Na reunião de trabalho sobre Macau como cidade criativa de gastronomia, que decorreu na terça-feira, foi anunciado o lançamento oficial da Base de Dados da Cozinha Macaense, que servirá para promover o ensino, a herança e a divulgação desta cultura gastronómica como património de Macau. No entender de Carlos Cabral, presidente da Confraria da Gastronomia Macaense, esta base de dados “pode ser como um tesouro da comunidade macaense”
Na
terça feira, dia 24 de Novembro, foi lançada uma base de dados da cozinha macaense
em forma de página electrónica que servirá para destacar o desenvolvimento de
Macau como uma cidade criativa de Gastronomia. Ao mesmo tempo, foi criada
também uma sala temática na biblioteca do Instituto de Formação Turística (IFT)
para promover o ensino, a herança e a divulgação desta cultura gastronómica.
O
Ponto Final falou com Carlos Anok Cabral, presidente da Confraria da
Gastronomia Macaense, que explicou um pouco sobre o projecto. “Esta base de
dados está dividida em várias partes. Uma das partes é a publicação dos livros
que ao longo dos anos foram publicados, e depois há uma outra parte que são os
manuscritos, isto é, as receitas que determinadas famílias forneceram como um
‘scan’ das receitas originais. Depois há também receitas dactilografadas e até
fotografadas”, prosseguiu.
Questionado
sobre a demora do lançamento desta base de dados, Carlos Cabral referiu que no
Instituto Cultural, tal como da parte da Confraria, fez-se um apelo para
macaenses e para as Casas de Macau das diásporas que tivessem receitas, de modo
a que as fornecessem e ajudassem neste projecto de construção da base de dados.
“É lógico que a maioria das pessoas são hesitantes em partilhar receitas
secretas da família, e portanto houve uma certa dificuldade nessa parte”,
lamenta. Carlos Cabral refere também que gostaria que esta base de dados
continuasse a ser constantemente actualizada porque este projecto não é apenas
para o público interessado consultar, servirá também, em grande parte, para o
uso do IFT, que deverá pegar nas receitas e ensinar aos chefs mais novos da
cozinha macaense. Para além disso, servirá também para “construir a história da
nossa cultura através da nossa gastronomia”, indica o presidente da Confraria.
Aderência da diáspora ao projecto
Em
relação à aderência da diáspora a este projecto, Carlos Cabral disse que houve
algum interesse mas também algumas dificuldades, e mencionou o caso de uma
senhora, a viver na Austrália, que não quis fornecer as receitas alegando que
pretende publicar o seu próprio livro. “É o tal costume do pensamento dos
macaenses antigos, que as nossas receitas não se podem fornecer às outras
pessoas, fora da família mais chegada, e é por isso que às vezes é comum até
levar as receitas até à cova, como se costuma dizer”, disse Carlos Cabral,
assinalando que este pensamento terá de ser alterado porque não se trata apenas
de uma base de dados, mas também da própria história da comunidade macaense e
da sua preservação.
“São
coisas como estas que nós temos de preservar, isto e muito mais, pois nunca
tinha passado pela cabeça de muitas pessoas que a comida macaense passasse um
dia a ser património imaterial da RAEM. Eu apelo às pessoas para aderirem mais,
para isto se poder sustentar e dar continuidade”, reiterou o presidente da
Confraria da Gastronomia Macaense.
Apenas em inglês
Nesta
fase inicial, a base de dados encontra-se apenas em língua inglesa, mas Carlos
Cabral acha que “devia ser também oferecida em português e chinês”, lembrando
que o projecto foi criado em Macau. “Visto também que a maioria da população
aqui é chinesa, é seguro que muitos chefs chineses estarão interessados também
nestas receitas da comida macaense”, apontou Carlos Cabral, que nesta base de
dados tem o seu livro “Comê Qui Cuza”, embora nesta fase apenas em versão
japonesa. “Houve muitos japoneses interessados na comida macaense, e como eu
quis fazer chegar o meu livro a eles, publiquei-o na própria língua materna
deles, pois achei que seria de maior compreensão”, explicou. O autor
acrescentou ainda que as versões do seu livro em língua portuguesa, chinesa e
inglesa encontram-se esgotados, e que por isso não constam na base de dados.
Carlos
Cabral refere que ainda não teve tempo de ver todas as receitas que constam na
base de dados, mas que espera que possa servir para ser uma base ou um manual,
para que os cozinheiros possam tentar confeccionar os pratos macaenses. “Este é
um dos objetivos da criação desta base de dados”, apontou.
Um
outro desafio para a confecção dos pratos através destas receitas é que os
ingredientes não estão em quantidades claras, e cita um exemplo da sua tia-avó
que escrevia as suas receitas usando quantias monetárias como quantidade. “Ela
escrevia um cêntimo de açafrão, ou 10 patacas de carne de porco. Nos tempos de
hoje, em termos de peso, já não é possível saber qual é a quantidade. Vai ser
algo difícil, pois muitas das receitas estão em cêntimos, que é algo que já não
se utiliza”. O grande desafio aqui será calcular e ajustar as receitas para se
poder ter o “sabor original”, contando com a ajuda das pessoas mais velhas
“pois elas ainda têm a memória desse paladar ou sabor original de que provaram
na sua infância”.
Tesouro da comunidade
Questionado
acerca da importância desta base de dados para a comunidade em geral, Carlos
Cabral considera que “pode ser como um tesouro da comunidade macaense”. E em
relação às novas tendências no mundo da gastronomia no território, tal como o
vegetarianismo ou a inclusão de sabores e especiarias de outras culturas,
Carlos Cabral sente que isso é algo natural para Macau pois há tipicamente uma
grande variedade de gastronomias diferentes que acabam por se misturar.
Carlos
Cabral nota também que cada vez mais pessoas se convertem ao vegetarianismo por
ser mais saudável, acrescentando que a própria gastronomia macaense pode também
variar o seu modo de preparação porque, apesar do método ser uma mistura da
técnica e dos ingredientes portugueses e chineses, caso se consiga manter o
sabor original do prato não há razão para não se poder “variar o modo de
preparação”.
“Na
minha opinião não vai ser uma grande dificuldade a enfrentar, há sempre
clientela que quer provar comidas novas porque comer sempre a mesma coisa
enjoa”, disse o presidente da Confraria, entre sorrisos. “Por isso é que eu
concordo em haver variações, e acho mesmo que a gastronomia macaense, para se manter
viva e relevante, terá de ser flexível e ter atenção também às novas
tendências. Eu acredito que cada um terá as suas preferências e há lugar para
todos poderem escolher os seus pratos favoritos”, concluiu. Joana Chantre –
Macau in “Ponto Final”
joanachantre.pontofinal@gmail.com
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