Faleceu, na sexta-feira, aos 84 anos, Mio Pang Fei, pintor considerado como o “pai” do neo-orientalismo, que funde técnicas artísticas do Ocidente com tradições do Oriente. Konstantin Bessmertny recorda o artista com “uma importância maior que os limites de Macau” com o qual conseguia conversar apesar das barreiras linguísticas. Já Carlos Marreiros presta tributo a um “homem extremamente culto” e um “artista excepcional”, que durante os tempos da Revolução Cultural estudava pinturas através de revistas de decoração
O
pintor Mio Pang Fei faleceu na sexta-feira aos 84 anos. Natural de Xangai,
vivia em Macau desde 1982 e, ao longo da sua carreira, desenvolveu um estilo de
pintura muito próximo, que une técnicas artísticas típicas do Ocidentes com as
tradições culturais chinesas, ao qual deu o nome de neo-orientalismo.
Ao
Jornal Tribuna de Macau, Konstantin Bessmertny recorda “um artista importante”
que o surpreendeu pela positiva, tendo sempre gostado dos seus trabalhos e da
sua filosofia.
“Sem
perceber chinês e ele também não falava inglês, conseguíamos ter conversas. Nem
toda a gente percebia aquele mundo que temos porque ele é da mesma geração que
os meus professores e têm o mesmo tipo de referências. Por exemplo, às vezes
dizia o nome do meu artista preferido do século XIX e ele conhecia, sabia quem
era, dizia se era muito bom ou muito mau”, contou.
No
fundo, descreveu, “conseguíamos ter conversas e ficava sempre surpreendido como
duas pessoas, sem usar a mesma língua, conseguiam conversar”. Konstantin
Bessmertny diz ter pena do desaparecimento de Mio Pang Fei uma vez que sempre
gostou dele. “Penso que é um dos artistas mais profissionais de Macau”.
Porém,
o artista prefere não se focar apenas no impacto do pintor chinês em Macau.
“Tem de se ver as coisas de fora do limite geográfico. Ele podia sobreviver em
qualquer outro sítio. Ele tem uma importância maior que os limites de Macau e,
neste aspecto, novas gerações de artistas, poucos deles são tão profissionais”,
defendeu.
Por
sua vez, Carlos Marreiros lembra um dos fundadores do Circulo de Amigos da
Cultura de Macau com o qual teve “uma amizade profunda” por conhecê-lo há muito
tempo. “É um homem extremamente culto, um artista excepcional. A vida para ele
era só a pintura, não tinha outro interesse que não fosse estudar”, frisou o
arquitecto em declarações a este jornal.
“Ele
estudava muito a pintura Ocidental. Nos anos da Revolução Cultural da China era
muito difícil ter acesso a livros e a conceitos ocidentais e, por isso, ele
estudava as pinturas através de revistas de decoração porque nelas as paredes
tinham quadros, mas na fotografia das revistas os quadros eram do tamanho de um
selo. Imagine o esforço de ver os quadros que queria descobrir através de
fotografias de revistas de decoração”, contou Carlos Marreiros.
Além
disso, destacou, Mio Pang Fei era um estudioso “muito atento e profundo da civilização
chinesa clássica e da história”. “Ele dominava os clássicos chineses, os
grandes romances, e usava uma linguagem contemporânea para interpretar a
civilização chinesa. Ele considerava que o povo chinês sofreu muito ao longo
dos séculos e a pintura dele reflecte isso para quem quer ver porque, muitas
vezes, usava cores fortes. A sua pintura é profundamente triste mas
extremamente brilhante e contemporânea”.
Um artista pioneiro
“Ele
foi um dos pioneiros da China e, de certa forma, do Sudeste Asiático ao
introduzir elementos chineses e ocidentais, recriando um discurso forte,
contemporâneo, mas carregado de significado. Nunca se preocupou com vender
quadros, aliás, era uma dor para ele vender um quadro. Ele gostava de os
guardar como legado para o futuro, para a família, para os alunos”, indicou
ainda Carlos Marreiros.
Para
o arquitecto é também importante referir que Mio Pang Fei “renovou o discurso”
e misturou frentes tão distintas “como a pintura Ocidental e a expressão
tradicional chinesa”. “Ele admirava muito um artista basco chamado Antoni
Tàpies, que utilizava elementos muito fortes, muito salientes, mas todo o tipo
de aproximação que fazia estava ligado à civilização chinesa, não só as artes
plásticas mas à civilização em si”.
Carlos
Marreiros sublinha que Mio Pang Fei é “um artista de Macau”. “Ele nasceu em
Xangai, mas tinha um amor profundo por Macau e até por Portugal. Gostava muito
da comunidade portuguesa, que desde os anos 80 ou 90 o admirou bastante e
sempre o apoiou. Não há problemas em dizer que ele é um artista de Macau porque
esteve aqui desde 1982, são quase 40 anos. Apesar da pintura dele não reflectir
Macau, é um artista de cá e é importante que isto seja realçado e apoiado para
que o seu legado fique”.
Recorde-se
que, em 2015, Mio Pang Fei foi seleccionado pelo Museu de Arte de Macau para
representar a RAEM na 56ª Bienal de Veneza.
Pedro
Cardeira, que realizou em 2014 um documentário focado na vida do pintor, reagiu
à sua morte numa publicação no Facebook. “É sempre triste despedirmo-nos de um
amigo. Mais ainda quando ele foi tão gentil e generoso, abrindo-nos a porta da
sua casa, acolhendo-nos como se fôssemos família, partilhando connosco a sua
companhia, o seu saber, os seus pensamentos, os seus segredos, sem receios, nem
preconceitos”, lê-se na mensagem.
“E
nós, de câmara nas mãos, registando tudo, na tentativa de lhe retribuir a nossa
amizade, admiração e respeito numa tela gigante. No final agradece-nos dizendo
‘passei a vida inteira para dizer o que vocês dizem em 90 minutos!’, se o
conseguimos, foi porque nos deu tanto. Bem haja meu querido Mio Pang Fei. Fica
este filme para celebrar a nossa amizade!”, escreveu ainda Pedro Cardeira.
No
final de 2016, Pedro Cardeira esteve em Macau para apresentar, na Fundação Rui
Cunha, o seu documentário subordinado à vida e obra de Mio Pang Fei. Na altura,
explicou ao Jornal Tribuna de Macau que foi num almoço entre a sua família e a
da sua esposa, em 2010, que teve o primeiro contacto com o artista com quem não
conseguia comunicar por não falar chinês. Ainda assim, “começou logo a criar-se
uma empatia por estamos os dois relacionados com uma área artística”, contou.
“Percebi
logo que estava perante uma pessoa extremamente interessante, muito amável, mas
sentia-se algum sofrimento nele também, e fiquei com aquela sensação de estar
diante de alguém que tem imenso para contar”, confessou, então, Pedro Cardeira.
Um
ano depois, isto é, em 2011, falou com Mio Pang Fei sobre a ideia de produzir o
documentário e o pintor ter-lhe-á dito que seria muito interessante ver um
ocidental a contar a sua história. Posteriormente, Pedro Cardeira dedicou-se à pesquisa
sobre o artista, recorrendo nomeadamente a livros já que “felizmente” havia já
muitas obras traduzidas sobre o artista. Só depois os dois foram desenvolvendo
uma relação de amizade. Inês Almeida – Macau in “Jornal
Tribuna de Macau”
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