Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Macau - Creative Macau celebra 20 anos com uma exposição de trabalhos de 40 artistas associados

Esta segunda-feira, a Creative Macau celebra 20 anos com uma exposição de trabalhos de 40 artistas associados. Confessando que sempre acreditou nos artistas locais, que considera estarem ao mesmo nível do trabalho que se faz lá fora, a directora do espaço no piso térreo do Centro Cultural de Macau é há 20 anos testemunha da evolução do sector das artes. Lúcia Lemos falou ao Ponto Final sobre o balanço que faz do trabalho desenvolvido, reflectindo também sobre a actual diversidade e vitalidade do meio artístico local, com várias associações, galerias, e até espaços em resorts a fazerem de Macau uma cidade mais criativa e dinâmica


São duas décadas de intensa actividade artística e cultural com a comunidade criativa, e sempre com a missão de acolher profissionais consagrados e novos talentos em busca de reconhecimento. Lúcia Lemos é há 20 anos a responsável pela Creative Macau, uma das primeiras galerias no território a apoiar os criativos locais, com inúmeras mostras colectivas e individuais, workshops e seminários. Esta segunda-feira, dia 28, o espaço celebra duas décadas com uma exposição que reúne obras de 40 artistas associados da Creative Macau, como Carlos Marreiros, Adalberto Tenreiro, Yaya Vai, Dennis Murell ou Justin Ung. A exposição, que termina a 29 de Setembro, intitula-se “Quatro Estações”. “Embora as Quatro Estações apelem aos sentidos sensoriais, a vida humana tem inúmeros significados no que respeita à sua capacidade criativa”, partilhou a responsável na nota enviada à nossa redacção, acrescentando que “as estações do ano e os seus fenómenos alteram significativamente a concretização dos desejos e sonhos das pessoas, levando-as a crescer, aprendendo, e falhando até conseguir”. Lúcia Lemos tem, de facto, visto os criativos a crescer, acompanhando o amadurecimento não só de vários artistas que deram os primeiros passos em exposições colectivas na Creative Macau, mas também a evolução do sector das artes em Macau, que em 20 anos se democratizou, vincou a responsável. Em conversa com o Ponto Final, Lúcia Lemos falou-nos do quanto o meio artístico mudou. Louvando a diversidade das inúmeras galerias, associações, cafés e restaurantes que também funcionam como espaços de exposição espalhados pela cidade, a dirigente da Creative Macau também aplaude o recente contributo das concessionárias ao sector das artes, que podem financiar estes artistas de uma forma mais constante, um apoio que poderá ajudar estes artistas a lançarem-se internacionalmente.

Como vai celebrar os 20 anos da Creative Macau?

Vai haver um corte de fitas, como houve na abertura, e quando fizemos 10 anos. Convidámos oficiais, e depois vai haver a entrega de um livro, o “Documenta”. Já tínhamos feito um para os anos 2003-2013, em que fizemos uma selecção do essencial do nosso trabalho visível ao público, que foram as exposições. No livro deste ano, para além das exposições, pusemos os workshops que fomos dando, conversas, seminários. Com alguns ataques cibernéticos, muita informação desapareceu, mas fizemos todos os possíveis para conseguir dar uma ideia geral das actividades, e mostrar que estivemos sempre em constante actividade. Nunca parámos. Quisemos mostrar como fomos servindo o público, principalmente o local. Para além das participações internacionais, quisemos dar a conhecer os criativos locais. A Creative Macau foi fundada pelo Instituto de Estudos Europeus de Macau, e então, no dia do aniversário, vamos ter o presidente a fazer um pequeno discurso, e também vamos entregar juntamente com o livro uma fotografia impressa em cartão de espuma do arquitecto Ricardo Meirelles, que é um membro nosso e já expôs na Creative Macau as suas fotografias, usando uma técnica de transferência manual. Ele, entretanto, saiu de Macau por questões profissionais, e deixou-nos essas fotografias de uma exposição para nós ofereceremos nesse dia a todos os convidados. Vai haver também, para além do corte de fitas, um bolo de aniversário, e depois vai haver uma actuação de um mágico chinês que muda de máscaras, aquelas máscaras tradicionais, do macaco, etc. Temos uma particularidade de que, dos 40 artistas que estão agora a ser expostos no espaço, no dia do aniversário alguns dos seus trabalhos vão ter de ser retirados, principalmente aqueles que são susceptíveis de se partirem, uma vez que há sempre muita gente numa abertura e há também essa performance. No dia seguinte serão colocados de novo na exposição. O mágico vai dar saltos enquanto muda de máscaras, e vai usar aquele vestuário chinês da ópera, e vai precisar de espaço. Já informámos todas as pessoas quando as convidámos, devido ao risco que se pode correr, não só de se partir as peças, mas de ter um acidente com pessoas. É só por precaução.

Imagino que a Lúcia, ao fim de 20 anos, já deve ter muita experiência neste tipo de detalhes de produção, que quem vê de fora muitas vezes não sabe, o que está envolvido na produção de uma exposição ou evento.

Sim, é preciso pensar nessas coisas, porque as pessoas gostam de transitar livremente, e vai haver um cocktail. O espaço parece grande, mas não é, e com 60 pessoas fica cheio, e as pessoas terão de se encostar às paredes para o mágico poder passar. Não posso ter esculturas, instalações, e tudo o que seja susceptível de bloquear o espaço, porque estes tipos de peças normalmente são vistas em 360 graus, e ficarem encostadas perturba o trabalho de outros autores. As coisas não podem estar umas em cima das outras, tem de se dar dignidade. É isso, falta de espaço, mas eu não estou a pedir outro, é preciso que se veja, é a nossa casa!

Sente a Creative Macau como se fosse sua casa?

Quando se entra num projecto de corpo e alma, fazemos daquilo a nossa casa, é normal.

E o balanço que faz destes anos?

É muito bom, naturalmente. Tivemos bastante adesão, e continuamos a receber novas inscrições. Qualquer pessoa que seja criativa e que produza qualquer coisa para além da sua profissão, porque tanto pode ser um hobby ou uma segunda profissão, e que a gente considere que o trabalho que a pessoa faz é bom, e pode ser exposto, fazemos. Normalmente as pessoas que se inscrevem como sócios da Creative Macau já expuseram, mesmo que seja em exposições colectivas noutros lugares. Os artistas que trabalham a tempo inteiro, e os que trabalham a tempo parcial, mas que já produzem regularmente e fazem disso uma segunda actividade.

Há agora em Macau mais artistas, acha que houve uma grande evolução em 20 anos?

Sim, desde que nós abrirmos também foram aparecendo mais galerias, mais lugares associativos, etc, em que as pessoas puderam criar, ensinar, e entrar nesse campo da criatividade, e mais lugares também onde as pessoas pudessem expor, e acho que se democratizou bastante o sector das artes. Aliás, hoje em dia desenvolveram-se todas as áreas criativas, como o design, e que são imensas. Nós, por exemplo, temos 12 áreas, mas dentro delas, elas cruzam-se. Imagine um designer de moda, precisa de um fotógrafo, precisa de um designer gráfico, do marketing, jornalismo, etc. Elas cruzam-se e entrelaçam-se, porque é inerente, devido à necessidade de promoção. Digamos que começou a aparecer muita gente jovem e não jovem, e o ensino tornou-se muito mais acessível. Hoje em dia todas as pessoas querem tirar uma licenciatura, isso abriu ainda mais possibilidades. No entanto, isto não quer dizer que as pessoas que produzem a tempo inteiro são imensas – não são. Há mais do que antigamente, mas as pessoas têm a sua própria carreira, e família. Mas há maior atrevimento, as pessoas têm mais coragem de ir mostrando o que vão fazendo. Também se multiplicaram os lugares de exposição, porque as associações também precisam disto para poder viver e dar continuidade ao propósito associativista. As pessoas estão mais abertas, há um maior estímulo e encorajamento, há eventos, como o salão de outono, etc. Há também maior abertura em acarinhar propostas de outras associações.

Acha que há mais interactividade entre os espaços?

Sim, e espaços diferentes, os espaços de café pequenininhos, por exemplo. O cliente já não vai só beber um café ou um copo de vinho, vai também conviver com a arte, e há ilustração e pintura nesses espaços, iniciativas que as pessoas acolhem.

A Lúcia já está ligada a esse meio há tanto tempo, sente-se feliz de ver a dinâmica actual? Por exemplo, o Festival de Artes, com tanta colaboração com espaços nos resorts, o que acha desta nova realidade?

Gosto, e vejo isso como uma grande oportunidade para os locais. Todas as pessoas que vão trabalhando com exposições de grande gabarito, como são estas [do Festival de Artes], porque o crivo é maior, podem, no fundo, tentar-se profissionalizar no sentido de qualidade. Acho que é fantástica, toda esta participação dos casinos na vida comunitária. São eles que têm muito dinheiro, e se houver esse compromisso entre o Governo e eles, é óptimo, até porque o processo envolve associações, porque eles não conhecem tudo, [as concessionárias] têm de ir ter com as associações e com os criativos para poderem saber o que eles andam a fazer, e injectarem apoio de forma mais constante, de maneira a que estes possam criar e mostrar o seu talento. Desde sempre, eu vi que quando levávamos trabalhos dos criativos locais para a Europa, as pessoas ficavam abismadas. As pessoas ainda têm aquela ideia do colorido todo, dos brilhantes, e do mobiliário tradicional, e quando vêm algo muito mais moderno, e cultural, no sentido de contemporâneo, as pessoas ficam um pouco aparvalhadas. É absolutamente interessante, e se é preciso que sejam os casinos, ou seja o que for, as entidades que tiverem disponíveis para isso, a ajudar a formação e promoção desses criativos, algo que só se consegue com muito dinheiro, que seja, porque os criativos também têm as suas famílias, e precisam de sustento. Por exemplo nós, na Creative Macau: eu convido as pessoas para expor, temos exposições colectivas, ou a seis ou a duas pessoas, ou individuais também. Mas nós não podemos subsidiar, não temos dinheiro para subsidiar, portanto depende também do interesse dos artistas. A vantagem em exporem na Creative está no facto de que, para os artistas depois poderem ter mostras nesses grandes átrios locais e internacionais, precisam de antes disso expor individualmente, e, portanto, nós somos uma mais-valia para eles. Não estou a puxar a brasa só à minha sardinha, isto também acontece noutros espaços. O artista não vai a lado nenhum participando em exposições colectivas. Vai numa exposição colectiva, etc, mas tem de dar provas de que é capaz de construir um corpo ou vários corpos de trabalhos. É a tal identidade. É a diferença que faz com que as pessoas confiem e se sintam motivadas e queiram arriscar, e confiar naquele artista. É tudo assim, nada se faz sem experiência.

Acha que os artistas cá em Macau são de qualidade internacional?

É evidente. Não tenho dúvidas nenhumas, e sempre vi com esses olhos, e eu comparo, e sempre o disse em todas as entrevistas e livros, porque eu vi, e estive e levei. Nós estamos muito bem entre os outros. É muito bom, nós fazemos bons trabalhos. Embora Macau seja pequeno, as pessoas formaram-se fora, na Europa, na Ásia, e têm contactos quer formativos, quer entre os demais que são fantásticos. E sabe como é, todas as pessoas querem ser diferentes.

Pode-me dar alguns exemplos de nomes de pessoas que acha que fazem um trabalho notável?

Posso falar no geral, membros e não membros; vem-me à cabeça a Alice Kok, ela sabe o que faz, tem um trabalho alinhado em forma conceptual, e que é bom em qualquer lado; por exemplo, o Alexandre Marreiros, o trabalho dele é bom em qualquer lado, e eu só estou a ver o de agora, mas antes também há outros. Por exemplo, a Debby Sou faz um trabalho fantástico. Ela é uma chinesa que, entretanto, foi viver para a Alemanha, já esteve em Hong Kong, e esteve em Portugal. Há tantas pessoas, aliás que se vê nas exposições que estiveram em tantos sítios, e os galeristas e associações apostam neles. Às vezes é tão surpreendente porque os criativos têm complexos em mostrar, mas quem não tem, e o faz, acaba por fazer o seu caminho. Assim como uma criança que no princípio está deitada, e depois vai aprendendo a andar, mas caindo. As pessoas às vezes têm desdém em mostrar, mas é importante tentar fazer, e esse talvez seja o passo mais difícil. Se nos lembrarmos de pessoas como Chagal, Picasso, Matisse, eles fizeram tudo para voltar a ser crianças, e foi assim que eles ficaram famosos. É preciso haver um respeito grande por quem tem coragem de mostrar, e depois a coragem é sustentada na crítica, mas crítica formativa, claro, e no crivo das instituições. Pode às vezes uma instituição gostar de uns trabalhos e não de outros; é preciso que o criativo nunca se vá abaixo com isso, e continue a criar, em cima dos erros. Não há ninguém que seja profissional sem antes ter sofrido imenso com esses trabalhos que adora, e depois tenta fazer outros, e é um desastre completo. O talento está ligado à individualidade. Gostaria apenas de referir mais um artista, o Eric Fok, que desenha em linhas e constrói todo um mundo imaginário, por exemplo de Macau e não só, de Veneza, etc, e mistura a época dos descobrimentos com a de agora. Na sala oposta à entrada no Museu de Arte, há um espaço chamado Art Space onde estão expostos artistas locais como o Eric Fok, o Konstantin Bessmertny, o Ung Vai Meng, que foi director do museu, o Lampo Leong, da UMAC, e um fotógrafo também muito bom, que já participou com Ung Vai Meng na bienal de Veneza há dois anos. Está ali uma mão cheia dos locais, que os casinos convidaram a desenvolver os trabalhos. E, claro, tiveram que injectar dinheiro para poder fazer aquilo. Recomendo que se vá ver esta exposição para ver como nós em Macau somos fantásticos. Não ficamos aquém de maneira nenhuma.

Tem projectos planeados, qual é o futuro próximo para a Creative Macau?

Em princípio a gente continua, estamos num espaço que pertence ao Centro Cultural de Macau, e penso que estaremos lá até que seja possível. Vamos continuar a desenvolver com um orçamento que vamos tendo, e fazer aquilo que fazemos: um festival de curtas de Macau, que é internacional, e que nos consome imenso tempo, que decorre sempre em Dezembro. Este ano, será de 5 a 13 de Dezembro, e vai incluir um simpósio com master classes, etc, mas que ainda está a ser delineado.

E onde vai decorrer?

É no Teatro Capitólio. Já é o nosso terceiro ano, e é um festival muito interessante, especialmente os filmes da noite, que são sempre com um conteúdo assim mais para adultos. Vamos ter agora um workshop de gravura japonesa nos quatro sábados de Setembro a começar no dia 2, um workshop que é gratuito. Sempre que seja possível, vamos organizando este tipo de iniciativas porque é algo que fazemos bem, e se houver algo extraordinário também podemos fazer, mas também só somos uma equipa de três pessoas desde 2003, e não temos muita capacidade de fazer muito mais. Isto tudo exige muito trabalho, por exemplo, o festival de curtas exige 9 meses de trabalho, mas as outras coisas também exigem, são os pequenos detalhes, toda aquela atenção e preparações.

A exposição dos 40 artistas que está na Creative Macau por ocasião do 20.º aniversário tem o tema das quatro estações? Porquê a escolha deste tema?

Sou sempre eu que escolho os temas para exposições colectivas, e escrevo o conceito para as pessoas se inspirarem. Não obrigo ninguém a fazer aquilo, é mais para que os artistas reflitam sobre o tema. Portanto pensei nas quatro estações, porque achei que era interessante, porque as quatro estações é tudo, é o cosmos, é o globo, somos envolvidos por toda a natureza. Não quer dizer que as quatro estações sejam as da Primavera, Verão, Outono, Inverno, também podem ser outras, podem ser as estações da vida das pessoas, se elas querem contar uma história de uma estação, e concentrarem-se numa parte, que o façam, é apenas um mote representativo. As pessoas têm imensas ideias, e eu quero apenas que elas as tragam cá para fora. É preciso é dar liberdade às pessoas, liberdade naquele sentido de pensar, e de ser possível fazer as coisas. Mas as pessoas têm de trabalhar para aquilo ser possível, porque as pessoas podem ter ideias, mas depois quando se começa a fazer o trabalho, não funciona, e então tem de se pensar noutra coisa. Rita Gonçalves – Macau in “Ponto Final”


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