I
Depois
de incursionar por outras áreas do pensamento, como poesia, crônicas, estudos biográficos, História e obras
jurídicas, o professor e advogado David de Medeiros Leite (1966), mestre e
doutor em Direito pela Universidade de Salamanca, na Espanha, começa agora
promissora carreira como ficcionista, com o lançamento de 2020, romance
escrito na primeira pessoa, que procura resgatar a vida de um personagem que
viveu num convento entre 1963 e 1968.
Esse
personagem, José Silvestre de Araújo, nascido e criado em Pedras de Fogo,
município da região metropolitana de João Pessoa, capital do Estado da Paraíba,
seria levado já moço por um tio para Recife, onde ingressaria numa ordem
carmelita, o Convento do Carmo, tradicional estabelecimento religioso de
Pernambuco. Lá, teria a oportunidade de tentar concretizar um sonho da
infância, surgido depois de ouvir muitas lendas contadas por parentes e
conhecidos: encontrar uma botija que estaria enterrada em determinado lugar,
escondida por um frade da ordem carmelita.
Escrito
em linguagem madura que faz esperar outras incursões do autor na área da
ficção, 2020 presta também uma homenagem ao historiador e antropólogo
Câmara Cascudo (1898-1986), a quem frei José de Santo Elias, nome religioso do
protagonista, recorreria na tentativa de encontrar pistas para localizar a tal
botija, que, afinal, nunca seria achada.
Aliás,
as ligações do autor com Câmara Cascudo já são antigas, pois, aproveitando o
tempo que passou em Salamanca fazendo mestrado e doutorado em Direito, ele
conseguiu localizar na Casa-Museu de Miguel de Unamuno (1864-1936) uma carta
em que o historiador potiguar se
solidarizava com o pensador espanhol em razão do “banimento” sofrido este por
sua oposição à ditadura do general Primo de Rivera (1870-1930), que durou de
1923 a 1930.
No
romance também aparece a figura de Dom Hélder Câmara (1909-1999), bispo
católico, arcebispo emérito de Olinda e Recife, um dos fundadores da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e grande defensor dos direitos
humanos durante a ditadura militar (1964-1985).
II
Misturando
história e ficção, 2020 recupera também fatos ocorridos em 1968, ano em
que houve um endurecimento por parte do regime militar, com perseguições
a líderes políticos e homens de pensamento. Mas, a rigor, o romance gira em
torno do Convento do Recife, como é mais conhecida aquela instituição, e sobre
a presença de carmelitas em Mossoró, município localizado na região Oeste do
Rio Grande do Norte, sem deixar de recuperar um fato que até hoje desafia a
memória dos mossoroenses mais antigos, ou seja, um crime ocorrido naquele ano
de 1968 no Grande Hotel, até hoje nunca esclarecido.
Depois
da vida religiosa, Silvestre de Araújo assumiria a profissão de carteiro,
viajando, certo dia, a Mossoró para visitar as ruínas da Casa do Carmo, que
seria o local onde estaria escondida a botija. Em suas rememorações já como
carteiro aposentado, o protagonista não deixaria de recordar as perseguições
sofridas pelo acosso do desejo sexual, depois de conhecer Marília,
recepcionista de um hotel em Mossoró, diante da promessa que fizera de não
romper o celibato.
Em
resumo: escrito em estilo leve, que atrai a atenção do leitor deste a primeira
linha, 2020 é romance que veio para ficar não só na história da ficção
do Rio Grande do Norte, mas da Literatura de expressão portuguesa. E que já foi
saudado pelo poeta peruano Alfredo Pérez Alencart, radicado como professor
universitário em Salamanca desde 1987, que, inclusive já traduziu para o espanhol
um livro de David de Medeiros Leite sobre aquela mítica cidade espanhola.
Do
romance do advogado potiguar, “escritor que vai abrindo sua própria senda nos
diferentes deltas da literatura”, Pérez Alencart diz que se trata de uma
história bem trabalhada, com diálogos bem construídos, com ritmo cadencioso que
permite leitura fluída. “Há reflexões que configuram a condição humana em todos
os tempos e lugares, como, por exemplo, quando o protagonista comenta: “Ah, a
inveja! Quão subjetiva e, por vezes, imperceptível! Depois de um comentário
sobre a brilhante homília proferida por nosso Provincial, percebi, na reação de
alguns frades, esboços de inveja. O elogio mesclado com ironia deduz inveja,
com certeza” (pág. 74).
III
Nascido
em Mossoró, David de Medeiros Leite, graduado em 1999 pela Universidade do
Estado do Rio Grande do Norte (UERN), é também gestor com atuação em diversos
cargos na administração pública e professor da UERN desde 2004, onde desenvolve
pesquisas, especialmente na área de Direito Público.
Foi
pró-reitor de Gestão de Pessoas na UERN e é assessor jurídico da presidência do
Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte. Foi ainda
diretor-científico da Fundação de Apoio à Pesquisa no Estado do Rio Grande do
Norte (Fapern). Em 2005, em parceria com o escritor Clauder Arcanjo, criou a
editora Sarau das Letras. Além de livros de poemas, tem publicado biografias e
livros de crônicas e de História com temas ligados ao Nordeste, em especial à
cidade de Mossoró.
É
autor de Companheiro Góis – dez anos de saudade, biografia (Coleção
Mossoroense, 2001), Os carmelitas em Mossoró, em coautoria com Gildson
Souza Bezerra e José Lima Dias Júnior (Coleção Mossoroense, 2002), Ombudsman
mossoroense (Sebo Vermelho, 2003), Duarte Filho: exemplo de dignidade na
vida e na política, biografia, em coautoria com Lupércio Luiz de, Azevedo
(Sarau das Letras, 2005), Incerto caminhar (Sarau das Letras, 2009), Cartas
de Salamanca (Sarau das Letras, 2011), Casa das lâmpadas (Sarau das
Letras, 2013), Mossoró e Tibau em versos – antologia poética, em
coautoria com Edilson Segundo (Sarau das Letras, 2014), Mi Salamanca: guía
de un poeta nordestino, com tradução e prólogo de Alfredo Pérez Alencart
(2018), Aldemar Duarte Leite: centenário de nascimento, biografia
(2018), e História da Liga Operária de Mossoró, em coautoria com José
Edílson Segundo e Olivá Leite da Silva Júnior (2018).
Em
2015, lançou Ruminar (Rumiar), livro de poemas em edição bilingue, pela
Editora Sarau das Letras, de Mossoró, e Trilce Editores, de Salamanca. Em 2017,
publicou ainda Rio de Fogo, coleção de vinte poemas, com 40 fotografias
do magistrado Bruno Lacerda que mostram aspectos da cidade de Rio de Fogo,
localizada na região Norte do Rio Grande do Norte.
Na
área de Direito, é autor ainda de Presupuesto participativo en municipios
brasileños: aspectos jurídicos y administrativos (Editorial Académica
Española, 2012) e Participação política e cidadania – Amicus Curiae,
audiências públicas parlamentares e orçamento participativo, em coautoria
com José Armando Pontes Dias Júnior e Aurélia Carta Queiroga da Silva (2018). Adelto
Gonçalves - Brasil
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2020,
de David de Medeiros Leite., com apresentação de Humberto Hermenegildo, membro
da Academia Norte-rio-grandense de Letras e sócio efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Mossoró: Sarau das Letras, 234
páginas, 2020. E-mails: clauderarcanjo@gmail.com davidmleite@hotmail.com
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Adelto Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
USP e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Nova Fronteira, 1999), Barcelona
Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; Publisher Brasil, 2002), Bocage
– o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio Gonzaga
(Imprensa Oficial do Estado de São Paulo (Imesp)/Academia Brasileira de Letras,
2012), Direito e Justiça em Terras
d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imesp, 2015), Os Vira-latas da Madrugada
(José Olympio Editora, 1981; Letra Selvagem, 2015) e O Reino, a Colônia e o
Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo 1788-1797 (Imesp, 2019),
entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br