente com pessoas. É só por precaução.
Imagino que a Lúcia, ao fim de 20 anos, já deve ter muita
experiência neste tipo de detalhes de produção, que quem vê de fora muitas
vezes não sabe, o que está envolvido na produção de uma exposição ou evento.
Sim,
é preciso pensar nessas coisas, porque as pessoas gostam de transitar
livremente, e vai haver um cocktail. O espaço parece grande, mas não é, e com
60 pessoas fica cheio, e as pessoas terão de se encostar às paredes para o
mágico poder passar. Não posso ter esculturas, instalações, e tudo o que seja
susceptível de bloquear o espaço, porque estes tipos de peças normalmente são
vistas em 360 graus, e ficarem encostadas perturba o trabalho de outros
autores. As coisas não podem estar umas em cima das outras, tem de se dar
dignidade. É isso, falta de espaço, mas eu não estou a pedir outro, é preciso
que se veja, é a nossa casa!
Sente a Creative Macau como se fosse sua casa?
Quando
se entra num projecto de corpo e alma, fazemos daquilo a nossa casa, é normal.
E o balanço que faz destes anos?
É
muito bom, naturalmente. Tivemos bastante adesão, e continuamos a receber novas
inscrições. Qualquer pessoa que seja criativa e que produza qualquer coisa para
além da sua profissão, porque tanto pode ser um hobby ou uma segunda profissão,
e que a gente considere que o trabalho que a pessoa faz é bom, e pode ser
exposto, fazemos. Normalmente as pessoas que se inscrevem como sócios da
Creative Macau já expuseram, mesmo que seja em exposições colectivas noutros
lugares. Os artistas que trabalham a tempo inteiro, e os que trabalham a tempo
parcial, mas que já produzem regularmente e fazem disso uma segunda actividade.
Há agora em Macau mais artistas, acha que houve uma
grande evolução em 20 anos?
Sim,
desde que nós abrirmos também foram aparecendo mais galerias, mais lugares
associativos, etc, em que as pessoas puderam criar, ensinar, e entrar nesse
campo da criatividade, e mais lugares também onde as pessoas pudessem expor, e
acho que se democratizou bastante o sector das artes. Aliás, hoje em dia
desenvolveram-se todas as áreas criativas, como o design, e que são imensas.
Nós, por exemplo, temos 12 áreas, mas dentro delas, elas cruzam-se. Imagine um
designer de moda, precisa de um fotógrafo, precisa de um designer gráfico, do
marketing, jornalismo, etc. Elas cruzam-se e entrelaçam-se, porque é inerente,
devido à necessidade de promoção. Digamos que começou a aparecer muita gente
jovem e não jovem, e o ensino tornou-se muito mais acessível. Hoje em dia todas
as pessoas querem tirar uma licenciatura, isso abriu ainda mais possibilidades.
No entanto, isto não quer dizer que as pessoas que produzem a tempo inteiro são
imensas – não são. Há mais do que antigamente, mas as pessoas têm a sua própria
carreira, e família. Mas há maior atrevimento, as pessoas têm mais coragem de
ir mostrando o que vão fazendo. Também se multiplicaram os lugares de
exposição, porque as associações também precisam disto para poder viver e dar
continuidade ao propósito associativista. As pessoas estão mais abertas, há um
maior estímulo e encorajamento, há eventos, como o salão de outono, etc. Há
também maior abertura em acarinhar propostas de outras associações.
Acha que há mais interactividade entre os espaços?
Sim,
e espaços diferentes, os espaços de café pequenininhos, por exemplo. O cliente
já não vai só beber um café ou um copo de vinho, vai também conviver com a
arte, e há ilustração e pintura nesses espaços, iniciativas que as pessoas
acolhem.
A Lúcia já está ligada a esse meio há tanto tempo,
sente-se feliz de ver a dinâmica actual? Por exemplo, o Festival de Artes, com
tanta colaboração com espaços nos resorts, o que acha desta nova realidade?
Gosto,
e vejo isso como uma grande oportunidade para os locais. Todas as pessoas que
vão trabalhando com exposições de grande gabarito, como são estas [do Festival
de Artes], porque o crivo é maior, podem, no fundo, tentar-se profissionalizar
no sentido de qualidade. Acho que é fantástica, toda esta participação dos
casinos na vida comunitária. São eles que têm muito dinheiro, e se houver esse
compromisso entre o Governo e eles, é óptimo, até porque o processo envolve
associações, porque eles não conhecem tudo, [as concessionárias] têm de ir ter
com as associações e com os criativos para poderem saber o que eles andam a
fazer, e injectarem apoio de forma mais constante, de maneira a que estes
possam criar e mostrar o seu talento. Desde sempre, eu vi que quando levávamos
trabalhos dos criativos locais para a Europa, as pessoas ficavam abismadas. As
pessoas ainda têm aquela ideia do colorido todo, dos brilhantes, e do
mobiliário tradicional, e quando vêm algo muito mais moderno, e cultural, no
sentido de contemporâneo, as pessoas ficam um pouco aparvalhadas. É
absolutamente interessante, e se é preciso que sejam os casinos, ou seja o que
for, as entidades que tiverem disponíveis para isso, a ajudar a formação e
promoção desses criativos, algo que só se consegue com muito dinheiro, que
seja, porque os criativos também têm as suas famílias, e precisam de sustento.
Por exemplo nós, na Creative Macau: eu convido as pessoas para expor, temos
exposições colectivas, ou a seis ou a duas pessoas, ou individuais também. Mas
nós não podemos subsidiar, não temos dinheiro para subsidiar, portanto depende
também do interesse dos artistas. A vantagem em exporem na Creative está no
facto de que, para os artistas depois poderem ter mostras nesses grandes átrios
locais e internacionais, precisam de antes disso expor individualmente, e,
portanto, nós somos uma mais-valia para eles. Não estou a puxar a brasa só à
minha sardinha, isto também acontece noutros espaços. O artista não vai a lado
nenhum participando em exposições colectivas. Vai numa exposição colectiva,
etc, mas tem de dar provas de que é capaz de construir um corpo ou vários
corpos de trabalhos. É a tal identidade. É a diferença que faz com que as
pessoas confiem e se sintam motivadas e queiram arriscar, e confiar naquele artista.
É tudo assim, nada se faz sem experiência.
Acha que os artistas cá em Macau são de qualidade
internacional?
É
evidente. Não tenho dúvidas nenhumas, e sempre vi com esses olhos, e eu
comparo, e sempre o disse em todas as entrevistas e livros, porque eu vi, e
estive e levei. Nós estamos muito bem entre os outros. É muito bom, nós fazemos
bons trabalhos. Embora Macau seja pequeno, as pessoas formaram-se fora, na
Europa, na Ásia, e têm contactos quer formativos, quer entre os demais que são
fantásticos. E sabe como é, todas as pessoas querem ser diferentes.
Pode-me dar alguns exemplos de nomes de pessoas que acha
que fazem um trabalho notável?
Posso
falar no geral, membros e não membros; vem-me à cabeça a Alice Kok, ela sabe o
que faz, tem um trabalho alinhado em forma conceptual, e que é bom em qualquer
lado; por exemplo, o Alexandre Marreiros, o trabalho dele é bom em qualquer
lado, e eu só estou a ver o de agora, mas antes também há outros. Por exemplo,
a Debby Sou faz um trabalho fantástico. Ela é uma chinesa que, entretanto, foi
viver para a Alemanha, já esteve em Hong Kong, e esteve em Portugal. Há tantas
pessoas, aliás que se vê nas exposições que estiveram em tantos sítios, e os
galeristas e associações apostam neles. Às vezes é tão surpreendente porque os
criativos têm complexos em mostrar, mas quem não tem, e o faz, acaba por fazer
o seu caminho. Assim como uma criança que no princípio está deitada, e depois
vai aprendendo a andar, mas caindo. As pessoas às vezes têm desdém em mostrar,
mas é importante tentar fazer, e esse talvez seja o passo mais difícil. Se nos
lembrarmos de pessoas como Chagal, Picasso, Matisse, eles fizeram tudo para
voltar a ser crianças, e foi assim que eles ficaram famosos. É preciso haver um
respeito grande por quem tem coragem de mostrar, e depois a coragem é
sustentada na crítica, mas crítica formativa, claro, e no crivo das
instituições. Pode às vezes uma instituição gostar de uns trabalhos e não de
outros; é preciso que o criativo nunca se vá abaixo com isso, e continue a
criar, em cima dos erros. Não há ninguém que seja profissional sem antes ter
sofrido imenso com esses trabalhos que adora, e depois tenta fazer outros, e é
um desastre completo. O talento está ligado à individualidade. Gostaria apenas
de referir mais um artista, o Eric Fok, que desenha em linhas e constrói todo
um mundo imaginário, por exemplo de Macau e não só, de Veneza, etc, e mistura a
época dos descobrimentos com a de agora. Na sala oposta à entrada no Museu de
Arte, há um espaço chamado Art Space onde estão expostos artistas locais como o
Eric Fok, o Konstantin Bessmertny, o Ung Vai Meng, que foi director do museu, o
Lampo Leong, da UMAC, e um fotógrafo também muito bom, que já participou com
Ung Vai Meng na bienal de Veneza há dois anos. Está ali uma mão cheia dos
locais, que os casinos convidaram a desenvolver os trabalhos. E, claro, tiveram
que injectar dinheiro para poder fazer aquilo. Recomendo que se vá ver esta
exposição para ver como nós em Macau somos fantásticos. Não ficamos aquém de maneira
nenhuma.
Tem projectos planeados, qual é o futuro próximo para a
Creative Macau?
Em
princípio a gente continua, estamos num espaço que pertence ao Centro Cultural
de Macau, e penso que estaremos lá até que seja possível. Vamos continuar a
desenvolver com um orçamento que vamos tendo, e fazer aquilo que fazemos: um
festival de curtas de Macau, que é internacional, e que nos consome imenso
tempo, que decorre sempre em Dezembro. Este ano, será de 5 a 13 de Dezembro, e
vai incluir um simpósio com master classes, etc, mas que ainda está a ser
delineado.
E onde vai decorrer?
É
no Teatro Capitólio. Já é o nosso terceiro ano, e é um festival muito
interessante, especialmente os filmes da noite, que são sempre com um conteúdo
assim mais para adultos. Vamos ter agora um workshop de gravura japonesa
nos quatro sábados de Setembro a começar no dia 2, um workshop que é
gratuito. Sempre que seja possível, vamos organizando este tipo de iniciativas
porque é algo que fazemos bem, e se houver algo extraordinário também podemos
fazer, mas também só somos uma equipa de três pessoas desde 2003, e não temos
muita capacidade de fazer muito mais. Isto tudo exige muito trabalho, por
exemplo, o festival de curtas exige 9 meses de trabalho, mas as outras coisas
também exigem, são os pequenos detalhes, toda aquela atenção e preparações.
A exposição dos 40 artistas que está na Creative Macau
por ocasião do 20.º aniversário tem o tema das quatro estações? Porquê a
escolha deste tema?
Sou
sempre eu que escolho os temas para exposições colectivas, e escrevo o conceito
para as pessoas se inspirarem. Não obrigo ninguém a fazer aquilo, é mais para
que os artistas reflitam sobre o tema. Portanto pensei nas quatro estações,
porque achei que era interessante, porque as quatro estações é tudo, é o
cosmos, é o globo, somos envolvidos por toda a natureza. Não quer dizer que as
quatro estações sejam as da Primavera, Verão, Outono, Inverno, também podem ser
outras, podem ser as estações da vida das pessoas, se elas querem contar uma
história de uma estação, e concentrarem-se numa parte, que o façam, é apenas um
mote representativo. As pessoas têm imensas ideias, e eu quero apenas que elas
as tragam cá para fora. É preciso é dar liberdade às pessoas, liberdade naquele
sentido de pensar, e de ser possível fazer as coisas. Mas as pessoas têm de
trabalhar para aquilo ser possível, porque as pessoas podem ter ideias, mas
depois quando se começa a fazer o trabalho, não funciona, e então tem de se
pensar noutra coisa. Rita Gonçalves – Macau in “Ponto
Final”
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