Como será a paisagem de Macau em 2049? O artista conceptual Ricardo Lima tentou dar resposta à questão e, tendo como referência o filme “Blade Runner 2049”, recriou uma Macau em que o nível da água chega ao Grand Lisboa e em que as Ruínas de São Paulo são apenas hologramas. As visões do futuro estão em exposição no Taipa Village Art Space até 8 de Janeiro
O
nível da água do Rio das Pérolas subiu e o mar chega agora à entrada do Grand
Lisboa, com embarcações a circundarem o casino e hotel. Em cima da Avenida do
Infante D. Henrique, as pontes multiplicam-se. Ainda há o Grand Lisboa, mas,
visto de longe, o horizonte de Macau está irreconhecível, nasceram dezenas de
novos arranha-céus iluminados com néons. A paisagem está diferente, mas os
pastéis de nata de Macau – ou as ‘portuguese egg tart’ – continuam a ser
servidos dentro dos apertados “estabelecimentos de comidas”. Já as Ruínas de
São Paulo caíram e os milhares de turistas que atravessam a Rua da Palha olham
agora para um holograma que substitui o monumento icónico de Macau.
Esta
é a Macau de 2049 que Ricardo Lima imaginou e que está em exposição no Taipa
Village Art Space até 8 de Janeiro de 2021. A mostra teve início no dia 7 de
Outubro. Com a arte conceptual como linguagem e o filme “Blade Runner 2049”
como referência, o artista fez uma caricatura da região, naquele que será o ano
em que Macau deixará de ter o seu próprio sistema dentro do princípio ‘Um País,
Dois Sistemas’ e passará oficialmente a ser uma cidade chinesa.
Macau em ficção científica
João
Ó, curador do Taipa Village Art Space, foi quem deu a ideia a Ricardo Lima. “O
João Ó, quando me contactou para fazermos esta exposição, tinha a ideia de
fazer um projecto relacionado com a cidade de Macau, em que eu pudesse pegar na
cidade e fizesse qualquer coisa relacionada com aquilo que eu faço para
apresentar aí. Então, tivemos a ideia de fazer o projecto de ficção
científica”, contou Ricardo Lima ao Ponto Final.
Esta
é a primeira vez que Ricardo Lima apresenta o seu trabalho em forma de
exposição. “Na verdade, não é muito comum os artistas conceptuais realizarem
exposições, mas foi algo a que sempre estive aberto. Os artistas conceptuais
não vêem necessariamente o que fazemos como arte. O que fazemos está mais relacionado
com o ‘design’ e é muito centrado na indústria”, ressalva.
“Quando
este projecto começou, estive a falar com o João durante umas boas horas sobre
Macau e o que é que se estava a passar neste momento, como se estava a
desenvolver Macau, em termos políticos, económicos. É sempre importante
perceber isso quando se faz um projecto”, detalhou o artista. Das conversas
resultou, então, a ideia de “dar a visão da Macau do futuro”, através de
imagens semelhantes a filmes de ficção científica ou videojogos.
A
data escolhida, 2049, é, além do ano do fim da autonomia de Macau, uma alusão
ao “Blade Runner 2049”. “Eu sempre fui um grande fã do filme original e acho
que a nova versão também está muito muito boa. Achei piada, visto que seria um
projecto de ficção científica”, referiu, explicando: “Foi por essa coincidência
do título do ‘Blade Runner’ e o facto de haver essa transição para a China e o
impacto que isso pode vir a ter que acabámos por enveredar por este caminho”.
Além
do filme de 1982 realizado por Ridley Scott – e também o mais recente realizado
por Denis Velleneuve – o trabalho de Ricardo Lima é também influenciado por
outros filmes de ficção científica populares, como “Akira”, de 1988; “Total
Recall”, de 1990; “Ghost in the Shell”, de 1995; “Fifth Element”, de 1997; e
“Dredd”, de 2012.
Uma realidade exagerada
Ainda
que Ricardo Lima confesse que a Macau do futuro possa vir a ser “bastante
diferente” daquilo que é retratado na exposição, o artista explica que o seu
trabalho é, precisamente, “criar mundos novos, visualmente interessantes para
os espectadores”. “Obviamente que são alternativas a uma realidade e muitas
vezes são exageradas”, assume. “O trabalho que eu tenho não vai ser um espelho
directo [da Macau de 2049], não vai ser 100%”, sublinha.
Há,
porém, “pequenos elementos” presentes nas peças que estão em consonância com
aquilo que poderá realmente verificar-se na região, em 2049. “O nível do mar
pode, efectivamente, subir, e isso altera determinado tipo de questões
urbanísticas e de arquitectura”, exemplifica, acrescentando que os avanços
tecnológicos e de construção presentes nas obras “também podem vir a
verificar-se”. Neste aspecto, “tudo isso pode vir a ser possível”.
Ricardo
Lima tirou a licenciatura em Desenho na Faculdade de Belas Artes de Lisboa.
Depois da Licenciatura, decidiu que queria enveredar pela arte conceptual e
pelo ‘concept design’ na indústria cinematográfica e de videojogos. Com esse
objectivo, continuou os estudos em Singapura. Até aqui, tem trabalhado nesta
área e fez parte da equipa que desenvolveu o último jogo de Tomb Raider, de
2013, por exemplo.
“No
‘concept art’, nós trabalhamos directamente com os directores de arte, com os
produtores e com os criativos. E a ideia é trazer as ideias de um jogo ou de um
filme e pô-las num aspecto visual, em imagens, para o resto da equipa perceber
qual é a direcção que se quer seguir antes de aprovar o que quer que seja e
antes de se começar a construir os cenários ou a criar o jogo em si”, explica o
artista.
Imaginar a Macau do futuro sem ter estado na Macau do
presente
Apesar
de imaginar a Macau do futuro, Ricardo Lima não conhece a Macau do presente.
Tem ligações familiares ao território, mas nunca esteve na região. “Nunca tive
a oportunidade de visitar Macau, infelizmente. Este ano era uma das hipóteses,
se não fosse esta pandemia”, lamenta.
Isso
não é impedimento, até porque “muito do trabalho que nós fazemos pode ser uma
representação de espaços que existem”. “Muitos dos projectos em que trabalho
são hipóteses de outros espaços no mundo, outras cidades, outras realidades
alternativas”, assinala. Recriar um local tendo lá estado “ajuda sempre, a
experiência é completamente diferente se conhecermos bem o sítio”. Mas “não nos
podemos dar ao luxo de só fazer projectos nos quais nós conheçamos os locais em
pessoa”, nota, acrescentando que o essencial é o trabalho de pesquisa de cada
sítio. André Vinagre – Macau in “Ponto Final”
andrevinagre.pontofinal@gmail.com
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