Adecoal escolheu, há quase 18 anos, o lápis e o pincel como “armas” para “despertar consciências”, denunciando as preocupações de uma juventude que, desde a morte do ‘rapper’ e activista Azagaia, percebeu que em Moçambique “as liberdades estão ameaçadas”. “Eu transformo o meu trabalho de arte e ‘design’ numa força de combate. Uma força para despertar os outros”, explica à Lusa o artista, a partir do seu pequeno ateliê no interior do bairro do Alto Maé, na cidade de Maputo
A
viagem pelo mundo das cores de Adecoal, nome artístico de Alberto Correia,
começa aos quatro anos, mas só mais tarde ele percebe que está perante uma arte
capaz de operar mudanças sociais, principalmente face aos inúmeros desafios da
juventude da periferia de Maputo.
Com
um nível de minuciosidade profundo, Adecoal pinta a lápis ou a pincel uma
realidade que lhe é própria, exaltando a cultura urbana em quadros ou peças de
roupa com uma expressão intensa e que expõem as tristezas e as alegrias dos
becos e ruelas da capital moçambicana. “Os subúrbios fizeram-me como artista
[…] as condições em que nós fazíamos o nosso trabalho, os jovens que nós víamos
a perderem-se nas drogas e no crime. E todos os outros problemas sociais. Todos
estes componentes transformaram-me no que eu sou hoje”, explicou o jovem
artista, enquanto pinta mais um quadro.
No
seu ateliê, entre a leve desordem típica de um artista obcecado e clássicos de
álbuns musicais de ‘rappers’ de intervenção social que ele escuta enquanto
pinta, quadros de figuras de referência da história de Moçambique – entre as
quais o artista plástico Malangatana – denunciam a génese da visão rebelde que
compõe Adecoal. “Eu sou fruto da intervenção social”, explica o artista, que
admite influências de ‘rappers’ como o português Valete e o moçambicano
Azagaia, este último falecido em Março e de quem era amigo.
“Para
mim o Azagaia só morreu na parte física e ainda dói muito saber que nunca mais
o poderei ver […] quando ele morre, nós estávamos a trabalhar no ‘branding’
da imagem dele e tínhamos várias coisas agendadas […] Fiquei chocado e, no dia
seguinte, pintei em sua homenagem a chorar”, lamentou o artista.
Azagaia
morreu em 9 de Março vítima de doença, consternando milhares de fãs e sobretudo
jovens que se revêem nas suas mensagens quase por toda a lusofonia. Após a sua
morte, um grupo de activistas tentou organizar, em 18 de Março, marchas em sua
homenagem em todo país, iniciativas que foram reprimidas com violência pela
polícia, deixando vários feridos.
“Nós
fomos mal interpretados no dia 18 de Março. Nós queríamos homenagear alguém que
admirámos porque conseguiu mostrar-nos que há outras formas de estar e pensar
[…] Mas ficou claro que realmente não temos o direito de mostrar o que nós
somos ou que nós pensamos. É triste para um país como nosso, que se diz
democrático”, concluiu Adecoal.
Os
episódios de 18 Março mereceram a condenação de várias entidades que alertaram
para a violência policial injustificada face a grupos pacíficos e desarmados,
classificando-os como um dos sinais mais visíveis das limitações à liberdade de
expressão e de manifestação em Moçambique. In “Jornal Tribuna de Macau” -
Macau com “Lusa”
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